Maravilhados e frustrados

José Horta Manzano

MARAVILHA

“Jair Bolsonaro n’a eu de cesse de contester le processus électoral et notamment le mécanisme de vote électronique qui est fiable, sécurisé, parfaitement bien organisé et peut aboutir à des résultats satisfaisants pour tout le monde et notamment pour la démocratie.”

“Jair Bolsonaro desafiou repetidamente o processo eleitoral e em particular o mecanismo de votação eletrônica que é confiável, seguro, perfeitamente bem organizado e pode produzir resultados satisfatórios para todos, em especial para a democracia.”

Jean-Philippe Derosier, professor de Direito Constitucional na Universidade de Lille (França), presidente do Conselho Científico da missão de observação das eleições presidenciais 2022.

FRUSTRAÇÃO

“L’énormité de l’erreur des instituts de sondage sur le vote en faveur de Jair Bolsonaro, supérieur de 8 points aux estimations, est une claque à leur crédibilité, après les ratages des présidentielles américaines de 2016 et 2020. Comment ont-ils pu se fourvoyer à ce point?“

“A enormidade do erro dos institutos de pesquisa na votação de Jair Bolsonaro, que ficou 8 pontos acima do estimado, é uma bofetada na sua credibilidade, após as falhas nas eleições presidenciais americanas de 2016 e 2020. Como puderam derrapar a esse ponto?“

Le Nouvel Observateur, revista semanal francesa

As eleições presidenciais brasileiras deste ano estavam na mira de observadores estrangeiros. Governo e população de inúmeros países acompanharam passo a passo as semanas finais da campanha de primeiro turno.

Que o povo da Hungria ou da Polônia se deixe encantar pelo canto de sereia de populistas de extrema-direita é preocupante, mas não crucial – quando países menores escorregam, a Terra não deixa de girar. Já quando as vítimas são o caudaloso povo brasileiro, o fato assume dimensões de preocupação mundial.

A condução errática da política externa do Brasil nestes últimos quatro anos já mostrou a imprevisibilidade de um governo sem projeto, que troca de ministros como quem troca de camisa. Não interessa a ninguém fazer negócios com uma república instável, sem linha de conduta clara.

Essa é a razão pela qual o mundo se interessa tanto pelas presidenciais deste ano. A persistência de uma política de violência, de cidadãos armados, de conflitos religiosos, de destruição da floresta amazônica não faz o jogo de nenhum de nossos parceiros comerciais.

À vista da apregoada possibilidade de vitória de Lula da Silva já no primeiro turno, a mídia estrangeira despachou equipes de repórteres e cinegrafistas que fincaram base em São Paulo ou no Rio. A ansiedade aumentava diariamente. Os canais de televisão passaram documentários sobre o capitão e o demiurgo. E reservavam diariamente um bloco nos telejornais para comentários ao vivo dos enviados especiais.

Abertas as urnas, os enviados estrangeiros se sentiram, ao mesmo tempo, maravilhados e frustrados. Maravilhados porque nunca tinham imaginado que os votos de 125 milhões de eleitores pudessem ser computados em tão curto espaço de tempo. Frustrados porque, em contraposição à perfeita organização da apuração, descobriram um universo de pesquisas dissonante. De fato, nenhum instituto passou perto de acertar na cabeça. Pegou mal pra caramba.

Tenho ouvido comentários de analistas políticos que dão a nossos institutos de pesquisa o diagnóstico de “incapazes” e “amadores”. Deve haver razões para a divergência entre as previsões e a realidade, mas, seja como for, a imagem dessas empresas levou um baque. E reforçou-se a imagem de um Brasil incapaz de prever o que vai acontecer no dia seguinte.

Boa fama leva muito tempo pra construir – mas pode desmoronar de supetão.

O fator humano ‒ 2

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Um colega da faculdade de psicologia estava realizando um trabalho de observação do padrão de teias fabricadas por aranhas de diversas espécies, para a cadeira de etologia. Querendo causar boa impressão, ele havia coletado diversas espécies nativas e importado outras, visando a uma análise comparativa. Para facilitar a visualização das teias, acomodou as aranhas dentro de caixas de sapato revestidas com um tecido preto e iluminadas por baixo.

Extremamente preocupado para que nada nem ninguém interferisse no comportamento natural das aranhas, tão logo terminava de fazer suas anotações do dia, ele trancava a porta do quarto. Certo dia, apressado para um compromisso de trabalho, ele saiu e esqueceu a porta aberta. Horas depois, ao voltar para casa, encontrou a faxineira nervosa, sentada no sofá da sala, à espera dele. Sem dar tempo para qualquer reação, a mulher começou a reclamar da falta de confiança e de reconhecimento por parte dele. Falava de seu zelo na manutenção da higiene da casa, do seu orgulho de limpar os cantinhos mais escondidos para se certificar de que tudo estava na mais perfeita ordem, e por aí vai.

Sem entender o que estava acontecendo, meu colega a interrompeu: Onde você está querendo chegar? O que foi que aconteceu de diferente hoje? Com ar horrorizado, a faxineira emendou, triunfante: “Então, hoje eu finalmente consegui limpar aquele quarto que está sempre trancado. O senhor não faz ideia da sujeira que encontrei lá. Tudo empoeirado, cheio de teia de aranha, um nojo! E o senhor nem imagina o monte de aranhas que eu achei dentro das caixas. Quase morri do coração de tanto susto… Mas o senhor não precisa se preocupar. Já matei todas e limpei tudo bem direitinho!”.

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.