Cretinice

José Horta Manzano


Em matéria de futebol, a catástrofe está sempre à espreita. Ontem foi o dia da Suíça, que perdeu para Portugal com placar caudaloso: 6 x 1. O choque equivale ao ‘mineiraço’ brasileiro de 2014. Vou aproveitar para publicar um artigo que escrevi anos atrás. Traz curiosidades do país alpino.


Você sabia?

Todo país, por menor que seja, sempre dá uma contribuiçãozinha à humanidade. É natural que países maiores e mais populosos sejam responsáveis pela criação de maior número de palavras internacionais, produtos, conceitos, invenções. Mas os pequenos também têm vez.

A Suíça, por exemplo, apesar do território exíguo e da população diminuta, está por trás de ideias, objetos e conceitos que se espalharam pelo mundo. Vamos fazer um teste pra ver se você sabe.

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Gruyère
É queijo tipicamente suíço conhecido por ser cheio de buracos. Ingrediente indispensável em qualquer fondue. Certo?

Depende. Produzido na região de Gruyère, é tipicamente suíço, sem dúvida. É o ingrediente chave de toda boa fundue. No entanto, diferentemente do que muitos acham, o queijo Gruyère não tem furos. É lisinho, lisinho. Quem tem furos é o emental, produzido no Emmenthal (Vale do Rio Emmen).Queijo 1

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Swatch
É criação suíça. Certo?

Certo. Foi bolado pelo grupo relojoeiro que hoje leva o nome do modelo: Swatch.

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Velcro
É invenção suíça. Certo?

Certo. Foi inventado pelo engenheiro suíço George de Mestral (1907-1990).

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Relogio Swatch 1

Albert Einstein
Era cidadão suíço. Certo?

Certo. Nasceu no Império Alemão, mas naturalizou-se suíço aos 22 anos. Adquiriu outras nacionalidades ao longo da vida, mas conservou a suíça até o fim.

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Cuco
O relógio de pêndulo conhecido como cuco é antiga invenção suíça. Certo?

Errado. O cuco foi criado na Alemanha ‒ mais especificamente na Floresta Negra ‒ no século 18.

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Polilinguismo
Todos os suíços são poliglotas ou, pelo menos, bilíngues. Certo?

Errado. O país é composto de cantões. Cada um deles tem sua língua oficial. Alguns têm até duas. A maioria dos suíços, no entanto, fala uma única língua. Mais curioso ainda é o fato de a língua inglesa estar-se impondo, cada vez mais nitidamente, como segunda língua. Hoje em dia, é comum ver dois suíços de língua materna diferente se comunicarem em inglês.

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Relogio cuco 1.jpg

Cretinismo
A palavra cretino é de origem suíça. Certo?

Certíssimo. O distúrbio conhecido como cretinismo, que perturba fortemente o desenvolvimento físico e mental, é causado principalmente por carência de iodo. Nos tempos de antigamente, os habitantes de aldeias de montanha salgavam os alimentos com sal gema (não marinho), pobre em iodo. A incidência de distúrbios ligados ao cretinismo era elevada.

No Valais, cantão montanhoso e então pouco desenvolvido, a patologia ocorria com frequência. O povo chamava os infelizes doentes de “pauv’ crétin”pobre cristão, no dialeto local. Descoberta a origem da doença, iodo passou a ser adicionado ao sal. O distúrbio desapareceu, mas o nome ficou. Não só ficou, como se instalou em grande número de línguas. Assim:

Português: cretino
Russo:     кретин (kretin)
Inglês:    cretin
Sueco:     kretin
Polonês:   kretyn
Lituano:   kretinas
Húngaro:   kretén
Francês:   crétin
Finlandês: kretiini

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Curiosidade final
Corrupção, corrupto & derivados não são de origem suíça. Nem brasileira, diga-se logo. Corrupção é mais velha que o rascunho da Bíblia. A raiz rup vem de longe. Encontrada já no sânscrito, passou às línguas europeias. Traduz qualidade violenta, súbita ou negativa, como romper, despedaçar, irromper, roubar.

Publicado originalmente em 23 jun° 2016.

A passos largos

Pastor Sargento Isidório

José Horta Manzano

Pode-se dizer que o Pastor Sargento Isidório, deputado federal, é a versão baiana do catarinense Cabo Daciolo – lembra dele? Ambos são exemplos vivos dos valores que sustentam o bolsonarismo: têm um pé na hierarquia militar e outro no movimento neopentecostal. São ambos pastores evangélicos.

Até aí, nada de mais. Este é um país democrático, em que cada cidadão é livre de escolher o caminho que prefere seguir, desde que não confronte a lei.

Mais insistente que seu colega catarinense, o baiano Isidório tem se mostrado ativo em apresentar projetos de lei destinados a dar peso legal a suas convicções religiosas. Sua mais recente façanha leva a data de ontem, 23 de novembro. Conseguiu a aprovação de uma lei que proíbe alterações na Bíblia.

O artigo único do texto veda “qualquer alteração, edição ou adição aos textos da Bíblia Sagrada, composta pelo Antigo e pelo Novo Testamento em seus capítulos ou versículos, sendo garantida a pregação do seu conteúdo em todo território nacional.”

Parlamentares manifestaram preocupação com as imprecisões da nova lei. Qual é o texto-base que não pode mais ser modificado? Nova tradução do aramaico será proibida? Quem julgará se esta versão é melhor que aquela (ou vice-versa)?

Tirando o aspecto folclórico do episódio, que mais parece piada de mau gosto, minha preocupação é outra. O Brasil, como sabemos, é um país laico, o que significa que nenhuma religião será oficialmente apoiada nem entravada. Todo cidadão é livre de exercer sua fé (ou de não exercer nenhuma), desde que se mantenha dentro dos limites legais.

O Art. 19 da Constituição veda expressamente à União, às unidades federativas e aos municípios “estabelecer relações de dependência ou aliança com cultos religiosos ou igrejas”. O texto que acaba de ser aprovado fere claramente esse dispositivo, visto que legisla em matéria fora de sua competência. Fixar parâmetros de qualidade para a Bíblia equivale a legislar sobre a altura da batina de padres católicos ou sobre duração de cultos evangélicos. Um descabimento.

É surpreendente que, por um lado, a lei tenha sido aprovada e, por outro, que a oposição não tenha alçado veementemente a voz. Resta ao presidente de algum partido mais esclarecido (espero que haja alguém) apresentar ao Supremo uma ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade. Essa lei não resistirá ao escrutínio de nossa Corte Constitucional.

Se ninguém fizer nada e a lei entrar em vigor, terá sido dado mais um grande passo na consolidação de nossa teocracia tropical.

Vox populi

José Horta Manzano

Acontece com todos os personagens importantes. Quando chegam lá, atraem inevitavelmente uma tropa de aduladores, cuja ocupação principal é achar graça em qualquer bobagem que o chefe disser, achar genial qualquer ideia que ele tiver, aprovar toda medida que ele decidir tomar. Isso cria uma realidade paralela, tão forte, que o chefe acaba acreditando ser onipotente e estar acima do bem e do mal.

Já tinha ocorrido com Lula da Silva. Agora, não foi diferente com Bolsonaro. Bobinho, acreditou num carisma e num poder que não tinha, e se expôs durante a campanha eleitoral para as municipais. Não precisava, que era melhor ter-se preservado. Mas como ninguém teve a coragem de avisar, fez.

Deu no que deu. O que antes estava no terreno das suposições, agora tem o peso da vox populi – a voz do povo. As urnas falaram, como diria o outro. E não tem como fingir que não viu. O resultado está aí pra quem quiser ver.

Assim como o veredicto deixa um presidente diminuído, o lulopetismo também sai das urnas achatado, desmilinguido e sem gás. A situação é pra lá de péssima para ambos, Bolsonaro e Lula.

Lula se dá conta – se é que ainda não tinha caído a ficha – de que seu tempo passou. O que está feito, está feito. Mais não haverá. Quanto a Bolsonaro, assiste ao desmanche do (falso) enredo de ser ele o bastião que vai purificar o Brasil, livrando-nos do petismo.

Por um lado, o PT já não é ameaça para ninguém. Por outro, a extrema esquerda representada pelo PSOL desponta como força ascendente. E os temidos psolistas surgem nos braços do povo, situação espinhosa para Bolsonaro.

O ‘centrão’, que de bobo não tem nada, já se deu conta da nova paisagem. Num estalar de dedos, podem todos saltar fora do bonde e deixar o presidente falando sozinho. Se isso ocorrer, a cotação do doutor no mercado vai cair. Será caminho espinhoso que pode levar ao encurtamento de seu mandato.

Vox populi
É expressão latina que se traduz por voz do povo. Aparece já na Bíblia mas, como toda citação das Escrituras, tem de ser tomada com precaução. Termos bíblicos atravessaram muitos séculos e foram objeto de muitas traduções, às vezes malfeitas. De todo modo, o original não teria o significado que lhe atribuímos hoje.

A expressão completa utilizada atualmente é: Vox populi, vox DeiA voz do povo é a voz de Deus. É o enunciado sobre o qual repousa a noção de democracia.

Memento homo

José Horta Manzano

Diante do que faz doutor Bolsonaro, a gente sente saudade dos mais recentes presidentes do Brasil. Exceção feita a dona Dilma, parecem todos grandes presidentes. Até o Lula está anos-luz à frente do pedregoso Bolsonaro. Pena que tenha se servido com tanta sem-cerimônia das benesses que o cargo lhe oferecia e – principalmente – que tenha permitido à malta despojar o Estado.

Diante do que diz doutor Bolsonaro, a gente sente saudade de todos os antigos presidentes do Brasil. Todos, de verdade, incluindo até aquele General Figueiredo, que gostava mais de cavalo do que de gente e que costumava dar coices verbais quando estava de mau humor. Em matéria de estilingadas verbais, Bolsonaro ganha estourado de todos eles.

Saiu um bom artigo de FHC no Estadão deste domingo. O antigo mandatário assume a confortável posição de observador distante e, com a autoridade de quem já viveu 9 décadas quase inteiras, distribui conselhos a quem interessar possa. Lá pelas tantas, ele cita um aforismo do Antigo Testamento. Coisa fina. Só que ele comete uma imprecisão. “Pulvis est et in pulvis reverteris” é o que ele diz, quando o correto é “Pulvis es et in pulverem reverteris”. Melhor ainda é citar o axioma na íntegra: Memento homo quia pulvis es et in pulverem reverteris. – Recorda, homem, que és pó e ao pó retornarás”.

Não tem importância. Só a lembrança de que já tivemos um presidente que fazia citações em latim já é um bálsamo. Acende a esperança de que doutor Bolsonaro não será uma verruga encravada na alma nacional por muito tempo. Um dia, que esperamos seja o mais logo possível, seremos brindados com inquilino do Planalto menos agreste.

Observação
A locução latina aparece na Vulgata da Bíblia (Gênese). São as palavras que Adão ouviu de Deus quando foi expulso do paraíso depois de incorrer no pecado original.

A palavra memento, pronunciada com voz solene e indicador apontado para o alto, tem valor de interjeição. Foi usada por séculos como advertência a alguém que estivesse a ponto de cometer um erro. Em italiano, as duas primeiras palavras da locução se juntaram pra formar «mementomo!», repreensão dicionarizada, mas hoje caída em desuso.

Trabalho: dureza, mas nem tanto

José Horta Manzano

Trabalho é coisa antiga. Segundo a Bíblia, tornou-se obrigatório desde o dia em que o homem foi expulso do paraíso. A partir de então, cada um teve de transpirar para conseguir o pão de cada dia. Há quem se alimente do trabalho alheio, assaltando o erário, por exemplo, possibilidade não prevista na Bíblia. Não é disso que vamos tratar hoje, mas da origem da palavra.

Com pequenas diferenças ligadas ao espírito de cada língua, a palavra aparece em português (=trabalho), em castelhano (=trabajo), em catalão (=treball), em galego (=traballo), em francês (=travail). Em todos esses idiomas, o termo é usado com o mesmo significado que lhe atribuímos.

É curioso a raiz não existir em latim. Conforme o caso, os antigos romanos podiam optar entre opus e labor. Aliás, ambas as vozes deram filhotes em português, todos ligados à noção de trabalho. Opus deu operação, operário, operador. Labor desembocou em lavoura, laboratório, lavra, elaboração.

Entre os estudiosos das línguas, há uma categoria que encaro com certa reserva: são os etimologistas, aqueles que buscam a origem das palavras e sua evolução. Não digo que se deva deles desdenhar. Operam com paciência e afinco beneditinos. No entanto, é compreensível que, decepcionados quando não encontram a origem de um termo, tentem forçar um pouco a barra. Certos étimos, apresentados como verdade absoluta, me parecem fruto de imaginação pra lá de fértil. É o caso de trabalho.

O fato de que o termo trabalho, embora difundido nas línguas neolatinas, não apareça no latim, deixa intrigados os etimologistas. Parte deles, obcecados pela busca de origem latina, opta por atribui-la a um certo tripalium, instrumento de tortura constituído de três paus ao quais se atava o indivíduo a ser chicoteado.

Ora, não me parece sustentável a hipótese de os habitantes das províncias romanas não disporem, antes da chegada dos romanos, de palavra para dizer trabalho. Mais intrigante ainda é o fato de não terem adotado opus nem labor, preferindo tripalium ‒ o nome do instrumento de punição. Acreditar é difícil. Por minha parte, reluto em aceitar a hipótese de o trabalho ter sido considerado análogo à tortura por todos os povos, desde as fronteiras germânicas até as falésias lusitanas.

Há etimologistas que, fugindo à corrente dominante, atribuem a origem da palavra à raiz trabs (trava ou trave), o que me parece pouco provável. Outros ligam o termo ao celta trafed (trabalho), hipótese bem mais plausível. Há, ainda, os que veem na forma trabalho uma evolução do gótico trawla (ficar cansado), ideia que tampouco deve ser descartada.

Seja como for, navegamos em densa neblina. Ninguém pode afirmar, com cem por cento de certeza, que nosso trabalho derive desta ou daquela raiz. Trabalho nem sempre é um prazer, é verdade, mas assimilá-lo a instrumento de tortura, convenhamos, já é exagero.

Cretinice

José Horta Manzano

Você sabia?

Todo país, por menor que seja, sempre dá uma contribuiçãozinha à humanidade. É natural que países maiores e mais populosos sejam responsáveis pela criação de maior número de palavras internacionais, produtos, conceitos, invenções. Mas os pequenos também têm vez.

A Suíça, por exemplo, apesar do território exíguo e da população diminuta, está por trás de ideias, objetos e conceitos que se espalharam pelo mundo. Vamos fazer um teste pra ver se você sabe.

Interligne 18hGruyère
É queijo tipicamente suíço conhecido por ser cheio de buracos. Ingrediente indispensável em qualquer fondue. Certo?

Depende. Produzido na região de Gruyère, é tipicamente suíço, sem dúvida. É o ingrediente chave de toda boa fundue. No entanto, diferentemente do que muitos acham, o queijo Gruyère não tem furos. É lisinho, lisinho. Quem tem furos é o emental, produzido no Emmenthal (Vale do Rio Emmen).Queijo 1

Interligne 18hSwatch
É criação suíça. Certo?

Certo. Foi bolado pelo grupo relojoeiro que hoje leva o nome do modelo: Swatch.

Interligne 18hVelcro
É invenção suíça. Certo?

Certo. Foi inventado pelo engenheiro suíço George de Mestral (1907-1990).

Interligne 18hRelogio Swatch 1Albert Einstein
Era cidadão suíço. Certo?

Certo. Nasceu no Império Alemão, mas naturalizou-se suíço aos 22 anos. Adquiriu outras nacionalidades ao longo da vida, mas conservou a suíça até o fim.

Interligne 18hCuco
O relógio de pêndulo conhecido como cuco é antiga invenção suíça. Certo?

Errado. O cuco foi criado na Alemanha ‒ mais especificamente na Floresta Negra ‒ no século 18.

Interligne 18hPolilinguismo
Todos os suíços são poliglotas ou, pelo menos, bilíngues. Certo?

Errado. O país é composto de cantões. Cada um deles tem sua língua oficial. Alguns têm até duas. A maioria dos suíços, no entanto, fala uma única língua. Mais curioso ainda é o fato de a língua inglesa estar-se impondo, cada vez mais nitidamente, como segunda língua. Hoje em dia, é comum ver dois suíços de língua materna diferente se comunicarem em inglês.

Interligne 18hRelogio cuco 1.jpgCretinismo
A palavra cretino é de origem suíça. Certo?

Certo. O distúrbio conhecido como cretinismo, que perturba fortemente o desenvolvimento físico e mental, é causado principalmente por carência de iodo. Nos tempos de antigamente, os habitantes de aldeias de montanha salgavam os alimentos com sal gema (não marinho), pobre em iodo. A incidência de distúrbios ligados ao cretinismo era elevada.

No Valais, cantão montanhoso e pouco desenvolvido, a patologia ocorria com frequência. O povo chamava os infelizes doentes de “pauv’ crétin” ‒ pobre cristão, no dialeto local. Descoberta a origem da doença, iodo passou a ser adicionado ao sal. O distúrbio desapareceu, mas o nome ficou. Não só ficou, como se instalou em grande número de línguas. Assim:

Português: cretino
Russo:     кретин (kretin)
Inglês:    cretin
Sueco:     kretin
Polonês:   kretyn
Lituano:   kretinas
Húngaro:   kretén
Francês:   crétin
Finlandês: kretiini

Interligne 18hCuriosidade final
Corrupção, corrupto & derivados não são de origem suíça. Nem brasileira, diga-se logo. Corrupção é mais velha que o rascunho da Bíblia. A raiz rup vem de longe. Encontrada já no sânscrito, passou às línguas europeias. Traduz qualidade violenta, súbita ou negativa, como romper, despedaçar, irromper, roubar.

Pagando o pato

José Horta Manzano

O folclore político nacional tem engordado com novos figurantes. O pixuleco e o pato são as imagens mais recentes. A presença do pixuleco, todos entendem: simboliza o corruptor-mor. Já o pato representa o cidadão que acaba pagando a conta da capetagem de seus governantes.

Mas por que ter escolhido um pato? Faz alusão à expressão «pagar o pato». E qual é a origem dessa curiosa frase? Há quem conte alguma tortuosa história de um pato que teria servido como moeda de troca numa hipotética negociação. Parece que o caminho não é esse.

É interessante notar que, na roupagem castelhana «pagar el pato», a expressão é corrente também na Espanha. A explicação que os espanhóis dão sobre a origem dela é mais convincente. Tem a ver com a expulsão dos judeus, determinada em 1492 por Fernando de Aragão e Isabel de Castela.

Pato 1Naquela época, duas opções foram dadas aos israelitas: ou se convertiam ao cristianismo, ou deixavam o país. Muitos se foram, outros preferiram se converter e ficar. Entre os que permaneceram e se converteram, alguns conservaram a antiga fé. Em público, agiam como cristãos, mas na intimidade familiar, mantiveram ritos e práticas da antiga religião.

Volta e meia, uma ou outra família acabava desmascarada por um vizinho ou por um curioso. Nessas horas, antes de os denunciar à Inquisição, o bisbilhoteiro costumava chantagear os infelizes. Para escapar do tribunal, da tortura e da fogueira, os contraventores preferiam pagar o montante que o denunciante lhes exigia.

Pagavam por não ter abandonado o «pacto com Deus», ao qual os judeus aderem desde os tempos bíblicos. A linguagem popular se encarregou de deturpar a expressão. De «pagar o pacto», transformou-se em «pagar o pato».

Pato 2Etimologia
Em muitas línguas europeias, o nome do simpático palmípede deriva de antiquíssima raiz sânscrita que deu em latim=anas/anatem; em italiano=anatra; em alemão=Ente; em catalão=ànec; em lituano=antis.

Nas línguas ibéricas, a influência árabe se impôs. Tanto em espanhol quanto em português, dizemos pato, derivação do persa bat através do árabe clássico baṭṭ e do árabe hispânico páṭṭ.

Árvore sem raiz

José Horta Manzano

Quanto mais profunda for a raiz, mais sólida e mais resistente será a árvore. Raiz profunda leva tempo pra crescer. Pede muito cuidado, muita rega e, sobretudo, muito tempo.

Num sentido figurado, a imagem da raiz profunda pode ser transposta às relações humanas. Uma única relação sólida e antiga vale mais que um conjunto de relacionamentos superficiais, efêmeros e de circunstância.

Arvore 4No jogo político, é virtualmente impossível escapar a alianças efêmeras: a cada eleição, fazem-se acertos de circunstância destinados a durar pouco tempo. A regra de ouro, a seguir escrupulosamente, é não se exceder. Nenhum excesso é benéfico. Todo exagero, mais dia menos dia, acaba cobrando a conta.

Ao assumir o posto máximo do Executivo, no já longínquo ano de 2003, nosso guia não tinha experiência administrativa. Um pouco por vaidade, um pouco por ambição, um pouco por mau aconselhamento, deixou-se tentar pelo excesso. Exagerou ao tecer a teia de alianças políticas. Deu prioridade ao número de “amigos” e de “aliados”. Teve a impressão de tricotar, assim, rede de proteção mais eficaz.

Chamada do Estadão, 6 nov° 2015

Chamada do Estadão, 6 nov° 2015

Deu de ombros à regra da raiz profunda, expediente que a sábia natureza já inventou há milhões de anos. Preferiu espalhar um emaranhado de radículas superficiais, desconexas, pouco profundas. A aparência era de solidez. No entanto…

O resultado não podia ser outro. Enquanto durou o bom tempo, a teia sustentou e nutriu a árvore. A mudança radical nas condições ‘atmosféricas’ escancarou a realidade: o labirinto de relações era superficial e carecia de coesão. Partidas e desconectadas, as raizinhas já não garantem sustentação à árvore.

O demiurgo, que muitos incensavam até pouco tempo atrás, periga vir abaixo por excesso de vento e escassez de apoio. E pensar que é justamente ele quem havia dito um dia que, quando deixasse a presidência, ia demonstrar que o mensalão nunca tinha existido e que o respectivo julgamento não passava de uma farsa. Houve quem acreditasse.

Chamada da Folha de São Paulo, 6 nov° 2015

Chamada da Folha de São Paulo, 6 nov° 2015

Aos poucos, passo a passo, nosso guia é obrigado a recuar. Já não bravateia sobre o mensalão. Muito menos sobre o petrolão. Concluiu pacto fugaz para tentar tirar seus rebentos de situação embaraçosa. Fez mais: ao declarar que não teme a prisão, admitiu implicitamente a possibilidade de passar uma temporada atrás das grades.

Está aí mais uma vez comprovado ensinamento mais antigo que a bíblia. Quem tem o poder e o dinheiro costuma atrair legiões de “amigos” e de “aliados”. Depois de apeado do poder, babau!

O preceito é velho como o mundo, mas cada um tem de aprender por si mesmo.

Alô! Quem fala?

José Horta Manzano

Muito se tem falado em espionagem estes últimos tempos. Pouco, muito pouco sobre contraespionagem. Que bicho é esse? É uma atividade patrocinada por Estados para, entre outras funções, protegê-lo da bisbilhotagem alheia.

O escândalo que surgiu faz algumas semanas ― falo do anúncio de ações de espionagem monitoradas pelo governo dos EUA ― só espantou o distinto público. Governantes estão cansados de saber que espionagem entre Estados é prática mais antiga que o rascunho da Bíblia.

Governos de países mais desenvolvidos foram bem mais comedidos em sua reação. Mostraram um simulacro de indignação, mais para satisfazer a galeria. E ficou por isso mesmo. O mundo continuou a girar. Business as usual. Por que reagiram de maneira tão branda? Por dois motivos.

Telefone celular

Telefone celular

Primeiro, porque já faz tempo que se deram conta de que as maiores ameaças externas não provêm mais de armamento bélico. Foi-se o tempo em que possuir um grande número de tanques e de aviões era garantia de ganhar qualquer guerra. Os países mais bem orientados fazem a distinção entre objetivos do Estado (a longo prazo) e metas de governo (a curto prazo). Essas nações vêm-se dedicando, faz anos, a proteger-se desse tipo de ameaça cibernética. É atribuição de seus serviços de contraespionagem.

Em segundo lugar, a reação foi comedida justamente pelo fato de esses países mais desenvolvidos fazerem exatamente a mesma coisa que os EUA, cada um na medida de suas possibilidades. Quem tem telhado de vidro procura não atirar pedrinhas no telhado do vizinho. Ainda que o vizinho tenha sido flagrado roubando frutas do seu quintal, mais vale fazer de conta que não viu. Ou, melhor ainda, dizer: «Olhe aqui, que não se repita, hein!».

Muita informação não costuma ser divulgada. Não é preciso que todos saibam de tudo a todo momento. Seria malsão. Vazou hoje a informação de que o pessoal do andar de cima da França (ministros, secretários e figurões de alto escalão) estão proibidos de utilizar seus smartphones comuns para transmitir dados referentes a assuntos do governo. Já faz tempo que essa recomendação vigora. Os mandarins de Paris contam com cerca de 2300 telefones especialmente concebidos para esse fim. São smartphones só na aparência. Ultrasofisticados, enviam mensagem criptadas e passam por canais diferentes dos que nós, simples mortais, utilizamos. Em princípio, são ingrampeáveis.

Dez ou doze anos atrás, justamente quando as novas tecnologias começavam a dominar o planeta e a dar uma reviravolta nos antigos conceitos bélicos, o Brasil teve a má sorte de começar a ser governado por gente um pouco especial. Ingênuos, deslumbrados e despreparados, nossos mandachuvas não se deram conta de que as regras do jogo haviam mudado. Continuam temendo uma invasão da Amazônia. Por que não um desembarque de marcianos?

Telefone celular (não recomendado para ministros)

Telefone celular
(não recomendado para ministros)

O candor com que nosso ministro da Defesa declarou outro dia que «desconfia» que seu telefone tenha sido grampeado e o furor com que nossa presidente tem reagido à bisbilhotice americana atestam que nosso país não tem um serviço de contraespionagem. O estupor do ministro e a cólera da presidente são sinceros. Nossa defesa cibernética, se existe, não funciona.

Mas nunca é tarde para fazer benfeito. Chorar, espernear, bater o pé, fazer beicinho, ficar de mal, ameaçar, nada disso vai adiantar. Melhor farão se aprenderem com o erro. Se nossos governantes passarem a dedicar à função para a qual foram eleitos ou nomeados uma décima parte do tempo que gastam fazendo politicagem, já teremos dado um grande passo.

Do it yourself

José Horta Manzano

Você sabia?

Tudo começou com um menino esperto, curioso e observador. Era um negociante nato. Desde criança sabia que queria trabalhar por conta própria.

Dedicou-se ao ramo de móveis semiprontos, daqueles que o freguês mesmo monta em casa. A partir de sua Suécia natal, criou a Ikea, um dos grandes conglomerados do planeta. Pouco a pouco, foram sendo acrescentados outros artigos ao sortimento. Atualmente, vendem todos os utensílios e accessórios de que uma casa precisa.

O menino sueco, hoje com 87 anos, chama-se Ingvar Kamprad. Pertence ao restrito clube de bilionários confirmados por revistas especializadas. Vive na Suíça.

Sua rede de lojas, ainda desconhecida no Brasil, está implantada em 43 países. Anualmente, editam um catálogo de vendas. É um verdadeiro livro, espesso, em papel couchê, muito bem ilustrado. Distribuído gratuitamente de casa em casa, sua tiragem total é de 200 milhões de exemplares. Sai em 27 diferentes línguas. Dizem que nem a Bíblia é impressa em volume tão impressionante a cada ano.

Se alguém estiver interessado em conhecer a história do grupo, vai encontrá-la em português aqui.

A Ikea tem por norma dar a seus produtos nomes suecos. Sempre foi assim e, pelo jeito, ainda continuará por muito tempo. Para quem não conhece as línguas escandinavas, certos nomes parecem às vezes impronunciáveis. Já outros soam cômicos para nossos ouvidos. Dou-lhes aqui abaixo uma seleção dos que me pareceram mais engraçados.

Caso alguém pense que estou brincando, que consulte a página original da firma. Aqui.

Clique nas ilustrações para ampliar

Ik-Abat-jour

Ik-Arandela

Ik-Areia colorida

Ik-Baixela

Ik-Brinquedos

Ik-Cabide que volta

Ik-Cadeira para visitas

Ik-Caixa para geladeira

Ik-Colchonete

Ik-Copo

Ik-Cortina

Ik-Escrivaninha boba

Ik-Guarda-sol

Ik-Lata de lixo

Ik-Lustre

Ik-Mesa e cadeiras

Ik-Porta-retrato

Ik-Pregador

Ik-Tigelas para criança

Ik-Travesseiro