Viagem à Rússia

José Horta Manzano

Doutor Temer está de viagem para longe. Vai visitar a Noruega e a Rússia, países vizinhos, ambos a dois passos do Polo Norte. O que é que há de comum entre eles? Bem, tirando a fronteira de pouco mais de 200km, a característica mais saliente é que são ambos grandes produtores de petróleo. O objetivo oficial da visita presidencial resume-se a vagas ‘tratativas comerciais’. O detalhe não foi explicado tim-tim por tim-tim.

Não dá pra acreditar que o presidente de um país cuja maior empresa petroleira tem sido tão maltratada vá dar lições de administração àqueles brancos de olhos azuis. A empresa Gazprom, gigante do petróleo russo, vai bem apesar da corrupção que, dizem, é imensa. Os russos devem ser mais competentes em matéria de rapina. Tiram o leite sem matar a vaca.

Há outro motivo que está atraindo muitos visitantes à Rússia estes dias. Está-se desenrolando lá a Copa das Confederações, aquela que se disputa um ano antes da Copa do Mundo. O Brasil não participa, dado que o representante da América do Sul é o Chile. Isso explica o desinteresse da mídia nacional pelo evento. Será nosso presidente fervoroso amante do futebol? Será que sua paixão pela bola rolando o levaria a deixar o conforto de Brasília pela poltrona de um estádio? Difícil acreditar.

Dança cossaca

Doutor Temer saiu ameaçando processar aquele atrevido que o denunciou, o moço de nome simplório e sobrenome pio. «Me segura, que eu bato!» ‒ parecia dizer, à espera da turma do deixa disso. Como é curioso… Faz mais de um mês que veio a público a ousada gravação feita na calada. O Brasil inteiro ficou sabendo. Naquele momento, a resposta presidencial não passou de um desmentido. Foi veemente e vigoroso, mas não passou disso.

Todo cidadão que se considera injuriado, difamado ou caluniado costuma tomar providências jurídicas imediatas. Doutor Temer não tomou nenhuma. Passado um mês, sai para um passeio escandinavo-siberiano de uma semana deixando no ar a ameaça: «Ainda vou processar aquele indivíduo!»

Por que não o fez até hoje? Há de ser porque Temer teme. Num processo dessa natureza, certos podres não revelados antes perigam vir à tona. Melhor não abrir processo antes de combinar com os russos. Talvez seja justamente essa a razão da viagem a Moscou: combinar com os russos.

Acabou a copinha

José Horta Manzano

Pois é, a seleção brasileira de futebol levantou a copinha! Foi um triunfo saboroso justamente porque não era esperado. Até o mês passado, nosso País estava em 22° lugar na classificação da Fifa. Até a Suíça estava (bem) à frente.

Ok, vocês me dirão que não se pode botar muita fé no que vem da Fifa. Uma instituição que lida com rios de dinheiro torna-se, paradoxalmente, vulnerável. É, por conseguinte, susceptível a sucumbir a certas distorções.

Seja como for, todos convirão que ninguém esperava que o Brasil chegasse à final. Muito menos que vencesse o jogo. Um jornalista chegou a escrever que a seleção nacional era o azarão da copinha. Daí a (grata) surpresa com o resultado final, incontestável.

Copa das Confederações

Copa das Confederações

O povo compareceu em massa, num Maracanã festivo e tingido de amarelo. Ninguém estranhou muito a ausência de dona Dilma na cerimônia de encerramento do torneio. A vaia monumental não era uma probabilidade, mas uma certeza absoluta. Acho que ela fez bem em não ir ― dos males, o menor.

Já uma coisa me intrigou: a ausência de nosso messias, homem sabidamente chegado às coisas do futebol. Logo ele, que trabalhou tanto pela conquista do direito de sediar a copinha e a copona. Logo ele, homem notoriamente venerado e aclamado pelo povo entusiasta. Logo ele, sempre preocupado em preservar a esplêndida herança que deixou ao País. Logo ele, arroz de festa de todos os momentos de glória nacional. Logo ele, que, sólido e altruísta, jamais abandonou nenhum companheiro nem pulou do barco nas horas difíceis.

Dizem que estava na África. O compromisso na Etiópia ― país que constitui, como sabemos todos, pedra angular na pauta de relações exteriores do Brasil ― era, de certeza, mais importante do que trivialidades futebolisticas.

Sejam louvados o desapego e a abnegação de nosso intrépido e visionário estadista. Muitos anos se passarão antes que apareça no Brasil um outro com as mesmas qualidades.

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Hino
Hoje é dia de ouvir o Hino Nacional. E de pé, faz favor! Se você mora no Brasil ― e é madrugador ― procure sintonizar a Rádio Cultura FM de São Paulo. Para hoje, não dá mais. Mas diariamente, pouco antes das 6h da manhã, vai ao ar uma excelente versão do hino, com banda e coro. Para quem aprecia, é um deleite.

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Desrespeito
Por imposição da Fifa ― sempre ela! ―, a execução dos hinos nacionais não pode exceder um minuto e meio. Para a maioria deles, não há problema. São curtos e cabem perfeitamente no tempo fixado. É o caso da Alemanha, dos EUA, da França, da Itália, do Reino Unido.

Nosso belo cântico oficial, saído direto de um teatro de ópera de Rossini, como já li em algum lugar, não se ajusta ao figurino estabelecido. Um pouco mais longo, vai além de dois minutos. A Fifa não hesitou: amputou-lhe um naco.

Em pelo menos duas ocasiões durante essa copinha, a multidão presente no estádio passou por cima da injunção dos cartolas. Continuou cantando o hino a cappella até o fim da primeira parte. Fato nunca visto antes, foi ressaltado até pelo comentarista da televisão suíça.

Que se aceitem certas exigências da federação internacional de futebol, é inevitável. Mas não se pode admitir que o hino ― um dos símbolos da nação, segundo nossa Constituição ― seja executado pela metade e em andamento mais rápido que a norma. E há mais: que isso ocorra em território nacional com a complacência das autoridades e na presença de pelo menos um ministro da República. Por ironia, justamente aquele que apresentou, faz anos, um projeto de lei ultranacionalista visando a blindar a língua falada no Brasil contra influências estrangeiras.

Como o mundo dá voltas!

 

Miscelânea 05

O chapéu e o oceano
Dia 23 de fevereiro, dona Dilma esteve de visita a seu colega Goodluck Jonathan, presidente da Nigéria. O site do Itamaraty traz na íntegra o discurso pronunciado pela presidenta(sic) na ocasião.

É uma fala de circunstância, daquelas em que se jogam flores e se repetem amenidades. O texto, preparado sob orientação dos formuladores de nossa portentosa política exterior, continua a martelar a tecla da cooperação Sul-Sul, a ideia fixa que tem afunilado nossa visão de mundo.

Antigamente, ao cumprimentar uma senhora, o homem erguia seu chapéu. Já não se fazem chapéus como antigamente.

Dilma & Jonathan — Antigamente, ao cumprimentar uma senhora, o homem erguia seu chapéu.
Claro está que já não se fazem chapéus como antigamente…

Agora, o detalhe picante. No finalzinho do discurso, dona Dilma diz textualmente: «Tenho certeza que o presidente Goodluck Jonathan e eu assistiremos juntos à final Brasil e Nigéria no Maracanã».

O destino é irônico, por vezes cruel. Certezas presidenciais nem sempre são inabaláveis. O fato é que a Nigéria foi mandada de volta para casa de forma temporã. E nossa visionária presidente acaba de fazer saber que, para fugir de uma monumental e inevitável vaia, não estará presente no Maracanã para a final da copinha.

Tra il dire e il fare, c’è di mezzo il mare ― dizem os italianos. Entre o dizer e o fazer, tem um oceano no meio. E o barco de dona Dilma naufragou.

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Enrolado
No tempo em que os mandachuvas acreditavam que estava tudo dominado, um fugitivo da Justiça italiana foi acolhido no Brasil. No exterior, pegou muito, mas muito mal. Reforçou a imagem de república de bananas que costumamos projetar.

De duas semanas para cá, o coreto balançou. Os medalhões mais perspicazes ― se os há ― já se deram conta de que o efeito da anestesia passou. O povo acordou. Para os do andar de cima, acostumados a mandar e desmandar, ficou problemático impor seus caprichos. Em palavras mais chãs: acabou a moleza.

Não ficou claro se foi por coincidência, o fato é que o assunto Battisti voltou à baila estes dias. O estrangeiro era fugitivo da Justiça italiana, sentenciado por participação em quatro assassinatos. Fazendo valer o acordo bilateral de extradição, a Itália solicitou que o evadido fosse despachado de volta a seu país.

Nossas autoridades, atrapalhadas e confusas como de costume, disseram sim, disseram não, enrolaram quanto lhes foi possível. O galo foi sendo cozinhado em água fria durante anos até que a decisão final caiu no colo do presidente da República. Este, no apagar das luzes do mandato, deu a palavra final: o condenado fica em Pindorama, livre e desimpedido.

Battisti, o fugitivo mais procurado da Itália

Battisti, o fugitivo mais procurado da Itália

Estes dias, o assunto ressurgiu. O presidente já não é o mesmo, o ministro da Justiça já foi substituído, a composição do STF variou. E, principalmente, a paciência da população está-se esgotando. Descobriu-se ― ó surpresa! ― que o fato de o estrangeiro ter penetrado o território nacional fraudulentamente é fator capaz de levar à revocação de seu estatuto de refugiado «político».

Como é que ninguém havia pensado nisso antes? É excelente a oportunidade de finalmente enviar ao mundo um sinal positivo. Os tempos de Ronald Biggs passaram. Vamos mostrar que nosso País não se resume a um valhacouto de foragidos.

No llores por mi

José Horta Manzano

Não é de hoje que a história dos dois vizinhos ibéricos, Portugal e Espanha, se entrelaça. Condenados a uma proximidade física incontornável, os dois países já viveram momentos de tensão, de briga, de reconciliação. Houve até um longo período de unificação, que os espanhóis conhecem como «união fraterna» ou «união dinástica», enquanto os portugueses o chamam «domínio espanhol» quando não «abominável dominação castelhana».

Críquete

Críquete

Na época das grandes navegações, a partir de 1450, a concorrência entre os dois reinos se acirrou. No entanto, o sentimento de nacionalidade, tal como o conhecemos hoje, ainda não estava ancorado nos espíritos. Decisões pessoais e procedimentos individuais que atualmente poderiam se assemelhar a uma traição à pátria eram encarados com naturalidade.

Sem o menor sentimento de culpa, navegadores espanhóis punham-se ao serviço do rei de Portugal, assim como portugueses serviam à Casa Real espanhola. O ultraconhecido Fernão de Magalhães, o primeiro a comandar uma expedição que deu ― reconhecidamente ― uma volta completa ao planeta, era português. Mas navegou a serviço da coroa espanhola.

Quase um século depois de Magalhães, um outro português, nascido em Évora em 1565, também se pôs a explorar novas terras a serviço do rei da Espanha. Chamava-se Pedro Fernandes de Queirós, nome que às vezes aparece castelhanizado em Fernández de Quirós.

Naquela época já se intuía que devesse existir um grande continente austral. As nações mais bem equipadas para fazê-lo lançavam periodicamente expedições em busca de novas descobertas.

Alguns historiógrafos já tentaram demonstrar que Fernandes de Queirós foi o primeiro europeu a avistar as costas australianas, décadas antes de Tasman e de Cook. Os documentos que nos chegaram, no entanto, não trazem a prova incontestável de tal primazia.

Muitos acreditam também que o navegante português tenha sido o primeiro europeu a chegar à ilha de Tahiti, em 1606. Se a grande ilha onde desembarcou a expedição era realmente Tahiti, é difícil afirmar. Nenhuma prova sobreviveu. A descoberta oficial da ilha é atribuída a uma expedição britânica que lá acostou 150 anos mais tarde.

Tahiti

Tahiti

Depois de seu achamento, a ilha foi objeto de disputa entre ingleses e franceses, uma história longa e acidentada. Em 1877, o último rei autóctone abdicou do trono em favor da França. Desde então, Tahiti perdeu sua soberania e tornou-se colônia francesa.

O termo colônia, em desuso há mais de 50 anos, é hoje politicamente inaceitável, quase ofensivo. As antigas dependências francesas hoje são conhecidas como departamentos ou territórios ultramarinos.

Tahiti faz parte da Polinésia Francesa, coletividade subordinada a Paris. A língua oficial da ilha é o francês, mas o falar originário guardou sua vivacidade. A maioria da população é bilíngue. Na política, persiste uma forte corrente a favor da independência do território.

Les Nouvelles de Tahiti 24 junho 2013

Les Nouvelles de Tahiti
24 junho 2013

Tahiti não é terra de futebol. Fica até difícil entender por que a fraca seleção local foi chamada a participar de um torneio como a Copa das Confederações. Por mais que os jogadores sejam simpáticos, há uma discrepância gritante ― em matéria de excelência futebolística ― entre o nível tahitiano e o das demais equipes.

De qualquer maneira, a leitura dos jornais locais desta segunda-feira deixa claro que os resultados da Copa não fazem parte das preocupações principais do povo de lá. Nenhum dos dois principais quotidianos faz, na primeira página, menção alguma ao evento que nós outros julgamos planetário. Para você ver…

La Dépêche de Tahiti 24 junho 2013

La Dépêche de Tahiti
24 junho 2013

As derrotas acachapantes sofridas pela sorridente seleção polinésia abalaram mais os brasileiros que os tahitianos. É mais ou menos como se a seleção brasileira de críquete ou de beisebol fosse esmagada por adversários mais fortes. Poucas lágrimas correriam.

Insistir pra quê?

José Horta Manzano

Susana Werner, mulher do goleiro da seleção brasileira de futebol, foi vítima de assalto à mão armada, em Fortaleza. Ficou feliz por ter saído com vida.Interligne 07

Manifestantes tentaram invadir o Hotel Bahia, em Salvador, onde está hospedada a comitiva da Fifa. A Polícia Militar conseguiu segurar a turba que, enfurecida, depredou dois ônibus dedicados ao transporte dos cartolas.Interligne 07

A delegação espanhola teve dinheiro e objetos furtados de seus aposentos no hotel em que se hospedavam, no Recife. Que fique bem claro: não era a pensão de dona Mariazinha. Que fique mais claro ainda: os espanhóis são os atuais detentores do título de campeões do mundo ― portanto, o time mais visado e o que deveria, em teoria, ter sido mais bem protegido.Interligne 07

Um jogador uruguaio declarou, em entrevista coletiva, que o Brasil tem muito a melhorar para a Copa-14. Lúcido, disse que, caso os aborrecimentos de que sua delegação foi vítima, tivessem ocorrido com uma seleção europeia, o reclamo teria tido repercussão bem maior.Interligne 07

Os enviados especiais da Folha de São Paulo confirmam que, embora a Fifa não esperasse uma organização perfeita ― só faltava! ― a magnitude dos problemas está além do pior cenário imaginado. Os cartolas estão apavorados.

Antes da Copa das Confederações, os dirigentes da Fifa já se tinham conformado com muitos dos males brasileiros endêmicos. Corrupção, desorganização, promessas e prazos não cumpridos. Tudo isso já estava mais ou menos previsto e, bem ou mal, assimilado. No entanto, não contavam com o desencadeamento de um clamor popular impossível de reprimir. Sejamos sinceros, ninguém imaginava o que estava por acontecer.

Essa mistura explosiva de desorganização e violência está causando problemas pesados. A Fifa está-se vendo obrigada a negociar com as delegações estrangeiras a fim de convencê-las a não abandonar o País antes do final desta copinha.Interligne 07

Quando se faz uma besteira, o melhor caminho é ser honesto, reconhecer o erro e, parodiando mestre Vanzolini, dar a volta por cima. Na era em que o Lula mandou no País, asneiras grossas foram cometidas. Algumas são já irreparáveis, outras ainda não estão consumadas.

ChangeBrazil

ChangeBrazil

A questão da manutenção da Copa-14 no Brasil está sobre a mesa. Chegamos a um ponto em que as autoridades competentes deveriam parar para refletir. À vista do ensaio geral a que estamos assistindo estes dias, fica a pergunta: ainda vale a pena insistir em hospedar a próxima Copa? Não valeria mais a pena parar por aqui e deixar o abacaxi para quem se dispuser a descascá-lo?

Há países prontos para receber o evento: Alemanha, Reino Unido, Itália são alguns deles. Dispõem todos de infraestrutura adequada, vasta e bem azeitada rede hoteleira, transportes organizados.

Faz dez dias que o planeta inteiro descobre, boquiaberto, que o povo brasileiro não está tão feliz como o marketing político vinha martelando estes últimos anos. Todos conhecem agora a incompetência das autoridades brasileiras para organizar dignamente um evento de importância média, como essa copinha. A Copa de verdade é um desastre anunciado.

ChangeBrazil

ChangeBrazil

Que se desista agora, antes que seja tarde demais! Não há por que envergonhar-se: a indisciplina, a corrupção e a incompetência já caíram no domínio público planetário, não dá mais para esconder.

Resta estancar a sangria. E, quanto mais rápido, melhor.

Nove dias cruciais

José Horta Manzano

Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe. Estes últimos 10 anos, os brasileiros viveram anestesiados pelas artes de um excelente marketing governamental, que fez crer a (quase) todos que a situação do País era infinitamente melhor do que parecia.

Parede rachada Crédito: Can Stock

Parede rachada
Crédito: Can Stock

O truque funcionou. Nosso povo, um dos mais tolerantes do mundo, fechou um olho para afagos feitos por nossos mandachuvas a dirigentes sanguinários e intolerantes, a ditadores ferozes e inescrupulosos, a vizinhos malcriados e agressivos.

Alguns ― principalmente os que contam com convênio particular ― chegaram a acreditar que os serviços públicos de saúde tinham atingido padrões de países civilizados. Pois não foi o próprio presidente quem declarou isso?

São Judas Tadeu Padroeiro das causas perdidas

São Judas Tadeu
Padroeiro das causas perdidas

Por ignorância ou por ingenuidade, nossos dirigentes de primeiro escalão acreditaram que o Bric ― mera sigla inventada por um analista, no aconchego de um escritório carpetado e climatizado ― tinha significado real e palpável na vida do planeta. Imaginaram que fosse um «bloco» de países companheiros, todos empenhados em desbancar os EUA de seu pedestal. Um por todos, todos por um! Como quem tivesse decifrado o enigma da esfinge, difundiram essa ideia ilusória, imediatamente comprada como verdade insofismável por muita gente fina no País.

Muitos se encantaram com a perspectiva de nos tornarmos meros fornecedores de matéria-prima para a China. Não se deram conta de que isso nos fazia regredir 50 anos e abandonar parte significativa de uma industrialização conquistada com paciência e tenacidade.

De uns meses para cá, o edifício dá sinais evidentes de fadiga. Foi construído sobre alicerces frouxos. Rachaduras se tornam mais visíveis a cada dia. Assim como o baile da Ilha Fiscal não foi a causa da queda da monarquia brasileira, não há que identificar no aumento de preço das passagens de ônibus a causa da revolta do povo brasileiro. Foi apenas o estopim.

Às autoridades, resta acalmar os ânimos e, rapidamente, mostrar empenho em conduzir os brasileiros a bom porto. Marketing é bom, mas tem limites. Um dia, a verdade acaba aparecendo e a coisa pode ficar preta para os lados de quem mentiu. Não se consegue enganar o País inteiro o tempo todo.

Enquanto preparam um plano de emergência para repor o Brasil nos trilhos, as autoridades maiores devem levantar os braços ao céu e pedir, com muita força, que o Brasil vença a Copa das Confederações. A vitória não transformará o País, mas aplacará os ânimos dos manifestantes e dará aos governantes algumas semanas de trégua.

Recomendo, portanto que todos os cortesãos se recolham ― por que não diretamente no Palácio do Planalto? ― para lá recitarem juntos uma novena a São Judas Tadeu, padroeiro das causas perdidas. Eventualmente, Santa Rita também costuma aceitar esse tipo de reclamo.

Como sabem todos, uma novena dura nove dias. Portanto, ainda dá tempo de terminar antes do fim da Copa. Mas tem de começar já.

Depois, não vale dizer que não avisei.

Vaia planetária

José Horta Manzano

Dona Dilma foi vaiada. Os apupos irreverentes foram ouvidos por 60 mil pessoas in situ e por mais algumas centenas de milhões ao redor do globo. Talvez seja a primeira vaia planetária transmitida ao vivo.

Para a doutora, foi momento pra lá de constrangedor. Foi uma dessas horas em que a gente torce para que um buraco se abra à nossa frente e nos engula, tamanha é a vergonha.

Até algum tempo atrás, poucas pessoas eram testemunhas auriculares da História(*) presentes na hora agá. Apenas alguns milhares estavam naquela praça gelada de Bucarest em 1989 para assistir ao que seria o último discurso do gênio dos Cárpatos,o ditador Nicolae Ceaușescu.

Em geral, precisa assistir ao jornal televisivo da noite para ficar sabendo que este ou aquele figurão foi alvo de alguma hostilidade aqui ou ali. Ao vivo e planetariamente, dona Dilma pode considerar-se pioneira ― que lhe seja reconhecida essa gloriosa primazia!

Biruta e anemômetro

Biruta e anemômetro

Globalização é isso. Da ponta da Terra do Fogo até o Japão, passando por África, Oropa e Bahia, o mundo foi testemunha do apreço que os brasileiros sentem por sua presidente. Uma imagem vale mil palavras.

Além de inaugurar uma nova modalidade de apupo espontâneo e global, a pioneira senhora Rousseff estava muito bem acompanhada naquele momento de súbita fama. Nossa iluminada líder estava ladeada por dois mandachuvas pra lá de conhecidos. São ambos chefes de organizações em que corrupção e «malfeitos» ― notórios e corriqueiros ― são regra, não exceção.

Os ventos não sopram sempre do mesmo quadrante. Se assim fosse, anemômetros seriam suficientes para medir sua velocidade. Não haveria necessidade de birutas para indicar sua direção. O infeliz Conducător não se deu conta de que os ventos haviam mudado de direção, imprudência que lhe custou a vida.

Bem faria dona Dilma se, fazendo das tripas coração, se aplicasse em utilizar o tempo que lhe resta na presidência para servir mais ao povo que a elegeu e menos aos gaviões que a cercam. Afinal, seu salário e suas mordomias são custeados por todos nós, não pelos interesseiros que a rodeiam.

Oxalá os apuros em que se meteu dona Dilma no estádio de Brasília lhe possam servir para perceber que o eleitorado tem sofrido transformação radical desde que a informação passou a fluir com maior facilidade, uns 15 anos atrás.

Internet, telefone celular, redes sociais, toda essa parafernália que surgiu no final do século XX tem trazido modificações profundas na percepção que a sociedade tem daqueles que a governam. Hoje em dia, um brasileiro, ainda que não tenha feito estudos universitários, faz cada vez menos parte daquela massa de manobra com que contavam os chefes políticos de antigamente.

Dilma Rousseff vaiada 15 junho 2013

Dilma Rousseff vaiada
15 junho 2013

Ainda que o governo popular tenha substituído o antigo voto de cabresto pelo voto de cooptação, ainda que bolsas e quotas várias sejam a versão moderna do antigo paternalismo do sanduíche e da tubaína, ainda assim o mundo continua girando.

Aos trancos e barrancos, o brasileiro vai abrindo sua consciência. Quem alarga a conscência abre os olhos. Quem abre os olhos vê. Quem vê a maneira pela qual o País vem sendo conduzido estes últimos anos pode até não gostar. E que não gosta periga reclamar.

Dona Dilma deveria tomar cuidado. Caso seu governo continue a dar a imagem de estar correndo feito barata tonta, visivelmente sem rumo, mais preocupado em satisfazer caciques que em empunhar com firmeza as rédeas da nação, ela está arriscada a ouvir outras vaias. Nos estádios ou ― pior ― nas urnas.

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(*) Piscadela ao primeiro jornal televisivo, o pioneiro Repórter Esso, que se qualificava de «testemunha ocular da História».

In English, mermão!

José Horta Manzano

Quinta-feira passada, três dias antes da data marcada para a realização, no Maracanã, de um jogo de futebol amistoso entre o Brasil e a seleção da Inglaterra, uma decisão de justiça suspendeu o encontro. A liminar foi concedida pela magistratura em atendimento a pedido do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

Pelas imagens mostradas pela mídia, o local parecia realmente inapto a receber dezenas de milhares de visitantes entusiastas, vindos em penca, todos ao mesmo tempo. Aquilo estava mais para canteiro de obras.

Mas os interesses envolvidos eram maiores do que o resto. Certos argumentos são muito convincentes. A medida cautelar foi varrida. O jogo realizou-se. Felizmente, nenhuma notícia de acidente veio embaçar o brilho do evento. Nem sequer uma caxirola foi atirada em campo.

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Gato escaldado
Os defeitos do Maracanã causaram uma tremenda dor de cabeça para as autoridades, que tiveram de resolver de afogadilho, em menos de três dias, o que deveria ter sido feito anos antes, com muita calma.

A fim de não entrar na mesma saia justa por ocasião da Copa das Confederações, decidiu-se que sejam postas em prática desde já outras medidas visando à acolhida dos turistas. A sinalização municipal é agora bilíngue, sim, senhor! Regozijai-vos, visitantes estrangeiros!

Rio de Janeiro preparado para a Copa Crédito: irmaosbrain.com

Rio de Janeiro preparado para a Copa
Crédito: irmaosbrain.com

A imagem do Brasil

José Horta Manzano

A imagem do Brasil no exterior vai sofrer um baque estes próximos anos.

Os turistas e os jornalistas que visitarão o País por ocasião da Copa das Confederações, da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos não são extraterrestres nem super-homens. São gente como você e eu.

Serão milhares de pessoas a constatar in loco o descaso do povo e de suas autoridades, a feiura e a ineficiência de nossas instalações, as desigualdades sociais escancaradas pelos helicópteros particulares cruzando ares poluídos por sobre pedintes maltrapilhos. Verão centros comerciais onde a polícia impede a entrada de bandidos. Verão também favelas onde bandidos impedem a entrada da polícia.

São coisas às quais os brasileiros já não prestam atenção, acostumados que estão a vê-las todos os dias. Os turistas se assustarão. Os jornalistas redigirão suas reportagens com os olhos impregnados por imagens que, a eles, não hão de escapar.Ponte quebrada

Um edifício resistente tem de ter estruturas sólidas. Nossa modernidade é de aparência, não tem fundamento. A Instrução Pública, que começou a perder qualidade nos anos 70, chegou hoje a um estado de descalabro. Escolas ditas superiores continuam a conferir diplomas a semiletrados.

Políticos populistas e despreparados dirigem o circo. As medidas tomadas não visam necessariamente ao bem-estar público. Os mandachuvas valem-se continuadamente de molecagens, de artimanhas e de “geniais” jogadas de marketing com o objetivo de satisfazer sua vaidade e seus interesses pessoais. O povo? Ora, o povo…

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A Folha de São Paulo traz um informe que ilustra perfeitamente o desmazelo que, de tão habituados, já não enxergamos. Que não se nutram falsas esperanças. Nada disso passará despercebido a olhos estrangeiros.

A reportagem traz imagens da passarela que serve ao Aeroporto de Congonhas, um dos mais movimentados do País. É a ponte que, simbolicamente, liga a mais rica metrópole brasileira ao resto do Brasil e ao mundo. Serve de cartão de visita para quem chega à megalópole tropical. Vale a pena dar uma conferida. Aqui e aqui.

A série de fotos mostra o viaduto, já em estado de quase ruina em 2004. Nove anos depois, novas fotos provam que tudo pode piorar. Até o que já estava muito mal.

Resta-nos invocar São Cristóvão, o patrono dos viajantes, para que, ao desabar, a estrutura não atinja nenhum vivente.

Um passo à frente, dois atrás

José Horta Manzano

Governar é prever. Não é concebível que nossas autoridades maiores, da presidência da República até a Câmara Municipal do mais humilde lugarejo, não façam outra coisa senão tapar buracos.

Na ausência de planos visando ao longo prazo, nosso governo é errático. Em todos os níveis. Vivemos uma rotina de anúncios espalhafatosos. Em vez de uma linha diretiva com começo, meio e fim, temos um pac hoje, um pec amanhã, quem sabe um pic ou um poc na semana que vem. Anúncios, aplausos, colheita de votos. E mais nada.

Do muito dinheiro sugado dos que suam camisa, algumas migalhas são distribuídas aqui e ali aos mais desafortunados. O resto ― o grosso da colheita ― não volta à população sob forma de melhoria. Para que servirá? Onde vai parar essa dinheirama toda? Sabe Deus.

Uma parte, sabemos todos, vai servir para autolouvação dos mandachuvas: placas, comícios, propaganda dita institucional, remuneração de marqueteiros, anúncios chamativos. O distinto público não tem direito a ser informado sobre o destino do resto da bolada.

E pensar que todos, absolutamente todos contribuem para abarrotar o baú. Até aqueles que, por ignorância ou descaso, não se dão conta disso. Os próprios beneficiários de bolsas várias colaboram para retribuir, sob forma de impostos indiretos. Cooperam para o enchimento da arca central. Cada quilo de carne de sol, de feijão, de farinha traz impostos embutidos.

Enquanto anúncios de pacs, pecs e pics proliferam, a estrutura que sustenta o edifício vai sendo minada. Atordoados pela propaganda oficial, poucos brasileiros se dão conta da desorganização crescente do País e da deterioração de sua imagem.

Os de fora, que não estão embalados pelas doces e vazias promessas oficiais, veem com mais clareza. O Brasil, que dez anos atrás tinha até sido incluído na lista dos emergentes, está aos poucos submergindo, voltando às profundezas de onde não soube aflorar.

Autódromo de Interlagos

Autódromo de Interlagos

A cidade de São Paulo, vitrine maior da pujança nacional, vai deixar de ser palco de corridas de Fórmula I. A confirmar-se o que está sendo anunciado, nossa maior e mais rica metrópole será suprimida do calendário da prestigiosa competição a partir de 2014.

A megalópole que concentra fatia considerável da riqueza produzida no País não foi sequer capaz de construir um estádio de futebol ― de futebol! ― em tempo hábil para acolher a Copa das Confederações. Que vergonha!

Será que ainda tem jeito de consertar? Pelo andar da carruagem, nosso País vai continuar deitado em berço esplêndido. Eternamente.