The Pixuleco

José Horta Manzano

Mr. Donald Trump está sendo esperado em Londres esta segunda-feira. A metade da população inglesa que não quer o Brexit e que não aprecia o jeitão ‘rolo compressor’ do visitante preparou-lhe uma recepção colorida. Inspirados no boneco que reproduz o Lula, inventaram The Pixuleco – a versão britânica do original brasileiro. É um very big balão inflável representando o presidente americano de fralda e topete. Inglês tem senso de humor.

Perfeitamente dentro de seu estilo tosco e brutal, mister Trump tuitou hoje de manhã que gostaria que Boris Johnson, político que já foi prefeito de Londres, assumisse o lugar de primeiro-ministro, em substituição à demissionária Theresa May. O presidente americano é useiro e vezeiro nesse tipo de intromissão em assuntos de outros países, atitude reprovada pela ética internacional.

“The Pixuleco”, o boneco inglês prontinho para homenagear Donald Trump.

O clã que nos dirige já agiu assim. O pai fez isso recentemente ao exprimir publicamente o desejo de que doña Cristina Kirchner não seja eleita nem para a presidência nem para a vice-presidência da Argentina. Quanto ao filho, aquele que funciona como ministro de Relações Exteriores bis, já apareceu em público, nos EUA, com o boné ‘Trump 2020’ enfiado no cocuruto.

Com isso, igualam-se a Trump em prepotência e descortesia. Só que tem um detalhe importantíssimo. Trump dirige o país mais poderoso do planeta, diante do qual os demais dão um reverente passo atrás. As patadas de mister president podem criar antipatia mas não prejudicam os negócios do Estado. Já os Bolsonaros não têm o mesmo poder. Se os EUA têm músculos pra aguentar a volta do bumerangue, o Brasil não tem.

Mas celebremos, irmãos! Para orgulho da raça, saibam todos que já estamos exportando gigantescos bonecos infláveis, uma genuína criação do engenho nacional. Bom mesmo seria se conseguíssemos exportar a corrupção que deu origem ao boneco. Que fosse inteirinha mandada para além-mar e não voltasse mais.

A caravana de Lula teve escolta policial

Elio Gáspari (*)

Nos primeiros dias de sua caravana pelo Rio Grande do Sul, Lula passou por algo que jamais lhe tinha acontecido. Em Bagé a estrada foi bloqueada e, de um guindaste, pendia um Pixuleco encarcerado. Em Santa Maria reuniram-se manifestantes para hostilizá-lo. Para chegar a São Borja, com escolta policial, teve que tomar uma estrada de terra porque a rodovia estava bloqueada. Em São Vicente do Sul um grafite dizia “Lula ladrão”.

O percurso do ex-presidente foi semelhante ao que ele fez em 1994, quando disputou a Presidência contra Fernando Henrique Cardoso e o real. Ele atravessou o Rio Grande do Sul num ônibus sem que houvesse um só incidente. Tinha a proteção discreta e suave de dois faz-tudo petistas. Um chamava-se Freud. O outro, Espinoza, media 2m02cm e pesava 112 quilos.

Lula chegava a uma cidade, às vezes reunia-se com fazendeiros ou empresários, ia para a praça e discursava. Em Rosário do Sul, desceu do palanque para entrevistar populares. Se o público não esquentava, dizia que lugar de político ladrão é a cadeia. Se fosse pouco, recorria a um infalível pedido de confisco dos bens do ex-presidente Fernando Collor. Esse era um tempo em que ele ainda falava “cidadões” (em Livramento), e o PT pedia nota fiscal de todas as suas despesas.

Mudaram Lula, o Brasil e seus adversários. O comissariado diz que os manifestantes hostis são uma “milícia fascista”, mas a partir de um certo momento a caravana foi protegida por uma patrulha do MST. Durante o consulado petista, o governo não patrocinou nenhum ato de violência, mas Lula chegou a ameaçar com o que seria o “exército do Stédile”, referindo-se a João Pedro, donatário do movimento dos sem-terra desde o século passado.

É de justiça lembrar que, em julho de 2003, um grupo de 15 militantes do PSTU foi protestar diante do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo contra uma visita do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e a reforma da Previdência de Lula. Apanharam, e o técnico judiciário Antônio Carlos Correia acabou com o nariz quebrado. Acusou os “pit bulls petistas”. Palocci está na cadeia, e o PT lutou contra a reforma de Temer.

Lula e seus adversários mudaram para pior. O Brasil, quem sabe.

(*) Elio Gáspari é jornalista.

Cara de paisagem

José Horta Manzano

Melhor fazer cara de paisagem.

Deixa como está pra ver como fica.

Faz de conta que não é comigo.

Cocô, quanto mais se mexe, mais fede.

Não estou nem aí.

A arma mais contundente é o desprezo.

Interligne 28a

Todas as línguas têm uma coleção de ditos que giram em torno do mesmo assunto. Apesar disso, tem gente que não aprendeu a lição. Eu aprendi faz muitos anos.

Numa certa época, eu tinha um chefe muito chato. Severo, insistente, difícil de suportar. Como não sou de levar desaforo pra casa, costumava contestar toda ordem que colidisse com minha maneira de ver. Vivíamos, assim, em constante estado de beligerância, feito cão e gato, cada um com quatro pedras no bolso, pronto a atirar. A coisa ia de mal a pior até o dia em que um colega me deu um conselho pra lá de útil.

Tribunal«Quando o chefe lhe pedir pra fazer alguma coisa, ainda que você não esteja de acordo, não discuta. Faça de conta que concorda, diga que vai fazer e pronto» ‒ disse ele.

«Mas e se eu concordar, vou ter de fazer mesmo sem ter vontade, não?» ‒ respondi.

E ele: ‒ «Não, não necessariamente. Faça de conta que você concordou. Não reclame. Não discuta. Não conteste. Se você deixar de transformar cada conversa em conflito, pode escrever: meia hora depois de pedir, o chefe terá esquecido do assunto. E não virá cobrar.»

E não é que funciona, gente? Desde então, já testei inúmeras vezes. Não costuma falhar. Quanto menor importância se der ao assunto, mais rapidamente ele sairá da atualidade. Dito assim, parece uma evidência. No entanto, há gente que parece não ter entendido.

Estes dias, em manifestação de rua, apareceu um boneco inflável que, embora não esteja identificado, lembra muito o presidente do STF. As decisões de qualquer tribunal sempre alegram uns e desagradam outros. É da vida. O STF não escapa desse ritual.

Pixuleco 7Quanto ao boneco, nenhuma reação seria de esperar de parte dos juízes-mores, figuras ilustres que, imagina-se, estão acima dessas estudantadas. Em situações como essa, mais vale fazer cara de paisagem. Dois dias depois, com a avalanche de fatos novos que se atropelam, ninguém mais se lembraria do boneco.

O augusto tribunal não entendeu assim. Pediu que a PF investigue e faça luz sobre hipotética «campanha difamatória». Na hora, ficou claro que… a carapuça tinha servido.

Resumo da ópera
O boneco, que nada mais é que manifestação bem-humorada, ainda vai dar pano pra mangas. Enquanto o povo vai-se esquecendo de outros bonecos ‒ o do Lula e o de dona Dilma ‒ esse aí pode ter vindo pra ficar.

Pagando o pato

José Horta Manzano

O folclore político nacional tem engordado com novos figurantes. O pixuleco e o pato são as imagens mais recentes. A presença do pixuleco, todos entendem: simboliza o corruptor-mor. Já o pato representa o cidadão que acaba pagando a conta da capetagem de seus governantes.

Mas por que ter escolhido um pato? Faz alusão à expressão «pagar o pato». E qual é a origem dessa curiosa frase? Há quem conte alguma tortuosa história de um pato que teria servido como moeda de troca numa hipotética negociação. Parece que o caminho não é esse.

É interessante notar que, na roupagem castelhana «pagar el pato», a expressão é corrente também na Espanha. A explicação que os espanhóis dão sobre a origem dela é mais convincente. Tem a ver com a expulsão dos judeus, determinada em 1492 por Fernando de Aragão e Isabel de Castela.

Pato 1Naquela época, duas opções foram dadas aos israelitas: ou se convertiam ao cristianismo, ou deixavam o país. Muitos se foram, outros preferiram se converter e ficar. Entre os que permaneceram e se converteram, alguns conservaram a antiga fé. Em público, agiam como cristãos, mas na intimidade familiar, mantiveram ritos e práticas da antiga religião.

Volta e meia, uma ou outra família acabava desmascarada por um vizinho ou por um curioso. Nessas horas, antes de os denunciar à Inquisição, o bisbilhoteiro costumava chantagear os infelizes. Para escapar do tribunal, da tortura e da fogueira, os contraventores preferiam pagar o montante que o denunciante lhes exigia.

Pagavam por não ter abandonado o «pacto com Deus», ao qual os judeus aderem desde os tempos bíblicos. A linguagem popular se encarregou de deturpar a expressão. De «pagar o pacto», transformou-se em «pagar o pato».

Pato 2Etimologia
Em muitas línguas europeias, o nome do simpático palmípede deriva de antiquíssima raiz sânscrita que deu em latim=anas/anatem; em italiano=anatra; em alemão=Ente; em catalão=ànec; em lituano=antis.

Nas línguas ibéricas, a influência árabe se impôs. Tanto em espanhol quanto em português, dizemos pato, derivação do persa bat através do árabe clássico baṭṭ e do árabe hispânico páṭṭ.

Os bolos do doutor Jardim

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 7 nov° 2015

Os mais jovens podem até duvidar, mas eu lhes garanto: houve tempos em que escola pública, neste país, era sinônimo de bom ensino. Certos estabelecimentos maiores e mais renomados, então, roçavam a excelência. Ofereciam escolaridade completa, do jardim da infância até as portas da faculdade. Eram muito concorridos – não entrava qualquer um.

Escola turma 2Pais inscreviam rebentos na lista de espera. E armavam-se de paciência, que a fila era longa. Muitos acabavam desistindo. Atalhos havia, mas eram reservados aos que dispunham de alguma recomendação. Na época, dizíamos pistolão ou cartucho, mas funcionava exatamente como hoje. Afinal, quem tem padrinho não costuma morrer pagão.

Padrinho, eu não tinha. Mas tinha mãe tenaz e perseverante, que fazia questão de que os filhos fossem escolarizados numa determinada escola pública, considerada a melhor da cidade. Os muitos filhos, as raras vagas e a falta de pistolão tornavam o objetivo quase inalcançável. Que fazer?

Bolo 1Nem só de canhões é feita a guerra. Com doçura, atraem-se mais moscas do que com vinagre. A cada vez que um filho chegava à idade de escolarização, minha mãe, exímia fazedora de doces, assumia o encargo de pelejar pela vaga. Não deixava passar um mês sem fazer uma visitinha de cortesia ao doutor Jardim, diretor da escola.

Não era costume marcar hora para conversar com o doutor. À tarde, ele recebia um por um, na ordem de chegada. Na sala de espera, cadeiras de madeira dispostas contra a parede desenhavam um quadrilátero apinhado de gente que se escrutava discretamente. Fazia muito calor naquelas tardes abafadas dos anos cinquenta. E minha mãe ali, paciente e firme. No colo, aquele volume embrulhado com papel pardo, que ainda não se usavam essas embalagens modernas.

Escola turma 1Quando chegava nossa vez, lá íamos, ela carregando o bolo do doutor Jardim, eu atrás. Se ele apreciava, não sei. Fato é que, educadamente, sempre agradecia e mandava sentar. Minha mãe renovava o pedido de uma vagazinha pra um dos filhos. O velho senhor, muito polido, respondia que, naquele momento, não era possível, que estava tudo lotado. Minha mãe agradecia, mas não desistia. Mês seguinte, lá estava ela de novo, embrulho no colo. Tanto fez, que venceu pela canseira. Um a um, conseguiu matricular toda a penca de filhos.

Em termos crus e formais, não há por onde escapar. A conduta que visa à obtenção de favor mediante oferecimento de vantagem material tem nome feio: é suborno. Para usar termo em voga, é pior: corrupção. Mas qual é a diferença entre bolos oferecidos a diretor de escola e boladas recebidas por figurões da República?

Bolo 2Pra começo de conversa, a diferença de escala é brutal. Com dez merréis se faz um bolo. Propina que se preze, nestes tempos estranhos, se eleva a milhões. Com menos que isso, não se compra nem vereador de vilarejo. No andar de cima, ninguém se verga por migalhas. A inflação que corroeu a moeda nacional estas últimas décadas repercutiu com estrondo no balcão de propinas: por lá, o inchaço foi estratosférico.

Mas a diferença mais chocante é outra. Os bolos com que minha mãe conquistou a benevolência do doutor Jardim não eram feitos com recursos do erário. Farinha, leite e ovos eram comprados com cruzeiros subtraídos do magro orçamento familiar. Não dávamos esmola com chapéu alheio.

Livro 2Já o mesmo não se poderá dizer da prática medonha cujos desdobramentos escabrosos, há mais de ano, fixaram residência nas manchetes do país. Seu nome fica ao gosto do freguês, que a língua é rica. Pode-se chamá-la de propina, gorjeta, molhadura, suborno, jabaculê, lambidela. Ou até de pixuleco, como ensina a novilíngua. Seja qual for o apelido que se lhe dê, a característica principal permanece: é crime de lesa-população, aquele tipo de «malfeito» traiçoeiro que pune, indistintamente, todos os 200 milhões de brasileiros.

Quando empreiteiros mimoseiam figurões com somas polpudas, não pense o distinto leitor que a fortuna terá saído do patrimônio do corruptor. Ele só faz adiantar o numerário. Ao fim e ao cabo, a conta será sempre repassada a nós, povo brasileiro, eternos palhaços de uma pantomima sem graça e sem glória. No frigir dos ovos, os logrados somos nós mesmo. Sempre.

A conduta dos atuais medalhões está a anos-luz dos quindins de antigamente. Também, pudera: faz mais de meio século que os bolos de minha mãe rendiam vaga na escola. O mundo mudou, e a página está virada. De qualquer maneira, os protagonistas já repousam na paz do Senhor e os fatos estão prescritos.

Pixuleco

José Horta Manzano

Pixuleco 1Quando Luiz Inácio da Silva, o Lula, chegou ao posto máximo do Executivo, o sorriso abriu-se-lhe de orelha a orelha. Sentiu-se numa nuvem. Deu-se conta de que, mais ainda do que já estava acostumado, bastava levantar um dedinho pra que todos se curvassem à sua vontade. E a seus caprichos. Era paparicado por grandes e pequenos, por ricos e pobres. Um verdadeiro estado de graça.

Não sei quanto tempo terá durado o inebriamento. Terão sido alguns meses. Passado o encanto inicial, o figurão investiu-se, corpo e alma, na batalha da reeleição. Precisava porque precisava garantir a permanência no trono. Aquilo era bom demais pra ser descurado.

Pixuleco 4Embora a expressão ainda não estivesse na moda, «fez o diabo». Paralelamente à distribuição de bolsas variadas a clientela cativa, cuidou de alimentar oportunistas e aliados de circunstância. Cargos, sinecuras, benesses, mensalões e petrolões estão aí pra provar.

Reeleito, deu-se conta de que o horizonte de número um se fecharia em quatro anos. Passado esse tempo, impossibilitado de competir mais uma vez, teria de ceder o lugar. A perspectiva não há de lhe ter agradado.

Pixuleco 6Que não fosse por isso. Faria o necessário para escolher um sucessor sem graça, sem carisma, sem potencial para fazer-lhe sombra. Arregaçou as mangas e mandou pra escanteio – para usar sua costumeira metáfora futebolística – todos os postulantes que lhe pudessem prejudicar a popularidade. Foi assim que optou por dona Dilma, aquela que as más línguas chamaram de poste.

Nosso líder fez bem questão de colar seu nome ao dela. Deixou bem claro que, por detrás da desconhecida, continuaria ele dando as cartas. Gente simples chegou a convencer-se de que aquela era «a muié do Lula».

Pixuleco 5Durante todo o primeiro mandato do «poste», o Lula chamou para si os holofotes. Não faltou a cerimônias, inaugurações, seminários, convenções e palanques. Reforçou a ideia de que a «muié» fazia tudo o que o «marido» mandava. Ele e ela eram a mesma coisa.

Nenhuma alegria é eterna. Não há mal que sempre dure nem bem que nunca se acabe, como diziam os antigos. Um belo dia, já no segundo mandato da «muié do Lula», o desastre ficou evidente: inflação, desemprego, carestia, roubalheiras, corrupção, obras inacabadas, promessas não cumpridas, um pandemônio.

Faz quase um ano que nosso guia vem tentando descolar sua imagem da do «poste». É missão doravante impossível. O demiurgo, a pupila, o partido e até aliados oportunistas caíram no mesmo pote de cola. O mesmo visgo os envolve e os iguala.

Pixuleco 3Se faltasse uma prova, que se observem os pixulecos, aqueles bonecos que vêm se tornando símbolo da bandalheira. A atual presidente, o governador de Minas, o prefeito de São Paulo já foram homenageados com a própria imagem inflada e elevada às alturas.

Pixuleco 2Mas reparem bem: o pixuleco mais importante nunca está muito longe. Para o bem ou para o mal, o Lula continua exercendo seu papel de puxador de cordão.

O futuro chegou e, como havia almejado, nosso guia continua debaixo dos holofotes. Não exatamente como ele tinha sonhado, é verdade.

Mas, que diabo, não se pode ter tudo na vida! Ou não?

O sete de setembro aqui e ali

José Horta Manzano

Sete de setembro não é feriado na França. Esta segunda-feira é dia como qualquer outro. O presidente da República, François Hollande, está concedendo entrevista coletiva a uma plateia de jornalistas. O formato é clássico: primeiro, fala o presidente; em seguida, jornalistas fazem perguntas.

A popularidade das personalidades políticas francesas é aferida mensalmente. A do presidente, embora seja bem superior aos 7% de dona Dilma, não vai além de 26% dos entrevistados. Um presidente impopular.

François Hollande 7Entrevistas coletivas presidenciais na França são organizadas duas vezes por ano. Ainda que a aprovação do presidente esteja lá no fundo, não há previsão de panelaço. Nem de colheraço. Os céus de Paris não perigam ver boneco inflado vestido de presidiário.

É permitido concluir que as vaias de que dona Dilma é obrigada a fugir não são unicamente fruto da baixa popularidade. O peso da roubalheira é que é insuportável. O sentimento de ter sido assaltado causa frustração e revolta. Eis o cerne da bronca dos brasileiros.