Extremos que não se equivalem

Estilingue

José Horta Manzano

Artigo publicado no Correio Braziliense de 26 junho 2025

Há uma tendência recorrente de colocar extrema esquerda e extrema direita no mesmo plano moral e histórico. A ideia de que uma seria o espelho da outra com sinais trocados não resiste a uma análise mais profunda. Embora o radicalismo seja a tônica de ambas, os fundamentos ideológicos, as motivações e os objetivos que as movem são substancialmente diferentes.

A extrema direita tem obsessão pela origem, pelo sangue e pelo pertencimento nacional, assumindo a pátria o valor absoluto. Os que não se encaixam nesse modelo idealizado de cidadão – muitas vezes branco, cristão e “puro” – são considerados ameaça interna. Esse discurso não raro se manifesta na retórica do “resgate de valores tradicionais” ou na defesa de um nacionalismo agressivo e excludente. São os autodenominados “patriotas”, guardiães de uma identidade nacional que não passa de invenção nostálgica de um tempo que não existiu.

Já a extrema esquerda, apesar de também incorrer em excessos e, por vezes, de flertar com o autoritarismo, parte de uma premissa bem diferente. Seu ponto de partida costuma ser a tentativa – nem sempre bem-sucedida – de erradicar a miséria, promover justiça social e melhorar as condições de vida de todos, independentemente de raça, cor, religião ou origem. Se, por um lado, pode perder-se em dogmas ou práticas centralizadoras, por outro, tem como horizonte um projeto de inclusão e equidade. Essa diferença, por si só, já impede que as duas extremas sejam vistas como farinha do mesmo saco.

O ponto de contato entre ambas, sem dúvida, está no recurso à violência como ferramenta política. Quando a moderação é abandonada, quando o diálogo é substituído pela imposição, os extremos se encontram na radicalização dos meios – ainda que os objetivos sejam distintos.

O caso norte-americano
Há casos emblemáticos da ascensão da extrema direita em democracias consolidadas. Trump é o retrato fiel de uma política voltada para trás, centrada em uma ideia mitificada do passado americano. Em seu slogan de campanha “Make America Great Again”, o “again” (de novo) revela esse desejo de regressão a um tempo idealizado – uma época marcada por ordem, prosperidade e respeito internacional, mas que na prática era também um tempo de exclusões sistemáticas.

Essa nostalgia política se traduziu em políticas de segregação e exclusão. Sua hostilidade aberta contra imigrantes latino-americanos ou de fé muçulmana e seu discurso racista e xenófobo constituem uma ruptura da igualdade preconizada pelos fundadores do país. A obsessão pela raça e pelo pertencimento nacional torna-se, então, não apenas perigosa, mas solapadora para a democracia.

Trump, como muitos líderes de extrema direita, mostrou-se incapaz de governar de forma ampla e responsável. Suas decisões estouvadas e sua recusa de aceitar as regras democráticas deixaram os EUA à beira de uma crise institucional. Ainda assim, parte significativa da população parece hipnotizada e inerte diante de seus abusos – fenômeno que inquieta outras democracias pelo mundo.

Brasil: uma história diferente?
No Brasil, um país miscigenado, a noção de “raça” como critério de exclusão perde consistência. É impossível definir os contornos raciais de um povo marcado pela mistura. Isso levou nossa extrema direita a buscar outros marcadores para cumprir papel excludente.

No nosso contexto, a religião tem sido usada como ferramenta de segregação e controle. As denominações neopentecostais foram alçadas ao status de guardiãs da moral nacional, enquanto outras religiões passaram a ser vistas com indiferença ou até com hostilidade. O fato religioso tornou-se combustível para a radicalização e a divisão social.

A violência, antes simbólica, ganhou corpo na sedição do 8 de janeiro. Os líderes da intentona jamais se retrataram de seus atos. A extrema direita brasileira, à semelhança da americana, tem tentado se escorar numa visão messiânica de mundo, com resultados alarmantes.

Apesar das desigualdades persistentes, da violência urbana e da crise política permanente, o Brasil tem algo que, nos últimos anos, mostrou-se vital: instituições que funcionam. Ao contrário dos Estados Unidos, cujo sistema judiciário parece paralisado diante de um presidente que o desafia abertamente, o Brasil conseguiu reagir.

Nos momentos mais críticos, coube ao Judiciário atuar como último bastião à beira da ribanceira. Nossas instituições resistem aos impulsos autoritários e mantêm, com esforço, o país em rota democrática. Diante de tanta desgraça, esse é um fator que não deve ser desprezado.

Pigmentação

Antes e depois

José Horta Manzano

A falta de mídia especializada anda fazendo falta. Em outras eras, havia jornais que só davam notícia de horrores (assassinato, assalto, atropelamento, incêndio, descarrilamento de trem). Em outros jornais, sentia-se nitidamente uma tendência bem à direita ou bem à esquerda. Hoje em dia, não sei se será impressão minha, os poucos veículos que sobraram se tornaram generalistas. Lembram uma “Folha do Comércio”, que dava a chegada e a partida de todos os navios, o embarque e o desembarque de todas as mercadorias, e assim por diante.

O Globo, como seus congêneres, não escapou. Fala de política com a mesma desenvoltura com que relata crimes (com detalhes), sem esquecer a coluna social. Lá encontrei hoje uma notícia inquietante. Fala de uma influenciadora. Esse é termo que até hoje não decifrei. A moça influencia quem? Como é que se mede influência? A moça, cujo nome já esqueci, é daquelas de rosto reconstruído, que deve ter passado pelo que costumávamos chamar “recauchutagem completa”. Lábios exageradamente grossos, alguns quilômetros de cabelo. E a notícia do dia é que está voltando da França, para onde viajou especialmente para se submeter a uma operação que leva o nome assustador de “keratopigmentação”.

Atrás do nome bárbaro, se esconde uma intervenção ambulatória que altera definitivamente a cor dos olhos. Em 100% dos casos, o cliente pede cor mais clara que a original. Antes da operação, pode-se até escolher a tonalidade desejada. Nossa influenciadora se encantou por uma cor turquesa mares do Sul, um verde transparente que a deixou com olhos de personagem de filme de terror.

O chato é que ela trouxe da França uma companheira que não estava no programa: a dor. Diz a moça que, desde o primeiro dia, padece com dor constante nos olhos, o tempo todo, uma dor penetrante que não cede. Vê-se que não tinha se inteirado dos riscos antes de se operar. Em cinco minutos e dez cliques, consegui saber que a dor pode surgir em alguns casos, que pode ser sinal de inflamção ou até de infecção, e que é muito difícil de debelar. Em vez de correr de volta à clínica, a influenciadora preferiu esperar para consultar um oculista no Brasil. Talvez por um problema de língua.

Cada um faz o que quiser com os próprios olhos, mas acho que a moça foi descabeçada. Nas minhas buscas, só encontrei uma clínica que oferece essa operação: é na França, exatamente onde a moça foi. A intervenção custa a bagatela de 7.300 euros (R$ 47.000), sem contar passagem aérea, hospedagem e alimentação. Precisa ter muita coragem. Uma só clínica na Europa inteira? Eu ficaria com um pé atrás.

E lá foi nossa influenciadora, braço forte e olho aberto, enfrentar o bisturi a laser. O procedimento se faz com micropunturas, como se fossem golpezinhos de acupuntura, com uma agulha que injeta um colorante na íris. É uma espécie de tatuagem da córnea. Só de pensar, dá aflição.

Fiquei sabendo que diversos figurões brasileiros da “influenciosfera” já se submeteram a uma keratopigmentação. Todas as fotos que eu vi correspondem a pacientes que escolheram tons de água-marinha transparente.

Fico realmente surpreso de ver a que ponto essa gente arrisca a própria saúde em prol de um detalhe da aparência – que todos sabem ser artificial. Me parece gente que se enrolou numa teia criada por eles mesmos, da qual não conseguem mais se desvencilhar. Até onde a vaidade pode levar!

Penso que, em vez de influenciadores, são eles os verdadeiros influenciados.

Venha não, Mister!

Correio Braziliense

José Horta Manzano

Durante duas décadas, Vladímir Putin, soberano da Rússia, acostumou-se a embarcar no avião presidencial em Moscou e descer em todas as capitais e todas as sedes de cúpulas e reuniões ao redor do globo. Os inconvenientes da frequente mudança de fuso horário sempre foram compensados pela agradável conveniência de contar com uma “suite privée” no avião, dotada do conforto máximo que um ser humano possa desejar.

Mas não há mal que sempre dure nem bem que nunca se acabe, como dizia minha avó – com um balde de razão. Calma, que ninguém se engane: apesar das sanções econômicas sob as quais vive a Rússia desde que invadiu a Ucrânia, o avião presidencial russo continua no hangar que o abriga de olhos indiscretos. O presidente se serve dele para uma ou outra viagem interna, para ir a Vladivostok, por exemplo, porque o território russo é extenso. Putin levou umas garrafas de vodka para visitar algum vizinho – Mongólia, Casaquistão – mas ao exterior de verdade, exterior no duro, não viajou mais.

O fato é que, desde março de 2023, pesa sobre a cabeça do dirigente russo uma ordem de prisão emanada do Tribunal Penal Internacional. Tirando algumas exceções (EUA, China, Rússia e alguns outros), todos os países do globo são signatários do Estatuto de Roma, que entrou em vigor em 2002. O Brasil, como todos os países das Américas (com exceção de Nicarágua, Cuba, Haiti e Estados Unidos), é signatário. A Europa inteira (com exceção da Rússia e da Bielo-Rússia) está entre os que assinaram.

Ao firmar o estatuto, cada país se compromete a respeitar as ordens de prisão emitidas pelo Tribunal Penal Internacional. Assim sendo, Putin está proibido de viajar para qualquer um dos países signatários do estatuto, sob pena de ser preso e remetido à Haia, na Holanda, sede do tribunal.

Em verde, os países signatários

De modo ignorante e inconsequente, logo no início de seu mandato, Lula declarou que Putin podia vir ao Brasil “sem medo de ser preso”. Causou um rebuliço na mídia. Por mais que seja presidente do Brasil, Lula não tem o poder de passar por cima de tratados e, principalmente, da Justiça do país, a quem cabe tratar casos dessa ordem. A coisa acabou se acalmando e Putin, naturalmente, não veio ao Brasil.

Compreendo que, depois de alguns anos sem se afastar de suas estepes geladas, Vladímir Putin esteja com uma vontade danada de ver, nem que seja da janela do hotel, uma areia branca e fina numa praia cujas palmeiras tropicais, fechando os olhos e fazendo um esforço de imaginação, a gente até consegue enxergar.

Assim mesmo, ainda que o czar de todas as Rússias não seja leitor habitual deste blogue (se bem que… não se sabe nunca), recomendo a ele pensar bem antes de embarcar em seu iate voador em direção a estas terras quentes de praias nuas.

Diferentemente do país dele, no nosso, o Poder Judiciário funciona separado do Executivo. Se há conluios nos bastidores, puede que si, puede que no, mas é melhor não contar com isso. Um improvável juiz de São Julinho da Ribanceira pode expedir mandado de prisão contra o visitante e provocar uma barafunda.

Fosse eu, não embarcaria. Por maior que seja o escândalo de prender um presidente, a palavra dada por nosso país ao assinar o tratado vale mais e tem de ser honrada. Não venha não, Mr. Putin. Se vier, é mais que provável que o senhor seja despachado direto para a Haia e… quem é que vai ocupar a “suite privée” na viagem de volta da aeronave para Moscou?

Se benzer

José Horta Manzano

A sabedoria popular ensina que ‘cão que ladra não morde’. Com variantes regionais, esse ditado ecoa em todas a línguas. ‘Os cães ladram e a caravana passa’ é uma variante.

Isso dito, tenho observado a atitude de Donald Trump com relação ao Irã. Já faz dias que ele ameaça sem morder. Abandonou a reunião do G7 antes do fim, dizendo que tinha decisão iminente a tomar. A “decisão” não passou de um ultimátum lançado ao Irã ordenando que se rendessem imediatamente e sem condições. Em resposta, os aiatolás deram-lhe uma banana.

Trump voltou a ameaçar lembrando que está cogitando destruir o sítio onde os iranianos enriquecem urânio. Acontece que essas instalações estão enterradas longe do alcance de bombas tradicionais. Trump, por enquanto, continua ladrando sem morder. Por que será?

Há quem diga que está aplicando nos iranianos a estratégia do pavor. Procura atormentar os habitantes com a iminência dos ataques, lembrados diariamente. Pode ser, mas não é o que me parece. A meu ver, o que está emperrando um ataque fulminante é outra coisa.

O Irã é supermontanhoso. Sua orografia acidentada, que percorre praticamente o território inteiro, conta com elevações que ultrapassam 4.000 metros. Ao construir suas instalações subterrâneas, os iranianos sabiam que os EUA possuem esse tipo de bomba perfurante, que pode atravessar 60m de terra, rocha ou até concreto antes de explodir.

Assim sendo, com tanta montanha à disposição, não me parece que tenham optado por cavar uma cova rasa para colocar as centrífugas. É mais simples abrir um túnel no flanco de uma montanha bem alta e, lá no fundo, alargar a galeria e instalar a maquinaria. Dado que a bomba perfurante fura na vertical (e não na horizontal), as instalações estão protegidas pela própria montanha. Quero crer que tenham escolhido esta última solução.

Isso explicaria a longa hesitação de Trump em lançar um ataque. Sacou, tem de atirar – olhaí outra expressão conhecida. Se a tal bomba perfurante for lançada sem sucesso, isto é, se não destruir completamente o sítio nuclear, como é que fica? Trump não pode dar de ombros, virar as costas e tirar o pé fora. Terá de dar continuidade ao ataque. Terá de se meter numa guerra, sem esperança de vencê-la rapidamente.

Entre as promessas de campanha, Trump garantiu que, como adepto da paz, não envolveria mais os EUA em guerras. Uma nova guerra no Oriente Médio desmoralizaria o personagem. Ele perderia o apoio de muitos de seus fãs. Portanto, ele só interviria no Irã se tivesse certeza de vencer em poucos dias e, sobretudo, sem que nenhum soldado americano tenha de pisar o solo persa.

Outro fator pode ajudar a explicar a hesitação trumpiana. Faz muito tempo que o Irã deixou de permitir a entrada de inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica. Ninguém é capaz de dizer com exatidão a quantas anda, neste momento, o enriquecimento de urânio. Na última inspeção estava a 60%, mas como estará agora? Sabe-se que, para o fabrico da bomba, o urânio tem de estar enriquecido a 90%.

Assim sendo, supondo que o urânio enriquecido esteja próximo do teor necessário para explosão atômica, quais seriam as consequências de uma bomba perfurante explodindo no recinto em que o urânio enriquecido está estocado? Fica por isso mesmo? Quem garante que a poeira contaminada não vai escapar e se espalhar pela atmosfera? Tendo em mente que o Irã tem uma população de 90 milhões, quem vai assumir a responsabilidade de ter contaminado, pelo ar e pela água, toda uma nação?

Aí estão, a meu ver, as razões da demora de Trump. Em conclusão:

    • Se simplesmente abandonar, ele será visto como pusilânime.
    • Se atirar a bomba perfurante e não conseguir atingir o alvo, será ridicularizado, ele e seu exército.
    • Se lançar a bomba e contaminar milhões, será considerado um genocida de galocha.
    • Se entrar em guerra tradicional, com desembarque de tropas e de tanques, estará abrindo conflito para uma década, com milhares de americanos mortos, sem garantia de vitória.

É um drama em que todas as saídas são ruins. A sinuca é de bico. De bico entortado, com penas pretas por cima. Trump precisa se benzer.

O reclamão

José Horta Manzano

Sabe aquele parente mais pobrezinho, que você convida para um jantar de família na esperança de que ele aprecie e se sinta feliz? Pois é, suponhamos que ele aceite o convite e compareça, sorridente, bem vestido, distribuindo sorrisos tranquilizadores. De repente, quando menos se espera – e sem motivo aparente – o visitante muda bruscamente de atitude. Passa a botar reparo nos móveis, reclamar da comida, se lamentar de só ser chamado raramente em vez de ser convidado fixo. Quando você já está de olhos arregalados de ver tanta petulância e tanta malcriação, a visita vem com mais. Faz beicinho, estufa o peito e se vangloria de que as reuniões do ramo pobre da família se tornaram mais importantes do que os almoços do ramo rico como aquele, por exemplo. Deboche total.

Parece piada de mau gosto, não parece? Pois é assim que nosso presidente Lula costuma se comportar quando é convidado a provar dos comes e bebes no clube dos ricos, o G7. Suas reclamações são um misto de despeito e de amargura. Despeito pelo fato de o Brasil ainda não ser membro titular do clube; amargura por ver chegando o fim de sua jornada política sem vislumbrar a menor possibilidade de nosso país sair do banco e entrar para o time principal.

O site de notícias Poder 360 fez um levantamento das viagens de Lula ao G7 (que já se chamou G8, no tempo em que incluía a Rússia). As primeiras idas foram à França em 2003 e à Grã-Bretanha em 2005. Ainda recatado, Lula comportou-se como visita educada, limitando-se a propor a criação de um fundo de combate à fome. Foi a partir do terceiro convite, em 2006, que Lula começou a botar as manguinhas de fora, como se dizia antigamente. E a partir daí, não parou mais.

Já reclamou da não inclusão do Brasil nas discussões sérias; já afirmou, na cara de pau, que o grupo perdeu importância para o G20; já pediu reforma do Conselho de Segurança da ONU; já se imiscuiu na guerra decorrente da invasão da Ucrânia pelo exército russo. Desta vez, nosso presidente lançou seus gracejos adolescentes antes do início da conversa séria: disse que estava indo ao G7 deste ano “antes que os EUA anexem o Canadá”. No momento em que escrevo, está em pleno voo Brasília – Calgary. O G7 desenrola-se no Canadá.

Não sei o que faria vosmicê se pertencesse ao ramo rico da família e estivesse organizando a reunião. Convidaria o Lula? Eu hesitaria muito em mandar-lhe o convite. Visita que chega com quatro pedras no bolso para atirá-las na hora do almoço é problemática.

O próprio Lula, por que razão continua aceitando o convite se suas falas se perdem no ar e ninguém lhe dá ouvidos? Vê-se que está sendo convidado por algum outro motivo, não pelo conteúdo de suas falas, que não parecem interessar a plateia.

Outra pergunta é: Por que é que continuam chamando nosso presidente para esses convescotes de ricaços? Talvez seja apenas para animar a festa. Ou quem sabe é para mostrar ao mundo uma abertura de espírito de fachada.

Está aberta a temporada de conjecturas sobre a razão dos repetidos convites feitos ao Lula. Quem tiver mais alguma ideia, mande uma cartinha para a Redação. Obrigado.

Zambelli e os Bolsonaros: sempre juntos

Alfândega italiana

José Horta Manzano

Parlamentares da oposição italiana estão furiosos. Acusam o governo de Giorgia Meloni — ela mesma de extrema direita — de hipocrisia ao permitir a entrada de Carla Zambelli no país. A ex-deputada brasileira, foragida da Justiça, chegou recentemente à Itália via Estados Unidos. A revolta do grupo de oposição ecoou no Parlamento.

O deputado Angelo Bonelli, do Partido Verde Esquerda, numa interpelação ao Ministério do Interior, exigiu explicações sobre pontos obscuros referentes à chegada de Zambelli ao aeroporto de Roma. Segundo ele, sua vinda à Itália era amplamente conhecida — inclusive anunciada por ela mesma dias antes. Ela parecia acreditar que, como cidadã italiana, estivesse protegida de extradição, o que tornaria o país um porto seguro. Bonelli questiona: como é possível que a Justiça italiana não tenha se antecipado? Ainda que a ordem de prisão da Interpol não tivesse sido recebida, o mínimo seria monitorar discretamente seus passos.

“O que não pode acontecer é a Itália virar refúgio de criminosos”, disse Bonelli. “Com ou sem cidadania italiana, um fugitivo é um fugitivo.” Ele também levantou a suspeita de que Zambelli esteja sendo protegida por ordem do alto escalão do governo italiano — que, segundo ele, sabe muito bem onde ela está, mas guarda o segredo.

No mesmo discurso, Bonelli trouxe outro nome à tona: Jair Bolsonaro. Perguntou se o ex-presidente brasileiro também é cidadão italiano. A resposta do Ministério foi evasiva: até o momento, Bolsonaro não solicitou o reconhecimento de sua cidadania. Seus filhos, no entanto, sim — e já foram oficialmente reconhecidos como cidadãos italianos. Flávio, Eduardo e Carlos estão devidamente documentados.


É curioso como, apesar das rusgas, Zambelli e os Bolsonarinhos insistem em subir juntos aos palcos – no presente caso, no Parlamento Italiano…


Mas a informação mais intrigante veio da subsecretária do ministério, que afirmou com naturalidade que os filhos de Bolsonaro têm cidadania italiana, mas não o pai. Como assim? De onde, então, herdaram essa nacionalidade? Se não veio do pai, de onde terá vindo? Acharam na rua?

Pela lei do sangue (ius sanguinis), a cidadania italiana é transmitida por ascendência. Para que os filhos a obtenham, é necessário comprovar a linhagem desde o último antepassado nascido na Itália até o requerente. Isso passa obrigatoriamente pelo pai. Portanto, ele está necessariamente inscrito nos devidos registros italianos. Assim sendo, Jair pode solicitar o passaporte a qualquer hora.

Quem sabe, como italiano de papel passado, Bolsonaro não acaba se juntando a Zambelli para trilharem juntos as espinhosas veredas da fuga e do exílio…

Uma só estratégia: safar-se

José Horta Manzano

Tenho observado de longe a audição, no STF, dos envolvidos nos anos de inconfidência que desembocaram e se revelaram às claras no 8 de janeiro. Alguns momentos são hilários, outros são afligentes, muitos são enervantes, mas um comportamento é comum a todos os depoentes: nenhum deles confessou os crimes de que é acusado.

Falta-lhes aquilo que, mesmo nos momentos mais duros da vida, engrandece o ser humano: a coragem de assumir os próprios atos. Todos se defendem, negam, minimizam, se esgueiram, até ensaiam um magro pedido de desculpa – mas nenhum, até agora, teve a hombridade de declarar: “Sim, senhor ministro, fui eu, reconheço. Hoje estou triste e amargurado por ter feito isso, mas já não há o que fazer. O que está feito, está feito.”

Sorte têm esses réus, todos eles arautos da linha dura de um AI-5 e de um regime militar dos bons. Sorte têm eles de não estarmos mergulhados nas trevas de um regime de exceção. Se estivéssemos na vigência do “pranteado” AI-5, todos eles já chegariam ao STF com a confissão na ponta da língua, contada e repetida pra quem quisesse ouvir. Em matéria de reconhecer crimes, o cidadão que passou pelos porões, paus-de-arara e fios desencapados, aprende rápido que convém confessar logo.

É curioso observar que, no Brasil, se alguma rara confissão de crime ocorre, é geralmente no andar de baixo, com réu preto, pobre, pé de chinelo. Já no andar de cima, é fato pra lá de raro. Assessorado por poderosos (e caros) advogados, o figurão, via de regra, se apresenta como anjo que acaba de escorregar de uma nuvem e que não entende bem o que está fazendo no recinto.

E assim seguimos: entre os que pagam por tudo, até pelo que não fizeram, e os que não pagam por nada — nem pelo que fizeram diante de câmeras e testemunhas. Vamos ver no que dá esse circo montado no STF, com seu espetáculo em capítulos.

Assimetria que já não surpreende

José Horta Manzano

Em meio à avalanche diária de informações, certos fatos passam despercebidos não por serem irrelevantes, mas por nos parecerem normais. A naturalização da anormalidade é um fenômeno perigoso, especialmente quando ela envolve a guerra. Um exemplo disso pode ser encontrado no recorte de jornal estampado logo aqui acima:


“Putin faz maior ataque aéreo e acelera nova ofensiva; Kiev alveja base.”


À primeira vista, parece apenas mais uma atualização sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia. Mas, num olhar mais atento, salta aos olhos uma assimetria sutil — e reveladora.

A frase começa com a menção direta ao nome de um líder: “Putin faz maior ataque aéreo”. Não se trata da Rússia, do Exército Russo ou de uma decisão coletiva. É Putin, em pessoa. A manchete atribui a ele, com todas as letras, a responsabilidade direta por uma ação militar de grande escala. Já no segundo trecho, “Kiev alveja base”, a linguagem muda. A capital ucraniana é mencionada de forma impessoal, quase geográfica. O nome de Zelenski, presidente da Ucrânia, sequer aparece.

Por que isso acontece? A resposta talvez seja mais simples — e mais incômoda — do que parece. O mundo já naturalizou a figura de Vladimir Putin como uma espécie de senhor absoluto da guerra, alguém que age conforme a própria vontade, sem freios internos ou externos. A guerra na Ucrânia, nesse imaginário coletivo, não é entre dois Estados, tampouco entre dois projetos políticos. É uma guerra iniciada e sustentada pela vontade de um único homem. E essa percepção está embutida até mesmo nas estruturas linguísticas mais banais, como a escolha de palavras em uma manchete de jornal.

Essa assimetria não é apenas jornalística — ela é política, simbólica e moral. Ao personalizar os ataques russos em Putin, a narrativa constrói uma figura de vilão clássico, quase caricatural. E ao impessoalizar os ataques ucranianos, retira de Zelenski a responsabilidade ativa no conflito, ainda que defensiva. Assim, Putin aparece como o agente solitário da destruição, enquanto Kiev (ou a Ucrânia) surge como vítima reativa, um ente quase sem rosto, que tenta apenas sobreviver.

Não se trata aqui de questionar quem é o agressor e quem é a vítima — para observadores de boa fé, a distinção é clara e óbvia. Trata-se, sim, de observar como, mesmo em detalhes aparentemente neutros, a linguagem revela o quanto já aceitamos certas premissas. A guerra, afinal, não deveria depender da vontade de um homem só.

Sob o risco de ressuscitar os tempos sombrios de Hitler e Stalin, o fato de essa banalização soar hoje natural deveria, no mínimo, nos preocupar.

Patriotas de araque

José Horta Manzano

A fuga da “patriota” Carla Zambelli engrossa o volume de bolsonaristas refugiados no exterior. Já são várias dezenas que escaparam para Argentina, Estados Unidos, Paraguai, Espanha. Um dos bolsonarinhos – até ele! – se “autoexilou” nos EUA.

Vai ficando cada dia mais claro que os membros desse clube são eloquentes no papo, fazem e acontecem da boca pra fora, mas, na hora do vamos ver, abandonam família e companheiros, e “dão no pira”, como se dizia antigamente. Gente fina é outra coisa.

A senhora Zambelli foi julgada e condenada pelo STF a 10 anos de prisão por ter invadido a central informática do Conselho Nacional de Justiça, crime gravíssimo. Quando viu que a coisa estava apertando e já dava pra entrever as grades da prisão, armou um plano caseiro de fuga. Falante como só ela, não conseguiu aguentar até chegar ao que considera seu porto seguro – deu com a língua nos dentes antes.

Deu entrevista por internet contando que estava nos EUA, a caminho da Itália. Declarou:


“Eles vão tentar me prender na Itália, mas eu não temo, por que sou cidadã italiana e lá eu sou intocável. […] Se eu tenho passaporte italiano, eles podem colocar a Interpol atrás de mim, mas não me tiram da Itália. Não há o que possam fazer para me extraditar de um país (de) que eu sou cidadã.”


Lembrei de quando a Operação Lava a Jato estava chegando aos finalmentes, muitos anos atrás. Um após o outro, os cabeças iam tomando o rumo da Papuda. Não tenho nenhuma simpatia por corruptos, mas devo dizer que, no geral, tiveram atitude mais digna que os “patriotas” bolsonaristas fugidos na hora H. Dinheiro, até que tinham suficiente. Mas se entregaram. Que eu me lembre, todos entraram no camburão, menos um.

Foi senhor Henrique Pizzolato, diretor do Banco do Brasil e condenado a quase 13 anos de cadeia por corrupção, peculato e lavagem de dinheiro. Ele se achou mais esperto que os outros. Numa história de filme americano, fez-se passar por um irmão já falecido, usou o passaporte do morto, fugiu para a Argentina e de lá para a Itália. Pizzolato também tinha dupla cidadania, italiana e brasileira, mesmo caso de Zambelli. Como ela, imaginou-se “intocável”. Alegre engano…

Assim que a Justiça brasileira tomou conhecimento do paradeiro de Pizzolato, acionou a polícia italiana e solicitou extradição. O extraditando choramingou, esperneou, bateu o pé, mas não teve jeito. Um belo dia, foi despachado direto de Roma para Brasília, em jatinho da polícia italiana, escoltado e vigiado por policiais. Ao descer, seguiu direto para a Papuda, onde iniciou o cumprimento de sua pena.

Como é possível que tenha sido extraditado? Acontece que a Constituição italiana, diferentemente da nossa, não proíbe a extradição de um nacional. Em raros casos, ela pode ocorrer. Quando um país estrangeiro pede a extradição de um italiano, o caso será estudado pelas cortes daquele país. Se acreditarem que o cidadão teve julgamento justo e se os crimes também forem reconhecidos como tais pelas leis italianas, a extradição pode perfeitamente ser concedida.

Portanto, dona Carla que se cuide. É bom não gargarejar por aí sua pretensa “intocabilidade”. Sua carapaça pode não ser tão resistente como ela imagina. Um dia, vai acabar descobrindo que é de lata barata, e olhe lá, borocochô.

Romaria

José Horta Manzano

No último 21 de maio, o senhor Eduardo Girão, senador pelo estado do Ceará, dirigiu requerimento à Comissão de Constituição e Justiça do Senado pedindo a criação de uma “diligência” para visitar mulheres brasileiras que atualmente se encontram presas em El Paso (Estados Unidos). (Associar a ideia de “diligência” à região de El Paso traz à memória aventuras do Velho Oeste.) Mas isso é pura digressão. Voltemos ao assunto.

A nobre motivação do senador seria daquelas que a gente tira rápido o lencinho e chora junto, não fossem alguns detalhes que turvam suas aparentes boas intenções. Vejamos.

No requerimento, o senador comete uma malandragem capaz de enganar um incauto. Primeiro, chama as mulheres que deseja visitar de “presas políticas”, uma evidente falsidade. Logo em seguida, sem transição, diz que estão “presas em El Paso no Texas”. E diz ser importante “averiguar as condições carcerárias e possíveis violações de Direitos Humanos”.

Parece que a intenção é justamente essa: a de levar um leitor desavisado a crer que estejam presas no Texas por maquiavélica interferência da justiça brasileira quando, na verdade, estão na cadeia por terem entrado em território americano fraudulentamente.

Em nenhum ponto do requerimento, é mencionada a situação de as brasileiras serem imigrantes clandestinas, apanhadas em flagrante pela polícia americana e presas preventivamente à espera de deportação. Primeiro, elas violaram a lei brasileira ao quebrar as tornozeleiras e fugir do país; em seguida, violaram a lei americana ao tentar penetrar sem autorização no território daquele país. Nosso senador omite espertamente a violação da lei americana.

Mais adiante, o requerimento refaz o cenário de um processo que j’a se encerrou. Volta a explicar que, no 8 de janeiro, essas senhoras só entraram nos prédios da Praça dos Três Poderes “para se proteger das bombas que eram ateadas (sic) por helicópteros”. Fica, portanto, esclarecido que só estavam lá a passeio, nada mais. Um domingo no parque, em suma.

A “diligência” requerida pelo senador deve traduzir-se por uma comitiva mais ou menos numerosa de parlamentares – quiçá assessorados pelas digníssimas esposas – que passarão um certo tempo nos EUA. A romaria será custeada com nosso dinheiro, naturalmente. Não há risco de esses romeiros serem encarcerados como clandestinos, dado que não entrarão a pé por El Paso, mas por Nova York ou talvez Miami. Fica a dúvida sobre se consultarão previamente as autoridades prisionais do Texas para saber se há possibilidade de visitar as brasileiras presas. Quem sabe esse detalhe não tem importância para a comitiva.

Cá entre nós, há outros brasileiros encarcerados nos Estados Unidos. Há desde criminosos pesados que cumprem prisão perpétua até infelizes pilhados atravessando o Rio Grande de sapato na mão e trouxa na cabeça. Com certeza há dezenas deles nas prisões de El Paso. Será que esses coitados não vão ter a honra de receber um alozinho dos figurões? Pela lei americana, são tão clandestinos quanto as senhoras que passeavam na praça no 8 de janeiro e hoje curtem uma temporada na prisão de El Paso. Estão todos na cadeia por terem violado as leis americanas de imigração.

A autorização de Damares Alves, presidente da CCJ, ainda não veio. Mas nâo há de tardar.