Pesquisa demais faz mal?

José Horta Manzano


“Para quê consultar os cidadãos, se é tão mais simples aguardar as pesquisas? Por que quebrar a cabeça bolando um programa político, se, em troca de pequeno investimento, as pesquisas vão lhe dizer o que a população espera? Por que se aborrecer com debates entre militantes e primárias para designar um candidato, se as pesquisas podem se encarregar disso?”


É com essas palavras que o jornalista François-Xavier Lefranc, redator-chefe do Ouest France (3° maior quotidiano francês), abriu o editorial do jornal faz alguns dias. É que, exatamente como ocorre entre nós, o país de Monsieur Lefranc anda “viciado” em pesquisas na área política.

Imagino que seja fenômeno mundial. Não sei se é impressão minha, mas, no lugar do velho Ibope, que era um e único, temos hoje numerosos institutos de pesquisa. Alguns já se tornaram referência, como o Datafolha ou o Ipsos, mas outros aparecem sem que a gente saiba de onde saíram. Todos analisam uma eleição 11 meses antes do dia de votar. Já estão todos no segundo turno, num momento em que o eleitorado sequer sabe quem serão os candidatos.

Nas eleições, a população está cada vez mais acostumada a conhecer o resultado antes mesmo de ir votar. Pesquisadores lembram sempre que seu trabalho apenas reflete uma imagem do momento, com margem de erro e todas as precauções de hábito. Mas não adianta: o eleitor vê o resultado da pesquisa como se fosse cash, dinheiro na mão. E sabemos que dinheiro na mão é vendaval.

O editorialista francês acredita que, em vez de esclarecer o eleitorado, as pesquisas ultrafrequentes tendem a confundir. Na melhor das hipóteses, têm efeito nulo, não interferindo no voto de eleitores cujo propósito é firme e inabalável. Na hipótese mais tóxica, tendem a distorcer o pensamento dos hesitantes e dos indecisos, e a incitá-los a votar no candidato A em vez do candidato B pelo simples fato de aparecer melhor nas pesquisas. O chamado “voto útil“, aquele que se dá a um para evitar a vitória de outro, entra nessa categoria. Se não fossem as pesquisas, essa modalidade distorcida de voto praticamente desapareceria.

Por meu lado, acredito que, as pesquisas contribuíram fortemente para a eleição do capitão. Foi efeito bola de neve. Cada nova pesquisa que mostrasse um avanço de seu nome era seguida de novas adesões, o que acabava fazendo o candidato subir nas pesquisas. Foi essa espiral ascendente que o elegeu e não uma base ideológica – que era minúscula e assim continua até hoje.

Fechando o editorial, o Ouest France informa aos leitores sua nova (e drástica) política para as eleições presidenciais francesas, marcadas para daqui a 6 meses: diferentemente de como costumavam proceder no passado, nenhuma pesquisa será encomendada pelo jornal desta vez.

Confesso que a atitude tem seus atrativos. A população tem, sim, o direito de ser informada. Mas até que ponto a informação “do que poderia ser” – entendida como “o que certamente vai ser” – não atrapalha mais do que ajuda? Propaganda, debates, discussões, mesas redondas, análises, sim. Mas números, às vezes até com decimais(!), podem representar aquele excesso de democracia que resulta em desserviço a ela.

6 pensamentos sobre “Pesquisa demais faz mal?

  1. Não foram as pesquisas que elegeram o capitão.
    Foi a rejeição ao PT.
    No Brasil o modelo político, do toma lá dá cá, apesar da infinidade dos partidos e da legislação para que os que já dominam o sistema nele permaneçam, a escolha se dá na base do nós contra eles.
    E o que elegeu o capitão foi a rejeição maciça da população ao PT.
    Em 2022, ao que parece, o cenário poderá ser diferente com a esperada terceira via com a presença, inclusive, do ex juiz Sérgio Moro que filiou-se ao PODEMOS.
    Pode uma coisa dessa?

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    • Ricardo,

      Sergio Moro chegou ao topo da respeitabilidade com a Lava a Jato. De lá pra cá, o moço só deu cabeçada. Hoje arrasta um passivo de erros dignos de um ingênuo ou de um inexperiente: ter abandonado o cargo de juiz, que lhe dava uma aura de intocável; ter aderido ao capitão; ter permanecido tempo demais como ministro, engolindo cobras, sapos e sapatos; ter se empregado na vida civil, numa empresa estrangeira que tinha certa proximidade com a Odebrecht.

      Agora quer voltar – e logo como presidente! Me parece que o rapaz está mirando alto demais. Ele não me encanta particularmente. Mas quem vai apontar o caminho da terceira via são as pesquisas, exatamente como aconteceu com Bolsonaro. Atenção: não estou dizendo que o próximo presidente será eleito pelas pesquisas! Me expressar assim seria excessivo. Mas são elas que darão fôlego ao(s) candidato(s) da terceira via.

      Os próximos três meses são cruciais. Daqui para o Carnaval, já saberemos quem é ele (ou quem são eles). Aquele que aparecer com uns pontinhos à frente periga sufocar os demais e disparar o efeito bola de neve: mais pontos, mais eleitores, mais pontos, mais eleitores, e assim por diante, numa espiral incontrolável.

      Só espero que não seja Sergio Moro. O rapaz pode até ser bem intencionado, mas não tem a menor experiência administrativa. Não sei se já foi síndico de condomínio, mas, na vida pública, não foi nem vereador. Já tivemos Bolsonaro e Dilma, gente saída do nada e que deu no que deu. Basta de aventuras!

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  2. Boa pergunta! Poderia ser também: conhecimento demais faz mal? No 2º portal da sabedoria grega estava escrito “Nada em excesso” (o primeiro propunha “Conhece-te a ti mesmo”). Agora, entre o termômetro e a suposição da existência ou não da febre, eu fico com o termômetro – mas essa é uma escolha pessoal. Onde não há informação há espaço para a desinformação. Além da forte rejeição ao PT, um fator-chave para a eleição de Bolsonaro foi o disparo em massa de mensagens tendenciosas nas redes sociais, em especial após o episódio da facada sem sangue que possibilitou a ausência do candidato em todos os debates. Ontem, uma outra agência de pesquisa, a Quaest, publicou um estudo pra lá de interessante: levantou-se a intenção de voto por plataforma usada pelo eleitor para se informar (jornais, rádio, TV, redes sociais, whatsapp e influência familiar). Surpreendentemente, foi a influência de pais, maridos, parentes e amigos que mais alterou a intenção de voto. Pra se ver que o boca-a-boca tem um poder muito maior do que qualquer pesquisa. O voto não tem nada de racional. O eleitor vota majoritariamente com o bolso. Se a economia se recuperar, as chances de reeleição de JB aumentam consideravelmente.

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    • Boa resposta! O confronto entre o boca a boca e as pesquisas é boa base para cogitar. Quem veio primeiro? Quem é o ovo e quem é a galinha nesse “pas de deux”? É o boca a boca que incha as pesquisas? Ou são as pesquisas que insuflam o boca a boca?

      É complicado responder com precisão. A rigor, para ter certeza, precisaria fazer… uma pesquisa! Por mim, diria que ambos se retroalimentam, um engorda o outro. Qual dos dois atirou a primeira pedra? Qual deles ligou o motor de arranque? Difícil saber.

      Evidentemente, a forte rejeição ao PT, assim como a enorme repulsa a Bolsonaro, não são produto de pesquisa alguma. Vêm das tripas de cada um. Onde as sondagens podem dar uma ajudazinha é na definição do melhor candidato pra derrubar os dois espantalhos – o demiurgo e o capitão. Aquele que as pesquisas jurarem que é o mais bem colocado, voto nele. Juro.

      No problema cabeludo que o Brasil vai viver estes próximos meses, de ter de escolher entre um e outro, as pesquisas até que serão úteis pra direcionar o eleitorado para o voto útil. Sem pesquisa, é certeza que teríamos os dois ogros no segundo turno.

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      • Juro que pensei a mesma coisa: o boca a boca alimenta a pesquisa e ela alimenta o boca a boca. No entanto, outros fatores interferem aí: quantas pessoas estão realmente interessadas em se informar? “No que tange” (como diria o capitão) ao Brasil, não há como achar que a postura do eleitor dos grandes centros do sudeste/sul é a mesma do infeliz morador da Amazônia e dos rincões mais miseráveis do nordeste. Também não dá para esquecer que vivemos em um país patriarcal, machista, racista e classista. Acho que a influência da opinião do pai/marido/patrão é consequência inexorável dessa excrescência que é o voto obrigatório. Na véspera da eleição, o eleitor dá uma olhada rápida nas estatísticas ou consulta a pessoa mais próxima só para se desincumbir da tarefa chata o mais rápido possível. Agora, merece reflexão também o fenômeno Celso Russomano: ele sai na frente todas as vezes mas desidrata já nas primeiras semanas de debate eleitoral. O inverso se aplica ao Dória: ele tinha cerca de 8% de intenção de voto e ganhou disparado (por ter se aliado a Bolsonaro?)

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