Nem azul, nem rosa

José Horta Manzano

Deu no Estadão. Doutora Damares, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos ‒ a quem devemos o sábio discurso sobre a cor apropriada da indumentária infantil ‒ mostrou, mais uma vez, ter excelente preparo para o cargo que exerce. Foi numa entrevista que concedeu a uma estação de rádio. Embora a data a gravação seja desconhecida, o programa foi ao ar sexta-feira passada na Jovem Pan de João Pessoa.

A doutora pontificou: “Se eu tivesse que dar um conselho para quem é pai de menina, mãe de menina: foge do Brasil! Você está no pior país da América do Sul para criar meninas”. Um susto, minha gente! Dada por pessoa situada tão alto na escala social do país, a advertência tem de ser levada a sério.

Ao estipular que meninos deviam vestir azul e meninas, rosa, a ministra Damares levantou um bafafá dos diabos. Saiu todo o mundo gritando. Foi quando a doutora esclareceu que o pronunciamiento não passava de metáfora. Ufa! Tranquilizado, o Brasil se acalmou.

Desta vez, a ministra está demorando pra botar a declaração na conta de mais uma metáfora. O bom senso exige que o faça rápido, senão o país vai assistir a uma debandada. Que portos e aeroportos se preparem! Vai ter gente fugindo até para a Venezuela ‒ país que, segundo a doutora, é mais adequado que o Brasil para criar meninas. É mole?

Esqueça o azul e o rosa. Fuja enquanto ainda é tempo!

Lágrimas de crocodilo

José Horta Manzano

Letras 1Discurso da presidenta é um perigo. Principalmente se for feito de improviso. E piora quando não há grande coisa a dizer – como costuma acontecer. A boa cidade de João Pessoa teve direito a uma amostra estes dias.

Todos sabem que dona Dilma peleja com a língua portuguesa. A briga é constante. O problema maior da fala da mandatária é a falta de coerência do discurso, que deixa no ar a suspeita de que seu pensamento também seja falho de lógica.

Boulet 1Há um trecho digno de nota. É quando madame declara que: «Esse país também precisa encarar de frente a questão da igualdade racial.» Temos aí três problemas.

Primeiro, o problema da convivência racial – amplificado pelos companheiros, por razões eleitoreiras. Continuar soprando sobre brasas não é a melhor solução.

Segundo, um problema de convivência pronominal. Esse país? Que país? A presidente deve ter-se enganado. Aposto que ela se referia a este país.

Terceiro, um problema pleonástico. Sua Excelência falou em encarar de frente. Como é que é? E a alguém viria a ideia de encarar de costas, presidente? Esse é parente de ver com os olhos e de entrar pra dentro.

Crocodilo 1Há mais. A meu ver, o pior foi a comprovação de que o discurso presidencial é vazio, são palavras ao vento, sem eira nem beira. Vejam como foi.

Numa tentativa de surfar na onda do momento, madame evocou aquele infeliz bebê resgatado sem vida numa praia turca. Afirmou que o menino morreu porque «os países» criaram barreiras para refugiados. Nessa altura, faltou o gesto de grandeza – ninguém pode dar o que não tem.

Dona Dilma ateve-se a acusar «os países», totalmente esquecida de que ela preside um deles. Com a mente colonizada pela influência de seus correligionários, botou a culpa nos outros, como é hábito entre seus companheiros.

Faz mais de quatro anos que dona Dilma preside este país. Digo bem: este. A guerra civil já dura anos na Síria. Que se saiba, nossa mandatária não mexeu uma palha para acolher famílias de refugiados.

Refugiados sírios segundo a contagem da Agência da ONU para refugiados

Refugiados sírios segundo a contagem da Agência da ONU para refugiados

Derramar lágrimas agora e, levianamente, acusar «os países» de negar refúgio a perseguidos soa hipócrita e demagógico.

Terminado o discurso de João Pessoa, como é que fica? Constrói-se uma passarela para acolher famílias sírias? Ou vira-se a página e fica tudo como estava antes?

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PS: Para almas tolerantes que tiverem a pachorra, o site oficial do planalto publicou o discurso da mandatária. Na íntegra.

Terra do cruz-credo

José Horta Manzano

Você sabia?

Assalto 2Como faz a cada ano, o respeitado instituto mexicano Seguridad, Justicia y Paz publicou estudo que mede a criminalidade urbana no planeta. Divulgou a lista das 50 cidades mais violentas do mundo – pelo critério de número de homicídios em relação à população.

O país campeão estourado em matéria de violência urbana – o distinto leitor já deve desconfiar – é nossa amada Terra de Santa Cruz. Que digo? Santa Cruz? Está mais para cruz-credo!

A lista de 2013 trazia 16 cidades brasileiras entre as 50 mais violentas do mundo. A edição 2014 não só confirma a presença das mesmas dezesseis como também acrescenta três: são agora 19. Em números redondos, quatro entre as dez cidades mais violentas – considerados todos os continentes e todos os países – se encontram no Brasil. Nosso País segue firme na vanguarda do crime. Nossa dianteira é de tal importância que dificilmente poderemos ser alcançados. Somos imbatíveis.

Crime 1Contrastando com as autoridades das outras 18 cidades brasileiras mencionadas no estudo, a Secretaria de Segurança Pública de Goiás não gostou de ver a capital do Estado mais uma vez na lista da vergonha.

Aderindo a estratégia muito em voga no Brasil atual, tentou menosprezar a mensagem e «desconstruir» o mensageiro. Criticou o instituto mexicano, sua metodologia e seus dados. Tentou desqualificar e desmerecer o estudo. Disse que estavam errados, que não era bem assim, que, no fundo, não se matava tanto em Goiânia.

Charge publicada no site Seguridad, Justicia y Paz

Charge publicada no site
Seguridad, Justicia y Paz

Mexeram em vespeiro. Tiveram direito a uma longa resposta, com números, fontes e tabelas, assinada pelo presidente do instituto. O artigo está em destaque no site da ong, exposto a quem quiser ler. As autoridades goianas atiraram no estafeta e acertaram o próprio pé. Para coroar, ganharam a charge que vai reproduzida aqui acima.

As 19 cidades brasileiras constantes da lista das 50 mais violentas do mundo em 2014 são as seguintes:

Posição   Cidade             Taxa(1)
———————————————————————————————————
04        João Pessoa        79,41
06        Maceió             72,91
08        Fortaleza          66,55
10        São Luís           64,71
11        Natal              63,68
15        Vitória            57,00
16        Cuiabá             56,46
17        Salvador           54,31
18        Belém              53,06
20        Teresina           49,49
23        Goiânia            44,82
29        Recife             39,05
30        Campina Grande     37,97
33        Manaus             37,07
37        Porto Alegre       34,65
39        Aracaju            34,19
42        Belo Horizonte     33,39
44        Curitiba           31,48
46        Macapá             25,45

(1) Homicídios intencionais por 100 mil habitantes

Para efeito de comparação, note-se que a taxa global brasileira beira 25 homicídios intencionais por 100 mil habitantes, número altíssimo.

Assalto 1É verdade que estamos numa situação menos sinistra que a infeliz Venezuela (45 por 100 mil). No entanto, estamos bem longe de uma Alemanha (0,8), de um Japão (0,4) ou de uma pacífica Hong Kong (0,2). Ainda temos longo caminho a percorrer. Será trabalho para as próximas gerações. Com sorte, os netos de nossos netos conhecerão um país mais civilizado.

Obs:
Quem quiser consultar o estudo completo do instituto, pode descarregá-lo, em língua portuguesa e em formato pdf, aqui.