José Horta Manzano
Melhor fazer cara de paisagem.
Deixa como está pra ver como fica.
Faz de conta que não é comigo.
Cocô, quanto mais se mexe, mais fede.
Não estou nem aí.
A arma mais contundente é o desprezo.
Todas as línguas têm uma coleção de ditos que giram em torno do mesmo assunto. Apesar disso, tem gente que não aprendeu a lição. Eu aprendi faz muitos anos.
Numa certa época, eu tinha um chefe muito chato. Severo, insistente, difícil de suportar. Como não sou de levar desaforo pra casa, costumava contestar toda ordem que colidisse com minha maneira de ver. Vivíamos, assim, em constante estado de beligerância, feito cão e gato, cada um com quatro pedras no bolso, pronto a atirar. A coisa ia de mal a pior até o dia em que um colega me deu um conselho pra lá de útil.
«Quando o chefe lhe pedir pra fazer alguma coisa, ainda que você não esteja de acordo, não discuta. Faça de conta que concorda, diga que vai fazer e pronto» ‒ disse ele.
«Mas e se eu concordar, vou ter de fazer mesmo sem ter vontade, não?» ‒ respondi.
E ele: ‒ «Não, não necessariamente. Faça de conta que você concordou. Não reclame. Não discuta. Não conteste. Se você deixar de transformar cada conversa em conflito, pode escrever: meia hora depois de pedir, o chefe terá esquecido do assunto. E não virá cobrar.»
E não é que funciona, gente? Desde então, já testei inúmeras vezes. Não costuma falhar. Quanto menor importância se der ao assunto, mais rapidamente ele sairá da atualidade. Dito assim, parece uma evidência. No entanto, há gente que parece não ter entendido.
Estes dias, em manifestação de rua, apareceu um boneco inflável que, embora não esteja identificado, lembra muito o presidente do STF. As decisões de qualquer tribunal sempre alegram uns e desagradam outros. É da vida. O STF não escapa desse ritual.
Quanto ao boneco, nenhuma reação seria de esperar de parte dos juízes-mores, figuras ilustres que, imagina-se, estão acima dessas estudantadas. Em situações como essa, mais vale fazer cara de paisagem. Dois dias depois, com a avalanche de fatos novos que se atropelam, ninguém mais se lembraria do boneco.
O augusto tribunal não entendeu assim. Pediu que a PF investigue e faça luz sobre hipotética «campanha difamatória». Na hora, ficou claro que… a carapuça tinha servido.
Resumo da ópera
O boneco, que nada mais é que manifestação bem-humorada, ainda vai dar pano pra mangas. Enquanto o povo vai-se esquecendo de outros bonecos ‒ o do Lula e o de dona Dilma ‒ esse aí pode ter vindo pra ficar.