Se afinou

by Jacques Azam (1961-), desenhista francês

José Horta Manzano

A toda ação, corresponde uma reação oposta e de igual intensidade. Bem simplificada, essa é a terceira lei de Newton, ou “princípio da ação e reação”. Não funciona só na concretude, vale também para fatos da vida de todos os dias, concretos ou abstratos.

Por questões de diferença de fuso horário, este blogueiro já havia encerrado o expediente quando chegou o grande susto do dia. Só fiquei sabendo hoje de manhã. Com que então, o capitão recuou, é? No meu tempo a gente dizia “se afinou”, que era um misto de falar fino e sair de fininho. Sair de fininho é hábito do capitão; todo o mundo sabe como ele costuma escapar a situações incômodas. Já falar fino – em ambos os sentidos da palavra – é novidade. O que prova que a gente nunca conhece perfeitamente uma pessoa. Tem sempre o pulo do gato, que vem de repente e surpreende.

O homem mandou um avião presidencial (custeado por nós) para exumar Michel Temer e trazê-lo a Brasília. O velho ex-presidente aceitou o convite e foi aconselhar o chucro que nos governa. Mas essa história está contada pela metade. Todos sabem que a capacidade mental do capitão é precária. Sozinho, ele não tem condições de entender que a coisa ficou preta pro lado dele depois do que ele aprontou dia 7.

Portanto, alguém (ou alguéns) de seu entourage próximo deve(m) ter-lhe dado conselho de pedir conselho a quem entende do riscado. Bolsonaro agiu como agem os que estão se afogando e imploram por uma boia: agarram-se a ela.

Quem terá sugerido ao capitão aconselhar-se junto a doutor Temer? É difícil saber. Falando em entourage, por onde andam mesmo os bolsonarinhos? Parecem quietinhos. Minha mãe dizia que criança, quando está muito quieta, é sinal de que está fazendo alguma arte.

Pra quem já estava animado com a subida de tom do presidente, na crença de que ele estava a um passo do impeachment (ou de ser internado, de camisa de força, num hospital psiquiátrico), é péssima notícia. Com a afinada, doutor Bolsonaro ganha um respiro. Ainda não é amanhã cedo que o camburão estará esperando por ele à porta do palácio no fim do expediente.

Mas basta ter um pouquinho de paciência. O homem é incorrigível. Como bem lembrou Bernardo Mello Franco em seu artigo de hoje n’O Globo, logo nos primeiros dias do governo Bolsonaro, seu adversário de segundo turno, Fernando Haddad, tinha profetizado: “Antes de defender uma bozoideia, espere 24h. Poupa o esforço de defender o recuo”.

Quer o capitão renegue amanhã o recuo, quer não renegue, há duas excelentes notícias. A primeira – muito importante – é saber que tem gente que, embora muito próxima a ele, consegue botar a cabeça pra fora da bolha, ler os jornais, sentir a temperatura, apreciar se o momento é adequado para isto ou aquilo e, se houver perigo, dar o alerta. Neste caso, o alerta deve ter tocado fortíssimo, tipo fff. É reconfortante saber que, embora goste de manter pose de “imorrível, imbroxável e incomível”, o personagem não é tão blindado quanto quer parecer.

A segunda boa notícia – igualmente importante – é saber que, entre os integrantes da cúpula militar do Brasil, os apoios com que o capitão pode contar estão longe de ser suficientes para dar-lhe sustentação na sonhada aventura de tomar o poder pela força. Ingênuo, ele acaba de dar a prova final dessa realidade.

Portanto, ânimo, minha gente! A cada recuo do presidente, é o Brasil que ganha um ponto. Ganha o Brasil e ganhamos nós todos.

Árabes e judeus

José Horta Manzano

Apesar da energia despendida pelos governos petistas para promover e alargar linhas de fratura no seio da sociedade brasileira, o estrago não ultrapassou os clichês ligados à aparência física. As famigeradas quotas raciais foram estabelecidas grosseiramente. Na base, guiaram-se apenas pela cor da pele e restringiram-se a distinguir duas categorias: de um lado, pretos e mulatos; de outro, brancos e orientais. A medida tosca se limitou à aparência externa de cada indivíduo. Não tendo descido a minúcias, a estigmatização poupou a diversidade de nossa herança étnica e cultural. Melhor assim.

Nosso país faz parte do clube seleto dos que não ressentem o eco das rusgas entre judeus e árabes. Passando ao largo das desavenças no Oriente Médio, o brasileiro não demonstra preconceito contra nenhum dos dois povos beligerantes. Seria falso dizer que isso ocorre porque não os conhecemos. A sociedade brasileira integra milhões de descendentes de imigrantes árabes e judeus, que são considerados cidadãos exatamente como os outros, nem melhores, nem piores.

O fato de representantes das duas colônias sobressaírem em altos cargos da política nacional não abala ninguém. A mídia nem costuma sublinhar a origem desses personagens. Os árabes Geraldo Alckmin, Gilberto Kassab, Rosinha Garotinho e Fernando Haddad são conhecidos e apreciados (ou detestados) por motivos que nada têm a ver com a origem de seus antepassados. O mesmo se aplica aos judeus Jaime Lerner, Jacques Wagner, Alberto Goldman e Ilan Goldfajn.

Rainha Silvia da Suécia

No estrangeiro, as paixões são mais vivas. Quando doutor Temer subiu à Presidência, a notícia chegou correndo ao Líbano, terra de seus antepassados. A mídia se empolgou e homenagens foram prestadas ao político brasileiro. No vilarejo de onde vem a família, doutor Temer é nome de rua.

Agora, que doutor Alcolumbre foi eleito presidente do Senado, foi a vez de a mídia israelense se entusiasmar. Todos salientaram o fato de ser a primeira vez que um judeu chega à Presidência de nossa Câmara Alta.

Note-se que o Brasil é menos efusivo quando algum de seus filhos chega a posição importante no exterior. Temos uma brasileira sentada no trono da Suécia e, no entanto, raramente se tem notícias da rainha Sílvia que, filha de Herr Walther Sommerlath e de dona Alice Soares de Toledo, cresceu no Brasil e fala nossa língua como qualquer conterrâneo. Além da coroa, ela dispõe hoje de tripla nacionalidade: brasileira, alemã e sueca.

Confirmando a convivência pacífica entre comunidades, temos agora o judeu Davi Alcolumbre e a árabe Simone Tebet no Senado, ambos em posição de destaque. A mídia estrangeira pode continuar se entusiasmando. Quanto a nós, vamos torcer pra que as linhas de fratura criadas à força acabem por cicatrizar sem deixar marcas.

Time que ganha

José Horta Manzano

O sucesso fascina. Quem tem dinheiro tem muitos amigos. Quem sobe na vida provoca admiração e inveja. Quem está em rampa ascendente desperta simpatia. Essas considerações valem tanto pra quem enrica quanto pra quem sobe na escala social ou profissional.

Faz ainda poucos dias, a mídia estrangeira, em uníssono, acusava os brasileiros de se estarem deixando levar pela onda conservadora” capitaneada pelo perigoso ultradireitista Bolsonaro. No entanto, as sondagens que selam a derrota do Partido dos Trabalhadores estão alterando a percepção que jornalistas estrangeiros têm do Brasil.

O francês Le Monde, quotidiano esquerdizante, fala hoje da «campanha desesperada» de doutor Haddad. Menciona os dados alarmantes das pesquisas eleitorais, lembra que Lula da Silva está na cadeia e, no final, já parece conformado com a derrota. O tom usado quando se refere a doutor Bolsonaro já não é tão ácido quanto antes. O sucesso já exerce sua magia.

O peruano El Comercio joga, logo no título, que Bolsonaro «entendió el actual momento de Brasil». Reconhece que o capitão está a um passo de se tornar presidente do país e, como é natural, lança sobre ele um olhar bem mais suave do que até pouco tempo atrás.

CNN, em sua edição em língua castelhana, vai mais longe e ousa uma reveladora pergunta retórica: «Será Jair Bolsonaro o ‘salva-vidas’ do Brasil?».

A mídia italiana, por seu lado, converteu-se à cartilha de doutor Bolsonaro por outro motivo. Foi instantâneo. Aconteceu no exato instante em que o candidato revelou intenção de expulsar Signor Battisti ‒ aquele italiano que, apesar de envolvido no assassinato de quatro pessoas e condenado à prisão perpétua pelos tribunais de seu país, foi acolhido por Lula da Silva. A opinião pública italiana nunca se conformou com a afronta feita pelo Lula contra a Justiça italiana.

À medida que nos aproximarmos da eleição, a resistência ao candidato por parte da mídia internacional deve continuar em ritmo decrescente. Todo o mundo gosta de time que ganha.

Neonazismo & neofascismo

José Horta Manzano

Pergunta:
Como avalia o crescimento de Jair Bolsonaro, um candidato da extrema direita, no Brasil?

Resposta:
A crise estourou em 2008 e o que vemos agora são seus efeitos. O Brexit tem que ver com esta situação, como Trump e o fenômeno de Bolsonaro. Só que lá é neonazismo e aqui é neofascismo.

A pergunta foi formulada pelo entrevistador do jornal espanhol El País. E a resposta, com aspecto e gosto de salada mista, foi dada por doutor Fernando Haddad, em longa entrevista concedida ao jornal. Saiu na edição deste domingo, 14 de outubro.

Não acredito que doutor Haddad, professor universitário e dono de boa formação humanística, ignore o real significado dos termos neonazismo e neofascismo. Fosse um Lula qualquer a invocar em vão esses conceitos tenebrosos, a gente poria na conta da ignorância. Mas doutor Haddad, não. Se pronuncia inverdades, é por refinada má-fé. Mostra seu lado finório.

É obrigatório constatar que o candidato assimilou perfeitamente o irritante costume petista de atirar poeira nos olhos do interlocutor a fim de baralhar a mensagem. A resposta que ele deu ao jornalista é acabado exemplo dessa tática. Como numa salada russa, o doutor misturou conceitos díspares.

Chamar Donald Trump de neonazista é ir longe demais. O homem é atabalhoado, elefante em loja de porcelana, autoritário, voluntarista, ignorantão, mas, de nazista, não tem grande coisa. Não se sabe de nenhuma manobra sua que empurrasse seu país na direção de uma Alemanha dos anos 1930.

Fascio littorio ‒ símbolo do fascismo

Dizer que o Brexit é fruto de ressurgência do nazismo é outro rematado exagero. O voto dos britânicos é fruto de um balaio de motivos ‒ saudades dos tempos gloriosos do Império Britânico, receio de perder o emprego para um polonês mal remunerado, sentimento difuso de que Bruxelas está legislando contra os interesses nacionais. O conjunto de razões não poderá, nem de longe, ser etiquetado de nazismo.

Quanto ao Brasil, sabemos todos qual é a razão pela qual doutor Bolsonaro está a um passo de ser eleito por aclamação. É antipetismo puro, a não confundir com neofascismo. De fato, a maior parte dos votos que serão dados ao capitão, no espremer do suco, não lhe pertencem. Poucos serão os eleitores que compactuam com hipotético viés fascista do candidato. Vota-se simplesmente contra o Partido dos Trabalhadores.

Não contente em atazanar a vida dos que aqui vivem, o PT exporta perversidade. Contribui, assim, para degradar a imagem do Brasil lá fora e ainda alimenta o desolador cenário de desinformação que domina a mídia internacional. É revoltante.

Desejo de emancipação

Myrthes Suplicy Vieira (*)

‒ Minha filha, ouça sua mãe. Aceite logo o pedido de casamento do Jair e esqueça essa loucura de se jogar no mundo por conta própria. Ponha um pouco de juízo nessa sua cabeça, meu bem. Já está mais do que na hora. Até suas amigas estão comentando que você está se fazendo de difícil só para valorizar seu passe…

‒ O que os outros pensam de mim não é meu problema. Falta de juízo eu teria se aceitasse atrelar minha vida a um homem que me trata como se eu fosse só mais uma das suas propriedades, mãe. Além disso, não estou embarcando numa aventura maluca. Estou criando meu próprio projeto de vida, de felicidade e de futuro.

‒ Mas, filha, pense bem. Sonhar é bom, necessário até, mas um dia a gente tem de encarar a realidade. O mundo é machista, cruel, não vai facilitar nada para uma mulher que não tem quem a defenda. Você vai ter de enfrentar toda espécie de dificuldade, de falta de dinheiro a falta de respeito. E o Jair tem todas as condições para lhe dar estabilidade, segurança, conforto e uma vida respeitável na sociedade.

‒ Pode ser, mãe. Mas não estou procurando um pai substituto. Já estou bastante crescidinha para continuar sentada no colo de alguém e gostar de ser chamada de princesinha. Não quero ser sustentada, quero aprender a me sustentar. E o Jair não aceita nem sequer pensar na possibilidade de eu continuar trabalhando. Não respeita minhas ideias, acha que pode me convencer aos gritos. É ciumento, possessivo, chega a ficar violento quando acha que minha saia está curta demais. Meu fígado não suportaria a convivência com ele por mais de uma semana…

‒ Meu bem, você já tem maturidade suficiente para saber como contornar essas inseguranças bobas de todo homem. Engula seu orgulho por um tempinho, revele-se uma boa administradora de um lar, dê um filho a ele e, pode apostar, ele vai comer na sua mão o resto da vida. Se um dia não suportar mais, peça o divórcio. Com o dinheiro da pensão polpuda que você vai receber, vai poder retomar esses seus projetos românticos de ajudar os necessitados lá fora…

‒ Minha consciência e minha independência não estão à venda, minha mãe. Não há dinheiro no mundo que me faça querer trocar minha paz de espírito por esse estilo de vida de dondoca que eu desprezo tanto…

‒ Bom, se você pensa assim, então se case com o Fernando. Ele também é um sonhador que aposta que a felicidade é uma equação que envolve só um amor e uma cabana. Sofro só de imaginar como será sua vida quando as primeiras contas chegarem e ele não tiver nem como botar comida na mesa.

‒ Mãe, não entendo porque você acha que minha única chance de realização na vida é me casando com um dos dois. Sabe, eu já cheguei a pensar que o Fernando era um companheiro leal de viagem, mas me decepcionei muito. Imagine que ele me pediu para ser avalista num empréstimo para a compra da casa da mãe dele e até hoje não me pagou. Depois veio com aquela desculpa esfarrapada de que, assim que a economia se estabilizar de novo, ele vai me devolver tudo, que nós vamos voltar a ser felizes. Pior, até hoje nunca me pediu desculpas por ter feito tanta cortesia com chapéu alheio.

‒ Pra você ver que não dá para confiar em quem não tem os pés firmemente plantados na realidade…

‒ Há mais opções entre o céu e a terra do que sonha sua vã filosofia casamenteira, mãe. Não me sinto obrigada a amarrar meu destino a ninguém para ser feliz. O que me encanta é exatamente a possibilidade de escolher novos parceiros sempre que eu sentir que é necessário.

‒ Tudo bem, minha filha, não quero aborrecer mais você com a ótica conservadora de toda velha mãe. Mas preste atenção: não é só casar que dá sentido à vida de uma mulher, é também ter filhos. Eu só queria que você não esquecesse que vai precisar ser amparada na velhice, seja por quem for.

‒ Não esqueci, não, mãe. Acho que é a senhora que esquece que eu posso ser minha própria provedora de amparo. Depois, não acredito que a felicidade só virá se eu me dobrar às conveniências de outras pessoas. Tem mais: os únicos filhos que eu sempre quis ter são os de quatro patas, rabo e latidos… E eles me ensinaram que o único jeito de se sentir pleno é se jogando de cabeça, sem rede de proteção, no abismo do aqui e agora…

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Que se danem!

José Horta Manzano

Toda seita é composta de adeptos aglutinados em torno de um guru. Quanto mais carismático e manipulador for o mentor, mais o grupo tenderá a se fanatizar.

Este blogueiro se lembra de um fato que estarreceu o mundo. Aconteceu 40 anos atrás, razão pela qual o distinto leitor ‒ que talvez nem fosse nascido ‒ pode não ter assistido. Foi o drama que exterminou uma seita nascida nos EUA e denominada People’s Temple (Templo do Povo).

Jim Jones, o paranoico guia supremo da seita, temia que os EUA fossem atacados por armas nucleares. Em 1977, para fugir ao perigo, trouxe cerca de mil adeptos para fundar um vilarejo na Guiana, nosso vizinho do norte. Ególatra, o pastor deu à aldeia o próprio nome: Jonestown.

Acontece que congressistas americanos andavam meio desconfiados de que algo estava errado com a seita. Uma comitiva, que incluía jornalistas, se dirigiu a Jonestown para investigar. Foi um desastre. Foram recebidos à bala.

Ao se dar conta de que o fim da brincadeira estava próximo, o guru resolveu suicidar-se. Mas foi mais longe: decidiu arrastar consigo todos os adeptos. Fez distribuir para todos um copinho de plástico com cianureto de potássio misturado com limonada. A quase totalidade dos fiéis aceitou de bom grado. Os poucos renitentes foram obrigados a tomar.

Uns poucos gatos pingados, que tinham conseguido refugiar-se na mata, sobreviveram e acionaram a polícia. Ao chegar, os agentes descobriram mais de 900 cadáveres e um mar de copos de plástico.

A descida aos infernos do Lula me lembrou esse episódio. Ao se dar conta de que chegou ao fim da linha, nosso guru tropical decidiu arrastar o partido consigo. Durante quarenta anos, ele foi fiel à estratégia de podar o topete de todo militante que se mostrasse capaz de assumir, um dia, a liderança da seita. Nunca designou braço direito e muito menos sucessor.

Chegada a hora em que a porca torce o rabo, o guia tinha uma derradeira ocasião para se redimir. Bastava apontar explicitamente o adepto que deveria continuar a luta. Mostrando o imenso desprezo que tem pelos afiliados ao partido, não o fez. Disse que Manuela d’Avila e Guilherme Boulos(*) são «bons candidatos» para a eleição presidencial.

Ora, todos sabem que esses dois não são afiliados ao partido e não têm a menor chance de chegar ao segundo turno. Todos sabem que Jacques Wagner e Fernando Haddad, membros da seita, teriam perspectiva melhor de sucesso.

Até na queda, o Lula mostra a aura escura que lhe envolve a personalidade. A conclusão é inevitável. Na cabeça do guru, o veredicto é taxativo: «se não vai de eu, vai de eu mesmo». Traduzindo para linguagem mais inteligível: se não for eu o chefe, que se dane a seita.

(*) Boulos é a forma árabe do nome Paulo.

Fim melancólico

José Horta Manzano

DécouragementNão precisa ter bola de cristal pra se dar conta de que o futuro do Lula não é radioso como todos imaginavam até seis meses atrás. O homem – que muitos consideram inteligente, mas que eu julgo apenas astucioso e oportunista – não consegue entender o que lhe está acontecendo.

Persistindo na crença de que foi o melhor presidente que essepaiz já conheceu, não atina com os motivos pelos quais ele e seus companheiros passaram a ser rejeitados. Dado que é virtualmente impossível adivinhar os pensamentos que circulam nos meandros do cérebro alheio, a gente pode, no máximo, conjecturar. No caso do Lula, tenho uma hipótese a propor.

Feuille morteDesde o tempo em que liderava metalúrgicos, ele entendeu que o mundo é um jogo de interesses. Toma lá, dá cá. Eu lhe dou isto, você me dá aquilo. A utilização intensiva da fórmula garantiu-lhe vasto círculo de ‘amigos’ e assegurou-lhe ascensão até o posto máximo da República.

Não há notícia de que o Lula jamais se tenha mostrado embaraçado com alguma falcatrua ocorrida à sua volta. Parece-lhe normal que dinheiro e favores circulem por debaixo do pano – faz parte do toma lá, dá cá. Daí ser-lhe impossível entender a razão da cólera popular, agora que escândalos estão sendo revelados. Nosso líder está sinceramente atônito, embasbacado, sem entender o porquê de reação tão negativa contra uma prática que lhe parece corriqueira e indispensável.

Arvore 1A Folha de São Paulo deste 18 maio traz artigo contando que nosso guia criou um ‘grupo para o futuro’, roda formada por alguns dos poucos amigos que lhe restam. Juntos, procuram solução pra vitaminar hipotética candidatura do líder a um terceiro mandato presidencial.

Os componentes do grupo fazem pensar num abraço de afogados. O taumaturgo não está só. A seu lado, estão outros personagens tão ou mais desprestigiados que ele: Antonio Palocci (ministro da Fazenda demitido), Alexandre Padilha (candidato malsucedido ao governo paulista), Fernando Haddad (prefeito paulistano mal-amado). São esses os mais conhecidos.

MorroO Lula devia ter pendurado as chuteiras no dia em que entregou a faixa presidencial à sucessora. Tivesse feito como grandes personagens do passado, que saíram de cena no auge da carreira, teria ficado na memória nacional como grande líder.

Não o fez porque queria mais. Preferiu continuar no palanque sem se dar conta de que, depois de ter chegado ao topo da montanha, só pode descer. Tem descido. É melancólico.

Vamos dar nome aos engarrafamentos

Leão Serva (*)

Políticos gostam de dar nome a ruas e avenidas, hospitais e escolas. De tanto fazê-lo, o estoque de vias e prédios públicos se extingue e os governantes ficam tentados a trocar nomes dados no passado. É quando alteram a denominação de lugares como o túnel Nove de Julho (virou Daher Cutait) ou a ponte Cidade Jardim (Roberto Zuccolo), desorientando os moradores.

Para evitar que isso aconteça e para eternizar as obras de verdadeiro impacto dos administradores, em 2014 sugiro implantar uma nova categoria de realizações a serem nomeadas: as vias congestionadas. Proponho dar nome aos engarrafamentos: «Congestionamento Prefeito Fulano».

Normalmente tendemos a ver o acúmulo de veículos como criação coletiva dos motoristas que se dirigem simultaneamente a um mesmo local. Não é. «Grandes obras viárias nas cidades só servem para levar mais rapidamente pequenos congestionamentos até um grande congestionamento», ensinava o decano da engenharia de tráfego Roberto Scaringella, morto em junho. Ao longo das últimas décadas, o fundador da CET viu administradores construírem grandes obras viárias sabendo que cada inauguração marcava o nascimento de um novo congestionamento, à frente ou após um tempo.

Foi o que aconteceu com 23 de Maio, Minhocão, velha e nova Faria Lima, velha e nova marginal Tietê, Água Espraiada, Cebolão, Cebolinha, etc: sem exceção travaram após a abertura.

Congestionamento Crédito: Jodi Cobb

Congestionamento
Crédito: Jodi Cobb

Implantando a ideia, podemos associar para sempre criaturas a criadores. Começaria com o pai de todas as intervenções geradoras de tráfego: as marginais paradas serão denominadas Grande Congestionamento Prestes Maia, defensor da canalização de rios para ocupar várzeas e vales com avenidas.

Em seguida, impõe-se destacar o mais ousado epígono de Prestes Maia: sobre o Minhocão, a placa anunciará o Engarrafamento Elevado Paulo Maluf. Para não dar o mesmo nome a duas realizações do mesmo autor, a fila de carros na av. Roberto Marinho será denominada Congestionamento Celso Pitta, que também, afinal, foi Maluf que fez.

O trânsito pesado da av. 23 de Maio não pode ter outro nome: Congestionamento Prefeito Faria Lima. Na Avenida Aricanduva, uma placa diferente deve informar: «Alagamento e Lentidão Olavo Setúbal», mesmo tipo de anúncio que informará o nome de Mario Covas na av. Pirajussara. E a lentidão no túnel entre o Morumbi e o Itaim? Só pode lembrar seu criador: Engarrafamento Subterrâneo Jânio Quadros.

Uma placa deverá anunciar o Gargalo Permanente Prefeita Marta Suplicy para destacar a morosidade da avenida Rebouças, enquanto outra, da mesma administração, aquela no túnel sob a av. Faria Lima, poderia ter o nome do seu planejador: Congestionamento Secretário Jorge Wilheim, para não repetir o da ex-prefeita.

As novas pistas que ampliaram a marginal Tietê, apinhada de carros só três anos após a inauguração, devem receber a placa: Congestionamento José Serra. Como Marta projetou mas não a completou, sugiro que a lentidão na ponte Estaiada da marginal Pinheiros receba o nome Prefeito Kassab.

E desde já preparemos as placas: engavetada logo no início do governo, a principal promessa de campanha do atual prefeito em algum momento pode ser desarquivada e então receberá o nome «Arco do Futuro Congestionamento Fernando Haddad».

(*) Leão Serva, jornalista e escritor, num relato bem-humorado sobre o flagelo que os congestionamentos representam na capital paulista. In Folha de São Paulo, 6 jan° 2014.