A orelha e a pulga

José Horta Manzano

Petroleo 1Muita gente é afiliada ao CTC – Clube dos Teóricos do Complô. São pessoas que enxergam intenções ocultas em tudo o que acontece. Têm certeza, por exemplo, de que o homem jamais pousou na Lua. As imagens que estamos cansados de ver não passariam de cenas filmadas em estúdio.

Muitos há que entreveem, nos ataques que derrubaram prédios em Nova York, o dedo de autoridades americanas. Estaria o governo daquele país fabricando pretexto para invadir o Iraque.

Há ainda os que juram que Getúlio, João Goulart, Castello Branco e Juscelino não morreram de morte morrida, mas de assassinato.

Embora acredite que a verdade integral sobre os fatos raramente seja divulgada, não faço parte dos adeptos sistemáticos da teórica do complô. Assim mesmo, vez por outra, aparece alguma notícia que nos põe, digamos assim, a pulga atrás da orelha.

La Paz, Bolívia

La Paz, Bolívia

Na edição do domingo 1° fev° 2015, o caderno de Economia do importante diário boliviano La Razón traz matéria sobre a Petrobrás. Nem de longe menciona o «chega pra lá» que o folclórico Lula, então presidente de nossa República, levou em 2006, quando seu colega Evo Morales decidiu encampar as instalações bolivianas de nossa petroleira.

Petrobras 3O artigo dá notícia de que, no ano de 2014, a Petrobrás investiu um milhão de dólares em projetos de desenvolvimento social dirigido a bolivianos desfavorecidos. (Só para constar, observe-se que a operação Lava a Jato foi deflagrada já em março 2014.)

Foram quinze os projetos desenvolvidos em solo boliviano pela petroleira brasileira no ano passado. Beneficiaram diretamente 2850 famílias, sem contar outras 7000 que recolheram proveito indireto.

Não tendo a ser nacionalista exacerbado, muito menos em matéria de esmola. A miséria é global. Nenhum necessitado é mais merecedor que outro – estão todos no mesmo barco.

Assim mesmo, convenhamos, algo está mal contado nessa história. O destino final dos bilhões surrupiados da Petrobrás ainda está por ser revelado, se é que o será um dia. Do desvio de dezenas de bilhões, aparecem três milhõezinhos aqui, mais dois ali… e o resto? Usado para financiar campanha? Quá! É o povo quem financia a propaganda eleitoral.

Bolivia 2Não resisto à tentação de revelar o que a pulga, atrás da minha orelha, está sussurrando. Ela me diz que esse mísero milhãozinho aplicado em caridade na Bolívia é a parte miudinha de um manancial muito mais extenso. Não é senão a pontinha do iceberg. O grosso da ajuda talvez jamais venha a ser revelado.

A pulguinha me diz que um naco do dinheiro surrupiado ao povo brasileiro pode ter ido financiar interesses eleitorais além-fronteira. Para corroborar essa ideia, tivemos recentemente a renovação do mandato do presidente do país vizinho, reeleito pela enésima vez.

Pulgas nem sempre têm razão, mas insistem em cochichar atrás da orelha.

Interligne 18cSe alguém quiser ler o artigo do jornal boliviano, clique aqui.

Miscelânea 05

O chapéu e o oceano
Dia 23 de fevereiro, dona Dilma esteve de visita a seu colega Goodluck Jonathan, presidente da Nigéria. O site do Itamaraty traz na íntegra o discurso pronunciado pela presidenta(sic) na ocasião.

É uma fala de circunstância, daquelas em que se jogam flores e se repetem amenidades. O texto, preparado sob orientação dos formuladores de nossa portentosa política exterior, continua a martelar a tecla da cooperação Sul-Sul, a ideia fixa que tem afunilado nossa visão de mundo.

Antigamente, ao cumprimentar uma senhora, o homem erguia seu chapéu. Já não se fazem chapéus como antigamente.

Dilma & Jonathan — Antigamente, ao cumprimentar uma senhora, o homem erguia seu chapéu.
Claro está que já não se fazem chapéus como antigamente…

Agora, o detalhe picante. No finalzinho do discurso, dona Dilma diz textualmente: «Tenho certeza que o presidente Goodluck Jonathan e eu assistiremos juntos à final Brasil e Nigéria no Maracanã».

O destino é irônico, por vezes cruel. Certezas presidenciais nem sempre são inabaláveis. O fato é que a Nigéria foi mandada de volta para casa de forma temporã. E nossa visionária presidente acaba de fazer saber que, para fugir de uma monumental e inevitável vaia, não estará presente no Maracanã para a final da copinha.

Tra il dire e il fare, c’è di mezzo il mare ― dizem os italianos. Entre o dizer e o fazer, tem um oceano no meio. E o barco de dona Dilma naufragou.

Interligne 37f

Enrolado
No tempo em que os mandachuvas acreditavam que estava tudo dominado, um fugitivo da Justiça italiana foi acolhido no Brasil. No exterior, pegou muito, mas muito mal. Reforçou a imagem de república de bananas que costumamos projetar.

De duas semanas para cá, o coreto balançou. Os medalhões mais perspicazes ― se os há ― já se deram conta de que o efeito da anestesia passou. O povo acordou. Para os do andar de cima, acostumados a mandar e desmandar, ficou problemático impor seus caprichos. Em palavras mais chãs: acabou a moleza.

Não ficou claro se foi por coincidência, o fato é que o assunto Battisti voltou à baila estes dias. O estrangeiro era fugitivo da Justiça italiana, sentenciado por participação em quatro assassinatos. Fazendo valer o acordo bilateral de extradição, a Itália solicitou que o evadido fosse despachado de volta a seu país.

Nossas autoridades, atrapalhadas e confusas como de costume, disseram sim, disseram não, enrolaram quanto lhes foi possível. O galo foi sendo cozinhado em água fria durante anos até que a decisão final caiu no colo do presidente da República. Este, no apagar das luzes do mandato, deu a palavra final: o condenado fica em Pindorama, livre e desimpedido.

Battisti, o fugitivo mais procurado da Itália

Battisti, o fugitivo mais procurado da Itália

Estes dias, o assunto ressurgiu. O presidente já não é o mesmo, o ministro da Justiça já foi substituído, a composição do STF variou. E, principalmente, a paciência da população está-se esgotando. Descobriu-se ― ó surpresa! ― que o fato de o estrangeiro ter penetrado o território nacional fraudulentamente é fator capaz de levar à revocação de seu estatuto de refugiado «político».

Como é que ninguém havia pensado nisso antes? É excelente a oportunidade de finalmente enviar ao mundo um sinal positivo. Os tempos de Ronald Biggs passaram. Vamos mostrar que nosso País não se resume a um valhacouto de foragidos.