Direto para o segundo turno

Pesquisa Genial/Quaest
Cinco cenários de segundo turno

José Horta Manzano

Parecia blefe. Dez dias atrás, quando o encarcerado Bolsonaro designou o filho mais velho para suceder-lhe, pouca gente levou a sério. Este escriba, aliás, publicou neste mesmo espaço um texto um tanto sarcástico. O anúncio da escolha do filho me pareceu anzol pra fisgar peixe distraído. Imaginei que um candidato de sobrenome Bolsonaro carregasse um carma pesado demais para transpor a barreira dos que querem ver essa família pelas costas.

Passadas quase duas semanas, o quadro não mudou. A família Bolsonaro parece acreditar que o lançamento do primogênito à corrida presidencial é uma boa ideia. Pode até ser. Mas é bom dar uma olhada crítica à última pesquisa da Genial/Quaest, cujo resultado saiu neste 17 de dez°.

O relativo gráfico está no cabeçalho deste post. Os pesquisadores focalizaram no segundo turno – o que já dá sinal de que não preveem vitória de ninguém logo no primeiro turno. Para o segundo, foram testados separadamente cinco cenários. Cada um mostra o presidente Lula contra um dos cinco que, bem ou mal, já demonstraram interesse em participar.

Como mostra o gráfico, todos os cenários pressupõem que Lula chegue ao segundo turno. Eles mostram a disputa de segundo turno entre Lula e os candidatos, um por vez. Para enfrentar o atual presidente, o provável adversário seria um dos seguintes:

    • Cenário 1 – Flavio Bolsonaro
    • Cenário 2 – Tarcísio de Freitas
    • Cenário 3 – Ratinho Jr
    • Cenário 4 – Ronaldo Caiado
    • Cenário 5 – Romeu Zema

Em todos os casos estudados, o desafiante recebe entre 33% e 36% dos votos declarados. Quanto ao Lula, sua pontuação oscila entre 44% e 46%. Portanto, Lula leva, com folga, contra qualquer um dos adversários.

O resultado da pesquisa é surpreendente. À primeira vista, Lula parece firme, ancorado em torno dos 45%, um ponto a mais, um ponto a menos. Quanto ao desafiante, parece que os entrevistados não dão muita importância a eles. Seja qual for o nome, o segundo colocado teria 34%, 35% dos votos, um ponto a mais, um ponto a menos.

Não é estranho que nomes conhecidos, como Bolsonaro ou Tarcísio de Freitas, empatem com personalidades cuja fama não atinge o nível nacional? Fica a impressão de que, para o eleitor, tanto faz como tanto fez o nome do candidato. Há os que não querem saber de mudança e se preparam para votar Lula. E há os que não querem saber de Lula e se preparam para votar no candidato de oposição que ficar para segundo turno.

A um ano da eleição, Lula parece ter tirado o bilhete premiado. Se nenhum fato extraordinário acontecer daqui até lá, o Brasil se encaminha para um inédito 4° mandato do pernambucano. Mas muita coisa pode acontecer, como candidaturas surpresas, desistências, atentados, facadas, crimes, batidas da PF. Tanta, tanta coisa.

Se Flávio bater o pé e seguir firme no páreo, passaremos por um inconveniente. Vai ser muito chato ter de passar mais um ano ouvindo, à exaustão, o nome Bolsonaro.

Quem pensou que estava livre, errou. Mas o dia do ostracismo chegará. Um pouquinho de paciência, senhoras e cavalheiros.

As preocupações do mundo

O Globo, 27 fevereiro 2025

José Horta Manzano

O Ipsos, conhecido instituto francês de pesquisa de opinião, leva a cabo um estudo permanente em 29 diferentes países (entre os quais o Brasil) para aferir as inquietações dos respectivos habitantes.

Ao entrevistado, é apresentada uma lista de 18 tópicos de sociedade. Pede-se que ele selecione os três que lhe parecem os mais preocupantes. Os resultados são frequentemente evidentes, às vezes curiosos, sempre interessantes.

A edição mais recente acaba de ser publicada, com os dados de fevereiro de 2025. Sem surpresa, a maior preocupação do brasileiro (38%) são o crime e a violência, tópico que incomoda muito pouco os habitantes de Singapura, onde foram citados por somente 7% da população.

Na Argentina, desde que a inflação desenfreada dos últimos anos arrefeceu, na esteira das reformas de Milei, a população parece ter recuperado o sorriso. A confiança na economia subiu 28 pontos com relação ao mesmo período do ano passado. O castigo da hiperinflação dos anos recentes foi tão pesado, que hoje estão todos se sentindo aliviados, apesar de a situação ainda estar bastante complicada.

Já a perocupação dos brasileiros quanto à inflação, está crescendo no sentido contrário ao dos argentinos: mais confiança lá, maior preocupação aqui. Até o ano passado, no Brasil, o dragão da inflação parecia adormecido. Este ano, a população está sentindo que o dragão acordou.

A pobreza e a desigualdade social, como era de se esperar, empata com a criminalidade na preocupação dos brasileiros. Mesmo os cidadãos cuja posição social está distante dessa categoria, sentem que aí reside um dos maiores males nacionais. Uma curiosidade: no Japão, uma porcentagem elevada de cidadãos (33%) mostra preocupação com o aumento da desigualdade social no país. Visto de fora, não imaginaríamos que fosse essa uma das inquietudes japonesas.

O desemprego não parece estar entre as preocupações nacionais do momento. O Brasil é o 21° (em 29) na lista dos que receiam o desemprego. Já a Argentina aparece em 3° lugar na mesma lista. O contraste entre as duas maiores economias da América do Sul é grande.

Quanto à preocupação com a corrupção política e financeira, o Brasil aparece no meio da lista, próximo da média mundial. Não é que o brasileiro não perceba a corrupção que rói as entranhas da nação; eu diria que nossa indiferença é reflexo do desalento e da certeza de que, por mais que façamos, a classe política continuará a negar-se a servir ao povo para poder servir-se do dinheiro do povo.

O tópico que mais me impressionou foi o das mudanças climáticas. Entre os países que se preocupam com as mudanças no clima da Terra, o Brasil está em 18° lugar (entre 29 países). Ou seja, estamos longe de nos preocupar com o estado do planeta que vamos deixar para nossos filhos e para os que virão depois.

Nossas catástrofes climáticas dos últimos tempos (entre as quais, enchentes diluvianas no Rio Grande, labaredas espontâneas a lamber o Pantanal e a Amazônia, seca saariana no Rio de Janeiro) parecem não ser suficientes para sacudir a percepção do brasileiro e alertá-lo para o cataclisma em que já pusemos o pé. E que nos obriga a entrar na roda, queiramos ou não.

Há fenômenos naturais que não podemos combater por serem mais fortes que nós. Assim mesmo, temos meios humanos à nossa disposição para mitigar os efeitos de catástrofes. Cabe às nossas autoridades (federais, estaduais e municipais) investir em campanhas de esclarecimento da população. Cada um pode (e deve) fazer a sua parte. Tudo se aprende, que ninguém nasceu sabendo.

1,6 milhão?

Agência Brasil

José Horta Manzano

A Agência Brasil contou, todo o mundo copiou. A manchete é bastante precisa: “Show de Madonna reúne 1,6 milhão de pessoas em Copacabana”. Se tivesse dito “reúne 1,6 milhão”, já estaria de bom tamanho, visto que todos entendem tratar-se de “pessoas”. Mas o manchetista achou que a exatidão vale mais que a imprecisão.

A mídia europeia, que consultei, não deixou a ocasião passar em branco. Repetiram todos a contagem expressiva: 1,6 milhão (de pessoas, naturalmente)! Afinal, estava ali a prova de que um dos shows de maior plateia do mundo tinha ocorrido nas areias de Copacabana.

Passada uma semana, o assunto já amornou embora seus ecos ainda surjam aqui e ali, em bate-papos de boteco. E não é que o Instituto Datafolha publicou neste sábado o resultado de uma pesquisa traiçoeira, que vai decepcionar muita gente.

Valendo-se de um método novo, que passa até pela utilização de fotos aéreas do Google, o instituto concluiu que, no espaço em que a multidão se amontoou, não cabem mais de 875 mil pessoas. Assim mesmo, apertando muito, com 7 pessoas por metro quadrado. 1,6 milhão? Nem por sonho. Pode esquecer.

Não estou sabendo se há alguma rixa pessoal entre os que fizeram esse estudo (875 mil) e os que fizeram a primeira contagem (1,6 milhão). Se não for isso, esse novo estudo deixa no ar um climão do tipo: “Erraram eles ou erramos nós?”.

A contagem “científica” do instituto tinha de ter saído bem mais rapidamente, no dia do show ou no dia seguinte. Hoje, passada uma semana, é tarde demais. A nova contagem não tem serventia.

Não acredito que o levantamento do Datafolha contribua para a serenidade da atmosfera nacional. Na verdade, não serve pra nada, a não ser como jogada de marketing em causa própria: “Vejam como somos fantásticos, nós! Sabemos contar melhor que vosmicês!”.

Num ambiente nacional de polarização sistemática de tudo o que se diz e de tudo o que se faz, melhor teria sido se tivessem calado.

Terra plana

José Horta Manzano

Pensei que, com a derrota do capitão e com o falecimento de seu mentor, a teoria do complô que deu vida à terra plana também teria caído no esquecimento. Parece que não. Vamos lá.

Semana passada saiu nova pesquisa Datafolha baseada na entrevista de mais de 2 mil brasileiros em 113 municípios do país. A pergunta era:


“Na sua opinião, qual é o formato do planeta Terra: redondo ou plano?”


Nove em cada dez entrevistados responderam “redondo”, mostrando estabilidade com o percentual aferido na pesquisa de 2019, quando a mesma pergunta tinha sido feita.

No entanto, a par desses que deram a resposta padrão, um punhado de cidadãos mostrou acreditar que a Terra é plana – e tiveram a coragem de afirmá-lo. Entre os bolsonaristas, 8% são dessa opinião. Entre os petistas, nada menos que 7% estão também convictos de que a Terra é plana. Se acrescentarmos os que não souberam responder, que são 2% entre bolsonaristas e 3% entre lulistas, chegamos a um total de 10% da população. São indivíduos que se encontram numa zona de insegurança cognitiva.

Se esses 10% estão longe de representar a maioria dos brasileiros, assim mesmo não deixam de representar um cidadão em cada dez. Não é uma franja tão desprezível. Por que essas pessoas terão aberto os braços para o ensino dessa estranha cartilha?

Que eu me lembre, não se falava em “Terra plana” décadas atrás. Esse assunto surgiu depois da vulgarização da internet. Antes disso, não era um ponto polêmico. A gente aprendia que a Terra era redonda e pronto. Seria descabido pôr em dúvida.

A internet permitiu a disseminação dessa teoria complotista. De lá deve ter vindo o alerta: “Ô galera, olho vivo! Estamos sendo enganados pelos bilionários pedófilos que dirigem o mundo. A Terra não é redonda, é plana! Qualquer um pode constatar isso a qualquer momento, em qualquer lugar. Olhe em torno de você e não se deixe enganar!”

Bolsonaristas não são donos exclusivos da internet; lulopetistas também têm acesso. Em razão disso, 10% de nossos compatriotas, de esquerda ou de extrema-direita, se deixaram contaminar pela dúvida. E hoje todo esse contingente tem suspeita (ou certeza) de que nosso planeta não é uma bola redonda, que está mais pra bola murcha e achatada.

À vista disso, pode-se concluir que o espírito acrítico capaz de aceitar qualquer bobajada não é monopólio do torcedor bolsonarista. Os fãs do lulopetismo têm, em igual medida, o mesmíssimo espírito acrítico. Os números não mentem: 10% de uns contra 10% dos outros.

Na realidade, só adquire crença em algo que não foi ensinado na escola quem teve pouca escola. Ou escola fraca. O terraplanismo brota num ambiente em que não entra a leitura. É o mesmo terreno em que surgem as demais teorias complotistas e complotizantes.

Parodiando o que se dizia nos anos 1940 e 1950 sobre a saúva:


Ou o Brasil acaba com a ignorância ou a ignorância acaba com o Brasil.


 

Vox populi

José Horta Manzano

A pluma do jornalista Lauro Jardim nos informa que convocar a manifestação na Avenida Paulista duas semanas atrás foi um grande erro que Bolsonaro cometeu. Não se trata de opinião de uma pessoa, mas de resultado de pesquisa do Ipec, instituto que, entre os dias 1° e 5 de março, consultou dois mil eleitores sobre o assunto.

A uma questão direta, a resposta tem de ser direta. A pergunta era: “Na sua opinião, está certo ou errado o ex-Presidente Jair Bolsonaro convocar um ato em seu apoio após se tornar alvo de investigação da Polícia Federal pela suspeita de ter planejado um golpe de Estado?”. E a resposta só podia ser “certo” ou “errado”, sem mais nuances.

Pasmem: 61% dos entrevistados julgam que Bolsonaro errou ao organizar o comício. O resultado é surpreendente, visto que, pouco mais de um ano atrás, o país saiu das eleições dividido em dois campos de tamanho praticamente igual.

A pesquisa mostra que não só os que votaram no Lula acham que Bolsonaro fez uma grande besteira. Até entre os que têm simpatia pelo capitão e nele votaram, um eleitor em cada três acredita que ele errou.

Ao longo de seu mandato, Bolsonaro especializou-se em convocar reuniões, entrevistas e comícios que, sendo erros políticos, desabaram sobre sua cabeça.

* Vamos lembrar das desastrosas reuniões ministeriais em que a enxurrada de palavrões não encobriu a estupidez e a maldade do que foi dito. A última delas está até servindo de prova nos processos movidos contra o ex-presidente.

* Vamos recordar também o calamitoso “brienfing” com Suas Excelências, os embaixadores de países amigos. Esse meeting absurdo cobrou custo pesado: provocou a inelegibilidade do capitão.

* E não nos esqueçamos do trio elétrico montado nas comemorações de 7 de setembro, alguns anos atrás, peça importante entre as acusações que pesam sobre o ex-presidente.

Lula tem cometido erros primários, que embaçaram o brilho que envolvia sua personalidade. No entanto, verdade seja dita, até agora se absteve de convocar “brienfings” e manifestações em causa própria.

Que continue assim, pra não arriscar ficar cada dia mais parecido com seu predecessor.

Caminho traçado

José Horta Manzano

Em março último, faz exatamente 6 meses, o Estadão passou a publicar um agregador de pesquisas eleitorais. Com metodologia própria, colhe os dados levantados por 14 diferentes institutos e chega a um resultado depurado.

A ferramenta é interessante, visto que atenua imprecisões, distorções e até dados fora da curva que algum instituto individualmente possa ter publicado.

Consulto com frequência esse agregador. Com respeito às pesquisas da corrida presidencial, tenho notado uma surpreendente constância nos resultados.

 


Em 12 de abril deste ano, bem antes do início da campanha oficial, Lula era creditado com 44% das intenções de voto; naquela altura, Bolsonaro estava com 30%.


 

De lá pra cá, tivemos distribuição de dinheiro a rodo via orçamento secreto, milhões torrados na campanha oficial, propaganda gratuita em rádio e tevê, aumento substancial da mensalidade da Bolsa Família, exposição tímida do projeto de cada um, debates entre candidatos, exposição na mídia, posicionamento firme de figurões (cada um apoiando seu candidato). E qual foi o resultado?

 


Na última atualização, publicada ontem, o agregador mostra Lula com 45% e Bolsonaro com 33%.


 

Constata-se que, pouco mais ou menos, ambos oscilaram dentro da margem de erro. Seis meses se passaram e as intenções não arredaram pé. É notável essa estabilidade. Parece que todo esse frenesi e essa gastança de dinheiro público não serviram para nada.

O astral não deve estar muito alto na equipe de campanha do capitão. Ele continua garantindo que vence no primeiro turno, mas a gente se pergunta qual é a receita para mudar em 10 dias um cenário que está congelado há 6 meses.

A menos que uma catástrofe venha chacoalhar o picadeiro – tipo assassinato, morte súbita, terremoto ou bomba atômica – o caminho parece traçado.

Sabonete Lever e… democracia

José Horta Manzano

Quando eu era criança (faz muito tempo), muito anúncio de sabonete aparecia em rádio, jornal e revista. As marcas mais conhecidas – algumas hoje desaparecidas – eram: Palmolive, Eucalol, Gessy, Phebo, Lifebuoy. E também o conhecido Lever, o “sabonete das estrelas”, que um dia passou a chamar-se Lux.

Esse Lever se gabava de ser usado por 9 entre 10 estrelas do cinema. (Que se saiba, o fabricante nunca publicou pesquisa feita por instituto sério para embasar a afirmação.) Já este blogueiro, que nunca teve vocação pra acreditar em tudo o que se diz, ficava a matutar: “Mas qual será a marca usada pela estrela que, numa amostragem de 10, recusa o Lever?”.

Estes dias, tive notícia de uma pesquisa levada a cabo pela Fundação Tide Setúbal. Mais de 400 empresários brasileiros foram entrevistados e responderam a uma lista de questões. Note-se que eles provêm de empresas grandes e pequenas, de todas as regiões do país. Representam toda a paleta: comércio, indústria e serviços. Segue um apanhado da sondagem.

Democracia
Forte maioria deles (82%) concorda que a democracia, ainda que imperfeita, é preferível a qualquer outro sistema de governo.

Tortura
Uma pergunta era concernente à tortura: 82,5% dos entrevistados repeliu o emprego de tal violência, independentemente das circunstâncias.

Autocracia
Indagados se achavam que, em situação de crise, seria justificável que o presidente da República fechasse o Congresso e governasse sozinho, 55% repudiaram vigorosamente essa solução.


Agora vamos voltar à brecha aberta pelo velho sabonete Lever. Como em toda sondagem, uns concordam com isto, outros discordam daquilo. Voltemos à pesquisa em pauta e analisemos o outro lado da medalha.


Democracia
Considerável fatia dos entrevistados (18%) prefere um sistema de governo diferente da democracia. A pesquisa não perguntou qual era esse regime, mas é lícito supor que 18% dos empresários dão preferência a um regime ditatorial. Não está longe de 1 em cada 5 empresários.

Tortura
De novo, quase 1 em cada 5 empresários (17,5% dos pesquisados) não vê nenhum inconveniente em empregar a tortura em determinadas situações. A pesquisa não perguntou quem teria o poder de utilizar esse método brutal. O carcereiro na cadeia pra corrigir um preso indisciplinado? O policial na delegacia pra extorquir uma confissão? O dirigente de empresa dentro da fábrica pra dar uma lição nos representantes sindicais? O pai de família no quartinho dos fundos pra corrigir o filho rebelde ou a empregada respondona?

Autocracia
Esta parece pior que as demais. Dos empresários entrevistados, 45% acham normal que, em situação de crise, o Congresso seja extinto e que plenos poderes sejam dados ao presidente da República. Não ficou claro o significado de “situação de crise” mas, seja como for, o Congresso abriga os representantes do povo. Fechar essa instituição equivale a curto-circuitar a população e dar plenos poderes à panelinha que constitui o Executivo. Quase metade dos empresários não vê nenhum mal nisso.


Se a pesquisa tiver sido bem conduzida – e tudo indica que foi – a paisagem do empresariado nacional é aterradora. Porção significativa de grandes e pequenos empresários encara a tortura, a autocracia e a ausência de democracia como situações aceitáveis, pra não dizer desejáveis.


A conclusão a que se chega é que o país vai mal mesmo. Pior do que se imaginava. A disposição do empresariado diante dessas três questões concretas é estonteante. Se a pesquisa tivesse sido feita num reduto de devotos do capitão, não se esperaria outro resultado. Agora, de uma amostragem variada de empresários, é de dar vertigem.

Com um empresariado assim, falta muito pouco pra batermos no fundo do poço.

O que a pesquisa revela

José Horta Manzano

A análise de uma pesquisa eleitoral traz muitos ensinamentos. É claro que seu objetivo maior é vislumbrar o(s) vencedor(es) da disputa, mas as informações vão além. A sondagem diz muito mais do que simplesmente quem deve ganhar ou quem deve perder. Vamos ver.

Faz uns dias, saiu a mais recente edição da pesquisa DataFolha, que afere a temperatura da campanha para as presidenciais de outubro. Faltando só dois meses, o Brasil começa a prender a respiração à espera do veredicto das urnas. Eletrônicas, of course.

Uma das técnicas dos sondadores é perguntar ao eleitor, de chofre, a quem ele pretende dar seu voto. Nenhum nome de candidato é sugerido. Eleitoralmente, o valor desse capítulo da pesquisa é relativo, visto que a campanha ainda não começou pra valer, e o nome dos candidatos ainda não foi martelado no ouvido de cada um.

Essa pesquisa, chamada espontânea, apreende o “voto de coração” do eleitor. Se a pergunta fosse, por exemplo, “Pra que time você torce?”, não haveria necessidade de apresentar lista de nomes de clube – cada torcedor traz na ponta da língua o nome de seu time favorito. Na pesquisa presidencial, funciona igualzinho. Os que têm um candidato de coração declaram sem hesitar.

Na espontânea da Datafolha de julho, quando não foi apresentada nenhuma lista, 41% dos pesquisados declararam voto em Lula, enquanto 17% disseram ter intenção de votar em Bolsonaro. A meu ver, esses números dão boa indicação do cerne do eleitorado de cada um – os eleitores fiéis até debaixo d’água.

Que leitura se pode fazer dessa constatação? Salta aos olhos que o candidato que conta com a fidelidade de 41% do eleitorado tem mais chances de vencer o jogo do que seu adversário, que só tem 17% de adeptos. Mas há uma outra verdade, ainda que menos charmosa.

O candidato mais apreciado pelo distinto público já presidiu o país por 8 anos. É aquele que detém o triste primado de ser o primeiro ex-presidente que amargou ano e meio de cadeia por crime de corrupção – julgado, confirmado e reconfirmado por 3 diferente tribunais.

O candidato que vem em segundo lugar já presidiu o país por quase 4 anos. Sob sua batuta, o coro desafinou e o Brasil está à beira do descarrilamento. Por culpa dele, milhares de infelizes foram largados ao deus-dará, sem cuidados médicos e sem respiradores, nas horas mais sombrias da pandemia. O personagem ainda não passou uma temporada de vilegiatura na prisão, mas, ao término do mandato, será difícil deixar de responder por seus crimes.

No final, percebe-se que 58% dos brasileiros (41 + 17) se derretem por dois personagens que já deveriam estar há muito tempo na lata de despejo, junto com os outros detritos da República. Essa constatação é aterradora. Ela significa que corrupção e ineficiência não são freios ao louvor popular. Que o postulante à Presidência roube o dinheiro do povo, minta, maltrate o povo, minta, suborne representantes do povo, minta, zombe do povo, minta – não desencoraja grande maioria dos eleitores.

Não sei qual é a origem dessa macabra recusa a enterrar cadáveres políticos. Em terras mais civilizadas, uma disputa entre um ex-presidiário e um provável futuro presidiário não teria razão de ser. Ainda que fossem autorizados a se candidatar, não teriam chance. Será ingenuidade do eleitor brasileiro? Ignorância? Alienamento? Falta de percepção das grandes questões nacionais? Ideologia? Salvacionismo?

Visto isso, sabe quando é que virá a “salvação” do Brasil? No dia de São Nunca.

Vox populi – 3

José Horta Manzano

Semana passada, uma pesquisa encomendada ao Ipespe deu que falar. Entre outros pontos, media a percepção que o eleitor tem da honestidade de cada candidato.

Nesse quesito, 35% dos eleitores julgam que, entre todos os candidatos à Presidência, Lula é o que melhor se enquadra no conceito de honestidade. Quanto a Bolsonaro, são 30% os eleitores que o veem honestidade nele – 5 pontos percentuais abaixo do placar do Lula.

Não deixa de causar certa surpresa que o Lula, depois de gramar ano e meio de masmorra úmida por ter sido reconhecido como corrupto – por três instâncias –, ainda seja visto como campeão de honestidade.

Outra curiosidade vem do fato de Bolsonaro, que insiste em garantir que não há corrupção em seu governo, receber pontuação mais baixa que o Lula.

A pesquisa causou um choque nas hostes bolsonaristas. Choveram pedidos de bloqueio dos resultados. Pelo que entendi, os sondadores se encolheram e suspenderam a publicação, mas o estrago já estava feito. Todos os veículos da mídia nacional já tinham publicado a notícia.

Derramado o leite, só nos resta avaliar o que esses números dizem do Brasil que se oculta atrás de uma persistente cegueira coletiva e contagiosa.

Se for bem agitada a bateia, o ouro da pesquisa vai aparecer, bem escondido, lá no fundo. Pra se dar conta da realidade, basta examinar esses números ao contrário.

Se 35% dos eleitores acreditam que o Lula é honesto, isso significa que 65% o consideram desonesto. É verdade estatística. E o capitão? A pesquisa atesta que 70% dos pesquisados o veem como desonesto.

Fica a certeza de que, seja qual for o vencedor, o Brasil será presidido por um desonesto. Ou, pelo menos, por um indivíduo que é pressentido como desonesto por 2 em cada 3 brasileiros.

Brasil, país do futuro? Brasil, país sem futuro.

O camburão

Pesquisa Datafolha, 26 maio 2022

José Horta Manzano

Pesquisas de intenção de voto, há muitas. Mas ninguém pode negar que, nestes tempos de campanha para a Presidência, a mais ansiosamente aguardada no país é a Datafolha. A mais recente saiu quentinha do forno ontem, dia 26.

Dá Lula na cabeça seja qual for a configuração. Nosso guia bate com folga qualquer adversário. Aliás, “qualquer adversário” é força de expressão. Espremida a fruta, constata-se que os candidatos são só dois: Bolsonaro e o Lula.

Se a eleição fosse hoje, como a prudência manda dizer, teríamos uma disputa entre dois nomes. Salvo o milagre de a terceira via tomar fermento e crescer rapidinho, o panorama vai permanecer assim até outubro.

Daqui até lá, o capitão vai continuar esperneando, distribuindo dinheiro a parlamentares do Centrão, loteando a máquina federal, discursando raivoso, trocando ministros e presidentes da Petrobrás, tratando com benevolência matadores e desmatadores. Também vai continuar a praticar seu esporte favorito: dar um tiro no pé diariamente. Portanto, sua pontuação no eleitorado não tende a subir.

Daqui até lá, o Lula vai continuar fazendo o que sabe fazer melhor: reuniões com este e com aquele, conchavos, confabulações, jantares com endinheirados, discursos raivosos, promessas, promessas promessas. Vai dar seus tirinhos no pé também, que ninguém é de ferro. Resultado do páreo: sua pontuação tende a continuar estável.

Portanto, se tudo continuar como está – e parece que assim será –, o Lula é bem capaz de levar no primeiro turno. A partir daí, o roteiro é o de um filme de ficção política. Cada um pode imaginar o seu. Este blogueiro criou um script muito bom, um pitéu capaz de ganhar o Festival de Cannes.

  • Inconformado, Bolsonaro ensaia um golpe de Estado.
  • É apoiado por um punhado de generais palacianos e por um sargento aqui, um cabo acolá.
  • Fracassa.
  • É preso.
  • Desce a rampa – que digo! – sai discretamente por uma porta lateral em frente à qual um camburão está à espera.
  • Atrás dele, vai a meia dúzia de generais palacianos, em fila indiana.
  • Em 48 horas, o filme termina.
  • Dia 1° de janeiro, o Lula assume.

Observação final
Que o Lula não saia dessa muito enfatuado, achando que ganhou por mérito próprio. As coisas não são bem assim. Se ele for eleito, seu grande cabo eleitoral terá sido o capitão. Se o presidente fosse outro – qualquer outro –, o Lula não ganhava de jeito nenhum. Xô!

Ainda bem que o vice é Geraldo Alckmin. O Lula já tem idade, nunca se sabe o que pode acontecer. Com Alckmin, pelo menos, dificilmente teríamos censura à mídia e apoio a ditadores sanguinários, uma obsessão do Lula.

O jogo está feito?

José Horta Manzano

A mais recente pesquisa de intenção de voto para presidente, feita pelo Instituto PoderData, reflete a preferência do eleitorado entre uma paleta de quase dez candidatos – entre declarados e prováveis. Ela mostra, sem surpresa, o Lula bem à frente de Bolsonaro.

A continuar nessa curva ascendente em que já conta com 42% dos votos contra 28% do capitão, o Lula tem condições de reunir um total superior à soma de todos os adversários, o que lhe daria a vitória no primeiro turno.

O eleitorado masculino diverge vigorosamente do feminino. Quase metade das eleitoras (48%) têm intenção de votar no Lula, deixando Bolsonaro com somente 17% das preferências. Quem vir nesse placar o resultado das atitudes misóginas e sexistas do capitão não estará longe da verdade.

Já os homens preferem Bolsonaro. No seio do eleitorado masculino, o triunfo do capitão não é tão espetacular quanto o do Lula entre as mulheres, mas é significativo. O voto dos homens é de 41% para o ex-militar contra 35% para o ex-metalúrgico.

A divisão do Brasil em regiões é um tanto artificial, baseada em limites administrativos (divisas dos estados) e não em limites históricos e socioculturais. O norte do Paraná, por exemplo, é incluído na Região Sul, ainda que sua história e seu desenvolvimento sejam tardios com relação aos estados sulinos, e que seu povoamento se tenha feito a partir do estado de São Paulo. A mesma distorção surge no norte de Minas, zona que compartilha clima e tradições mais com o Nordeste do que com o sul do estado. Há outras distorções.

Isso dito, é o que temos. O levantamento mostra um Lula triunfante no Sudeste e no Nordeste, enquanto Bolsonaro ganha folgado no Norte. Na Região Sul e no Centro-Oeste, os dois empatam. Isso não é de bom augúrio para o atual presidente, visto que o Nordeste e o Sudeste são as regiões mais populosas. Quem ganhar nas duas tem boas chances de ser o próximo presidente.

No corte por escolaridade (fundamental, médio e superior), o Lula deixa Bolsonaro comendo poeira em todas as faixas. O mesmo ocorre no corte por faixas de renda: o capitão perde feio em todas.

Nestas alturas, resta a pergunta: por que, diabos, se dar ao trabalho de votar em outubro, se já se conhece o resultado?

Primeiramente, porque pesquisa pode até influir, mas o que conta é voto na urna – é o que reza a Constituição.

Segundamente, porque muita água há de passar sob as pontes do Norte, do Sul e das demais regiões daqui até lá. Por exemplo:


  • alguém pode adoecer (essa covid anda um perigo);

  • alguém pode falecer (pra morrer, basta estar vivo);
  • alguém pode ficar (ainda mais) gagá, que o Alzheimer não escolhe vítima;
  • alguém pode desistir (não duvide, que tudo é possível na vida);
  • alguém pode acertar no milhar na Paratodos ou vencer uma rifa e decidir se estabelecer nas Bahamas pelo resto da vida.

Enfim, não convém estourar champanhe nenhum por enquanto. Ainda resta a esperança de ver surgir um nome forte alternativo a esses dois fósseis que dominam as pesquisas atualmente. Em princípio, qualquer dos citados na pesquisa seria um caso a considerar.

Moro, Ciro, Doria, Janones, Vieira e Tebet podem não ser nenhuma Brastemp, mas, convenhamos, nenhum deles há de ser pior que Bolsonaro ou Lula.

Brasil vai virar comunista?

José Horta Manzano

Nos tempos de antigamente, dizia-se que comunistas eram perigosos porque devoravam criancinhas. Não se espante, distinto leitor, muitos acreditavam nisso. Na verdade, ninguém tinha ideia exata de como era a vida nos países de regime comunista. Pouquíssima informação escapava da URSS de Stalin e da China de Mao. E dos satélites deles, naturalmente.

Em 1989, a queda do Muro de Berlim não só eliminou o muro, mas levantou o véu que encobria os podres do império soviético. Por detrás dos escombros, o mundo pôde constatar o estado de indigência em que viviam os povos castigados pelo comunismo durante 70 anos.

Com isso, na Europa e nas Américas, virou-se a página desse sistema de organização do Estado. Partidos comunistas, que ainda eram fortes na Europa, murcharam. Ficou claro que não havia meio de aquilo dar certo.

A China, contida pela mão pesada do partido único, mantém um comunismo apenas de fachada; na realidade, o nome do jogo é ditadura ultra-autoritária, onde “comunismo” não passa de firula semântica.

Já Cuba é uma excrescência, uma fábrica de pobreza que ainda sobrevive com os euros trazidos pelas hordas de turistas europeus que passam uma semana bronzeando baratinho em Varadero all inclusive. Sem conversar com nenhum nativo, a não ser com os ultravigiados serviçais do “resort”. O regime, mais dia menos dia, desmorona.

Em meados de dezembro passado, o Instituto Datafolha publicou uma pesquisa detalhada. Entre outras questões, quis tomar a temperatura da população e saber que percepção tinham de uma certa “ameaça comunista” constantemente denunciada pelos bolsonaristas.

A pergunta era se o entrevistado concordava ou não com a afirmação de que havia risco de o Brasil se tornar comunista na próxima eleição. Espantosamente, 44% dos eleitores declararam ter esse receio. Do outro lado do espectro, 50% consideram que não há perigo. Sobram 6% que não têm a menor ideia. Considerando que quem cala consente, os que não se pronunciaram podem ser acrescentados aos receosos.

Logo – é espantoso! – metade dos eleitores brasileiros têm algum receio (pouco ou muito, dependendo do grau de adesão às ideias do capitão) de que o país se torne comunista na próxima eleição. Supõe-se que estejam entrevendo a eleição do Lula.

Acho inacreditável que metade dos brasileiros ainda vivam nos anos da Guerra Fria, com os mesmos temores. Esse deve ser o contingente que teme uma invasão da Amazônia com bombas, aeroplanos e tanques de guerra. Decerto os terraplanistas fazem parte da turma. Coisa de louco!

Não é possível que Bolsonaro, apesar de se esforçar durante três anos de diabruras, tenha incutido essas caraminholas na cabeça do povo. Isso tem nome certeiro, uma praga bem anterior à chegada do capitão: é desinformação. O que falta a essa gente é desempoeirar as ideias, abrir-se para o mundo, aprender o que vem acontecendo no planeta no último meio século.

Fica claro que passar o dia grudado no telefone a se divertir com memes, videozinhos, conversas de zap e fake news não dá camisa a ninguém. A raiz do mal está no mesmo lugar de sempre: falta de instrução.

Assessoria indigente

José Horta Manzano

 


Pra que vamos criar problema?


 

O assunto já está na praça há três dias. Tenho de correr pra escrever antes que ele saia da mira. Com o capitão, os escândalos se sucedem, vertiginosos, cada novo episódio condenando o anterior ao esquecimento. A gente tem a impressão de estar sempre correndo atrás pra não perder o bonde.

Sábado passado, o Instituto PoderData publicou o resultado de sua pesquisa sobre a aceitação da vacina por parte dos brasileiros. A pergunta era se o entrevistado já tomou ou pretende tomar vacina contra o coronavírus. Dentre as 3.000 pessoas questionadas – em 489 municípios das 27 unidades federadas ––, somente 2% não souberam ou não quiseram responder à pergunta. As demais responderam afirmativamente. Trocado em miúdos, isso significa que somente 1 em cada 50 habitantes, com 16 anos ou mais, é contrário à vacina. O que se ouviu foi um quase unânime “SIM” nacional.

O povo brasileiro é o mais entusiasta, na América Latina, e quiçá no mundo, com relação à vacina. Dois porcento de ‘vacino-hesitantes’ é praticamente nada. Pode-se concluir que o brasileiro amou a vacina, se jogou em cima dela, abraçou-a, beijou-a, espichou o braço, levou a picada e saiu feliz, pedindo mais.

Dito isso, fica cada dia mais difícil entender o posicionamento do capitão. Não é que, no mesmo sábado em que saiu a pesquisa, ele afirmou ser contrário ao passaporte vacinal exigido de viajantes que chegam do estrangeiro? Soltou frase reveladora: “Pra que vamos criar problema?”

É que, na visão doentia de Bolsonaro, correr o risco de deixar entrar a nova variante mal conhecida do vírus não é problema. Para ele, o verdadeiro problema está em se assegurar que o viajante não está infectado. Pode?

E pensar que, desde que o ser humano vive em comunidade, a função primeira do chefe é justamente a de proteger o grupo. Desde a pré-história, o líder tem sido escolhido por ser capaz de transmitir segurança a seu povo. Bolsonaro prefere importar doença a “criar problema” para viajantes potencialmente infectados.

O capitão não conhece a História da Humanidade. Na escola, pouco aprendeu; durante a vida, nada acrescentou a seu parco capital intelectual. Não consegue se dar conta de que os líderes – bons ou maus – que o povo carregou um dia nos braços foram os que mostraram estar em sintonia com a população. Churchill, Stalin, Hitler, De Gaulle, Mussolini entram nessa conta. Evidentemente, Bolsonaro jamais será membro do clube. Nem dos bons, nem dos maus.

O capitão não perde ocasião pra escancarar sua falta de inteligência. Só dois porcento dos brasileiros rejeitam a vacina. Isso quer dizer que os 10% ou 15% que (ainda) apoiam o presidente já se vacinaram ou pretendem fazê-lo, ou seja, fazem parte do contingente que abraçou a vacina. Ao insistir em se posicionar contra vacina, contra vacinados e contra passaporte vacinal, ele está pisando o calo dos próprios devotos.

Será que ele não tem nenhum assessor menos tapado, capaz de orientá-lo? Parece que não.

Pesquisa demais faz mal?

José Horta Manzano


“Para quê consultar os cidadãos, se é tão mais simples aguardar as pesquisas? Por que quebrar a cabeça bolando um programa político, se, em troca de pequeno investimento, as pesquisas vão lhe dizer o que a população espera? Por que se aborrecer com debates entre militantes e primárias para designar um candidato, se as pesquisas podem se encarregar disso?”


É com essas palavras que o jornalista François-Xavier Lefranc, redator-chefe do Ouest France (3° maior quotidiano francês), abriu o editorial do jornal faz alguns dias. É que, exatamente como ocorre entre nós, o país de Monsieur Lefranc anda “viciado” em pesquisas na área política.

Imagino que seja fenômeno mundial. Não sei se é impressão minha, mas, no lugar do velho Ibope, que era um e único, temos hoje numerosos institutos de pesquisa. Alguns já se tornaram referência, como o Datafolha ou o Ipsos, mas outros aparecem sem que a gente saiba de onde saíram. Todos analisam uma eleição 11 meses antes do dia de votar. Já estão todos no segundo turno, num momento em que o eleitorado sequer sabe quem serão os candidatos.

Nas eleições, a população está cada vez mais acostumada a conhecer o resultado antes mesmo de ir votar. Pesquisadores lembram sempre que seu trabalho apenas reflete uma imagem do momento, com margem de erro e todas as precauções de hábito. Mas não adianta: o eleitor vê o resultado da pesquisa como se fosse cash, dinheiro na mão. E sabemos que dinheiro na mão é vendaval.

O editorialista francês acredita que, em vez de esclarecer o eleitorado, as pesquisas ultrafrequentes tendem a confundir. Na melhor das hipóteses, têm efeito nulo, não interferindo no voto de eleitores cujo propósito é firme e inabalável. Na hipótese mais tóxica, tendem a distorcer o pensamento dos hesitantes e dos indecisos, e a incitá-los a votar no candidato A em vez do candidato B pelo simples fato de aparecer melhor nas pesquisas. O chamado “voto útil“, aquele que se dá a um para evitar a vitória de outro, entra nessa categoria. Se não fossem as pesquisas, essa modalidade distorcida de voto praticamente desapareceria.

Por meu lado, acredito que, as pesquisas contribuíram fortemente para a eleição do capitão. Foi efeito bola de neve. Cada nova pesquisa que mostrasse um avanço de seu nome era seguida de novas adesões, o que acabava fazendo o candidato subir nas pesquisas. Foi essa espiral ascendente que o elegeu e não uma base ideológica – que era minúscula e assim continua até hoje.

Fechando o editorial, o Ouest France informa aos leitores sua nova (e drástica) política para as eleições presidenciais francesas, marcadas para daqui a 6 meses: diferentemente de como costumavam proceder no passado, nenhuma pesquisa será encomendada pelo jornal desta vez.

Confesso que a atitude tem seus atrativos. A população tem, sim, o direito de ser informada. Mas até que ponto a informação “do que poderia ser” – entendida como “o que certamente vai ser” – não atrapalha mais do que ajuda? Propaganda, debates, discussões, mesas redondas, análises, sim. Mas números, às vezes até com decimais(!), podem representar aquele excesso de democracia que resulta em desserviço a ela.

Quem tem medo de Bolsonaro?

Avaliação do governo Bolsonaro
Pesquisa Datafolha publicada em 17 set° 2021

José Horta Manzano

A última pesquisa Datafolha sobre as perspectivas da eleição presidencial do ano que vem traz muitos ensinamentos. Novidades, quase nenhuma – se há, não há nada abracadabrante.

A tendência verificada nas análises publicadas nos últimos meses por todos os institutos sérios é sempre a mesma. O viés de baixa de Bolsonaro é relativamente lento, mas parece inexorável. Já o Lula continua imperial, flutuando sozinho por cima de uma massa de candidatos indefinidos e não-declarados.

No ano passado, muita gente contava com a memória ultracurta do brasileiro. Acreditava-se que, jugulada a pandemia, todos esqueceriam rápido a montanha de mortos e Bolsonaro recobraria popularidade. Não é o que se verifica.

A pademia, jugulada, não está; mas que arrefeceu, arrefeceu. A média de mortos caiu a menos da metade do que foi nos piores momentos. Até a frequência com que se ouvia o epíteto de “genocida”, dirigido ao capitão, diminuiu. Mas, infelizmente para ele, esse esperado esquecimento não se reflete nas pesquisas.

É sinal de que o problema do presidente é mais profundo que isso. A pandemia só fez agravar a situação dele. Até na comunidade neopentecostal, o apoio tem diminuído. Nem perspectiva de nomeação de um juiz “terrivelmente evangélico” para o STF tem ajudado. Os PMs, no feriado do 7 de Setembro, não deram nem um passo, nem um pio.

Com a perspectiva de autogolpe praticamente descartada, evangélicos pulando do barco e PMs sem ânimo de subir a bordo, não se vê, neste momento, o que é que poderia impulsionar a reeleição do capitão.

E o Lula que se cuide. Basta surgir um candidato de terceira via razoavelmente forte pra ele também ficar pra trás. Embora não tão astronômica quanto a de Bolsonaro, a taxa de rejeição do ex-metalúrgico também é elevada.

Os próximos meses dirão. Mas o caminho não está fácil nem para um nem para o outro. Para o capitão, todo esforço parece furo n’água. Quanto ao Lula, ainda vai precisar comer muita buchada de bode pra se fortalecer.

Comentário de um leitor da Folha, ao pé do resultado da última pesquisa Datafolha: “Espero que o Brasil tenha aprendido as consequências de eleger um meme.”

Tuíte – 21

José Horta Manzano
O Google não mente?

Pesquisas no Google valem o que valem. Não há garantia alguma de resultado acurado. Assim mesmo, ainda que não se possa jurar por elas, sempre dão uma indicação geral.

Acabo de fazer uma experiência caseira. Associei o termo “corrupto” ao nome dos presidentes do Brasil dos últimos 25 anos e chequei no Google quantas menções aparecem. O resultado foi um tanto surpreendente. Eu não teria apostado que aparecessem nesta ordem:

 

Dilma corrupta     :    280’000 menções

FHC corrupto       :    622’000 menções

Temer corrupto     :  1’460’000 menções

Lula corrupto      :  1’880’000 menções

Bolsonaro corrupto : 12’000’000 menções

Interessante, não é? O mais mencionado, vencedor por ampla margem, é justamente o capitão.

O nome de Bolsonaro associado à palavra “corrupto” aparece 6 vezes mais que o nome do Lula nas mesmas condições. E olhe que Lula e Temer passaram pela casa prisão, fato que aumenta a probabilidade de serem vistos como corruptos.

Bolsonaro (ainda) não passou pela Papuda. Talvez um dia. O mundo dá voltas.

Gente mole

José Horta Manzano

Pesquisa publicada ontem pelo Ipec revela que a polarização continua firme no cenário eleitoral. Para as presidenciais de 2022, só dois (presumíveis) candidatos têm chance: Bolsonaro e o Lula. O resto é o resto – um punhado de nomes que, juntos, perfazem 10% do eleitorado.

Me recuso a acreditar que o eleitorado brasileiro se divida entre o antigo presidente (e ex-presidiário) e o atual presidente (e talvez futuro presidiário). Não é possível que, de cada dez cidadãos, somente um recuse dar seu voto a um desses dois políticos de qualidade duvidosa, ambos situados a um passo da prisão (passada ou futura).

Continuo acreditando que nós, aqueles que rejeitamos tanto o demiurgo quanto o genocida, formamos uma maioria silenciosa. Civilizados e discretos, não nos agrada sair em passeata, gritar slogans, segurar faixas, protestar de motocicleta, soltar rojões, vestir como torcida organizada, caminhar enrolados em bandeira. Se isso não aparece nas pesquisas, é porque nenhum nome conseguiu se mostrar suficientemente forte até agora.

Os políticos não bolsonaristas e não lulistas estão dormindo no ponto. O país está num momento crítico. Se eles não se mexerem, nosso futuro periga ser cada vez mais tenebroso. Se o próximo presidente for Lula ou Bolsonaro, qualquer um dos dois, teremos a continuação do desastre atual.

Há pouca diferença entre os dois. São ambos autoritários, incultos, estatizantes, mentirosos, traiçoeiros, populistas, poltrões, corruptos, permissivos. O que os distingue é a psicopatia de Bolsonaro, fator agravante para o desempenho de qualquer mortal.

Se os verdadeiros políticos de oposição – aqueles que se opõem aos dois – não abandonarem vaidades e não se reunirem em torno de um nome comum para enfrentar a ambos, estarão dando a vitória ao Lula, de mão beijada. O barbudinho é sempre melhor que o capitão, mas será que é realmente isso que queremos?

Vacinação – 9 maio 2021

José Horta Manzano

Volta e meia, algum dos luminares do governo se vangloria da rapidez do processo de vacinação anticovid, gargarejando que o Brasil é o 6° país que mais vacinou. Bolsonaro – que justiça seja feita! – escapou dessa. Pela simples razão de ele jamais pronunciar a palavra vacina. Por seu lado, ministros e assessores, que são valentes e não têm medo de agulha, deitam falação. Mas distorcem a realidade.

Com mais de 200 milhões de habitantes (grande parte dos quais espremidos em insalubres megalópoles), é natural que o número de vacinados no Brasil seja expressivo. De fato é. O balanço de 9 de maio indica que quase 47 milhões de cidadãos já receberam pelo menos uma dose do imunizante.

Dito assim, parece enorme. Mas há que relativizar. Esse número milionário representa, na realidade, apenas 22% da população total, ou seja, apenas um em cada cinco habitantes do território nacional recebeu pelo menos uma dose. A imunização avança tímida. Ainda há muito por vir.

Pelo critério de doses aplicadas por 100 habitantes, bem mais realista que números absolutos, o Brasil se classifica em 78° lugar num total de 196 países, com 22,05 doses.

Os primeiros 15 lugares da lista são ocupados por ilhas e pequenos países pouco populosos. Assim mesmo, há alguns “penetras” nessa faixa. Sobressaem Israel, os Emirados Árabes e, surpreendentemente, o Chile, classificado em 12° lugar, com 82,15 doses aplicadas por 100 habitantes.

Reino Unido e EUA, que aparecem antes da 20ª posição, também estão muito bem colocados. Seguem-se os países europeus. Uruguai, onde já foram aplicadas 57,73 doses por 100 habitantes, também merece destaque.

Na faixa em que se situa nosso país – a dos que já aplicaram entre 20 e 30 doses por 100 habitantes –, Turquia, Marrocos, China e Argentina nos fazem companhia.

O que dá angústia é ver países ultrapopulosos como Egito, Congo e Vietnã, cada um com cerca de 100 milhões de habitantes, ainda estacionados nas últimas posições, sem terem aplicado nem uma dose. Perigam tornar-se viveiros de novas cepas, quiçá resistentes às vacinas atuais. Se isso acontecer, o mundo pode ir se preparando para a 4ª onda, a 5ª, a 6ª…

Para quem tiver curiosidade de ver a lista completa, deixei o pdf à disposição aqui, no site deste blogue.

Bolsonaro e a fome

José Horta Manzano

Parece que faz uma eternidade, mas foi em julho do ano passado, não mais que nove meses atrás. A história se passou durante um café da manhã que doutor Bolsonaro ofereceu a jornalistas da imprensa internacional. Naquele tempo, o presidente ainda convidava jornalistas para encontro face a face e ainda se dignava de responder às perguntas.

Quando um dos profissionais levantou o problema da pobreza e da fome no país, o doutor respondeu de bate-pronto: «Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira!» E ensinou que não precisa nem de dados estatísticos; basta prestar atenção no fato de não se ver «gente pobre pelas ruas com físico esquelético como a gente vê em alguns outros países por aí pelo mundo».

Duzentos e sessenta dias e uma pandemia depois, muita coisa mudou. Já faz tempo que o doutor deixou de receber jornalistas sérios. Se já não lhe agradava ter de responder a perguntas, hoje agrada ainda menos. De lá pra cá, a pandemia pegou forte, ministros caíram, Trump se foi, o Exército está se esquivando das locuras federais, a aposta no Centrão está se revelando um furo n’água.

Faz alguns dias, o Instituto PoderData publicou pesquisa feita em mais de 500 municípios de todas as unidades federativas. O que se buscava saber era como a pandemia tinha afetado a alimentação dos brasileiros. O resultado é triste de fazer dó.

Adicionando os que têm comido menos que de costume e os que têm passado fome, chega-se a assustadores 36%. Isso significa que 1 em cada 3 brasileiros estão em situação crônica de insegurança alimentar. Com ou sem pandemia. Um em cada três cidadãos!

Pra se dar conta do mundaréu de gente que isso significa, o distinto leitor está convidado a passear a pé pelo centro de sua cidade. Vá andando e observando os que vêm em sentido contrário. E vá contando: ‘este não, este não, este sim. (O sim corresponde aos que estão na corda bamba, sem dinheiro suficiente pra matar a fome hoje.) Pode continuar: ‘este não, este não, este sim, ‘este não, este não, este sim, ‘este não, este não, este sim. Não é angustiante?

Isso significa que nosso doutor chegou ao mais alto encargo da República sem ter noção do mal maior que aflige o povo que o elegeu. Como ele é meio duro de cabeça, é bem capaz de não ter aprendido até hoje, passados dois anos. Pra dizer a verdade, a vidinha do brasileiro comum não parece fazer parte das preocupações maiores do doutor. Se ele tivesse disposição de cuidar dos que o puseram lá, sua atitude com relação à pandemia teria sido diferente.

Dificilmente quem está lendo este artigo tem ideia do que seja ir pr’a cama com fome. Tirando aquele dia em que o jantar queimou e a pizzaria estava em reforma, nenhum de nós sabe o que significa ter fome crônica, não ter comida suficiente para alimentar a família, ter de pôr as crianças pra dormir com a barriga roncando.

O Lula, sim, sabia o que é passar fome. Quando no governo, criou um arremedo de solução que lhe foi assaz benéfica em termos eleitorais. No entanto, não pôs fim à insegurança alimentar no país. Mitigou o problema, reelegeu-se, fez a sucessora, ficaram 14 anos no poder, mas o problema da fome continua inteiro, exatamente como era antes.

Já Bolsonaro, com o negacionismo que é característica incrustada de sua personalidade, nega tudo o que não lhe convém. Assim como nega hoje a pandemia, negou e continuará negando a fome crônica do brasileiro pobre. Se o problema, para ele, não existe, não há razão para se preocupar com essas miudezas.

Pode ser que, quando Bolsonaro tiver sido condenado pelo Tribunal Penal Internacional e estiver encarcerado na Holanda, esqueçam um dia de levar-lhe a quentinha. Talvez lhe acuda então à memória o que afirmou aos jornalistas naquele longínquo café da manhã. Ou talvez não queira se lembrar.

O triste destino dos intubados

José Horta Manzano

O Instituto de Pesquisa Poder360 expôs estes dias a elevada taxa de mortalidade dos brasileiros que têm de sofrer intubação em decorrência da covid-19. A letalidade entre os intubados no Brasil foi comparada com a de outros quatro países populosos: Itália, Alemanha, Reino Unido e México.

Constata-se que a mortalidade dos intubados brasileiros é superior à de britânicos e mexicanos, e muito superior à de alemães e italianos. Segundo o comunicado do instituto, as razões pelas quais o quadro é mais grave no Brasil são as seguintes:

1. UTIs lotadas;
2. profissionais sem experiência de intubação;
3. burnout das equipes;
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4. falta de equipamentos;
5. centros médicos sem condições de atendimento;
6. quebra de protocolos de boas práticas.

Todas essas razões parecem válidas. Mas uma coisa não pode ser esquecida: a pandemia não é exclusividade brasileira. O coronavírus pegou o mundo todo de surpresa. Nenhum país estava preparado para lidar com ela. Em nenhum lugar do mundo, hospitais têm pessoal de reserva, treinado para intubação, nem equipamentos sobrando. O esgotamento nervoso (que hoje convém chamar burnout) atingiu todas as equipes, no mundo todo. As UTIs lotaram na Itália, no Reino Unido, no México. Na Europa, pacientes hospitalizados chegaram a ser exportados de um país a outro.

Portanto, as três primeiras razões invocadas atingem o mundo todo. Não sendo especificidade brasileira, não explicam a disparidade no número de intubados mortos.

As três últimas justificativas, sim, aplicam-se particularmente a nosso país. Aqui está a descrição de cada uma delas.

Centros médicos sem condições
Esse problema não começou com a explosão da covid. E, infelizmente, vai durar mais que a epidemia. É vício antigo e recorrente, que vem de muito antes do atual governo. Resulta de uma extravagância brasileira: a de contar com dois circuitos paralelos de saúde, um público e um privado. Trocando em miúdos, a rede pública, financiada por todos mas utilizada apenas pelo povão, é descurada pelo poder público, cujos membros contam com outros canais de atendimento hospitalar.

Quebra de protocolos
Protocolos são feitos para serem respeitados. Só devem ser quebrados em raríssimos casos de força maior. Acontece que a proverbial indisciplina que rege nosso comportamento transforma casos corriqueiros em casos de força maior. Assim, a quebra de protocolos passa a ser corriqueira. O resultado é a desordem.

Falta de equipamentos
Quando estourou a epidemia, nenhum país contava com suficiente quantidade de equipamentos. Em outras terras, o poder público se apressou em encomendar respiradores, máscaras, vacinas, seringas e equipamentos para UTI. O governo brasileiro optou por negar a gravidade da pandemia. Não agiu e preferiu pagar pra ver. Viu.

O exemplo vem de cima
Uma última razão ajuda a explicar o assustador quadro de mortandade dos intubados brasileiros. É talvez o fator que mais pesou. Desde o começo da epidemia, dia sim, outro também, doutor Bolsonaro fez pouco caso da doença, incentivou aglomerações, zombou de máscaras, trovejou contra a distanciação social, combateu a vacinação.

Nem todos os brasileiros são dotados de bom senso. Muitos acreditaram em nosso Napoleão de hospício e acreditaram poder fazer como ele. Em vez de procurar atendimento hospitalar desde o começo da doença, correram atrás de cloroquina e outras drogas milagrosas que compõem o “tratamento precoce” do doutor presidente. Quando, finalmente, foram hospitalizados, já era tarde.

Resumindo, constata-se que a diferença na taxa de mortandade entre o Brasil e os demais países não se explica por fatores como UTIs lotadas, esgotamento nervoso do pessoal, falta de experiência de intubação – que são problemas comuns a todos. A elevada mortandade dos infelizes que tiveram de ser intubados no Brasil prende-se a duas causas principais: a falta de equipamentos e a ingenuidade dos que, tendo acreditado na jactância do presidente, só procuraram o hospital quando a doença já se havia instalado firme e forte.

A tristeza maior é entender que, tivesse o governo federal agido com bom senso e boas intenções, esse morticínio poderia ter sido mitigado. Ora sabemos que, no Brasil, intubação é praticamente sentença de morte.