Café do Brasil

José Horta Manzano

Em princípio, o café não tem as qualidades necessárias para se tornar popular. É ainda mais escuro que o cacau, tem um certo amargor que nem todo o mundo aprecia, só é produzido em regiões de clima quente, requer longa e laboriosa manipulação desde a plantação até a xícara. Com todos esses senões, parecia destinado ao papel de bebida exótica, daquelas que se reservam pra ocasiões especiais. No entanto, por razões difíceis de explicar, tornou-se a bebida mais consumida no planeta, exceptuada a água.

Originário da Etiópia, tem visto seu consumo crescer vertiginosamente. Duzentos anos atrás, a produção mundial girava em torno de um milhão de sacas por ano. Atualmente, colhem-se mais de cem milhões de sacas de sessenta quilos, um aumento exponencial. São seis milhões de toneladas de grãos, uma enormidade!

Com 30% do total mundial, o Brasil é, de longe, o maior produtor. Seguem-se o Vietnã, a Colômbia, a Indonésia, a Etiópia. Em nosso país, já faz tempo que o café deixou de ser o maior produto de exportação. No entanto, em pequenos países africanos como a Etiópia, Burundi ou Ruanda, a rubiácea responde pelo grosso do comércio exterior.

Uma curiosidade pouco divulgada é o fato de cinco empresas serem responsáveis pela compra de metade da produção mundial. São três multinacionais americanas, uma alemã e uma suíça (Nestlé). Essa enorme quantidade de café destina-se tanto a ser vendida em grãos quanto a ser transformada em café solúvel.

Engana-se quem imagina que os brasileiros sejam grandes bebedores de café. Considerando o consumo por habitante, os países escandinavos estão bem lá na frente, seguidos pelos europeus do norte (Holanda, Alemanha), logo acompanhados por suíços, austríacos e italianos. Americanos e canadenses também consomem quantidade considerável de café. Até o argentino toma mais café que o brasileiro.

Tradicionalmente, os produtores brasileiros privilegiaram a quantidade em detrimento da qualidade. Essa despreocupação com a excelência desembocou em situação peculiar: apesar de ser o maior produtor, o Brasil não é conhecido pela superioridade de seus grãos. Cafés de alta qualidade provenientes da Colômbia ou de pequenos países da América Central são vendidos, no mercado internacional, a preços bem superiores aos do café brasileiro.

Mas a situação está evoluindo. Fazendo eco ao anúncio de pequenos produtores mineiros e capixabas, a imprensa francesa informou estes dias que cafés especiais estão sendo colhidos nas encostas da Serra do Caparaó. São grãos de qualidade superior, plantados em altitudes superiores a mil metros ‒ a exemplo do que ocorre na Etiópia.

Dado que a produção ainda é modesta, dezenas de compradores americanos e europeus estão na fila de espera. Enquanto a demanda mundial de café comum tem aumentado 2% estes últimos anos, a procura por cafés especiais cresce num ritmo de 10% a 15% a cada ano. Tudo isso traz a prova de que vale a pena investir na melhora do produto. Quantidade é bom, mas qualidade é melhor ainda.

Importação de café

José Horta Manzano

O Vietnã nos parece distante e pouco importante. Distante é, sem dúvida. Já sua importância não é assim tão pequena. Com superfície menor que a do Estado de Goiás, abriga mais de 90 milhões de pessoas. É gente pra caramba.

O país tem história movimentada. Desde a Antiguidade, o território fértil atraiu a cobiça de vizinhos e aventureiros. Da China vieram os primeiros conquistadores forasteiros. Em meados do século 19, a França encontrou um pretexto para invadir e anexar parte do território à qual deram o nome de Cochinchina, a região sul do país. Em 1940, a invasão japonesa pôs termo a um século de dominação francesa.

cafe-7Depois da rendição nipônica, em 1945, os franceses insistiram em retormar a colônia perdida. Mas a resistência foi tão feroz que, menos de 10 anos mais tarde, os europeus desistiram e se retiraram. Subestimando a capacidade de se defender inerente aos vietnamitas, os americanos resolveram entrar na dança. No começo dos anos 60, enviaram tropas. A intenção declarada era liberar o Vietnã do regime comunista. A luta, feroz, durou uns dez anos. Ao final, como já tinha acontecido com chineses e franceses, também os americanos tiveram de abandonar o combate. O último soldado deixou o prédio da embaixada dependurado num helicóptero.

Desde então, o Vietnã é, pelo menos oficialmente, país comunista de partido único. Mas, sacumé, já não se fazem comunismos como antigamente. Está aí o exemplo chinês que não nos deixa mentir. Estes últimos anos, o país tem crescido a taxas chinesas. O turismo representa bem-vinda entrada de divisas. A criação e exportação de camarões e de peixes criados em cativeiro é outra atividade importante. Todas essas são conquistas que não vieram por acaso, mas à custa de muito trabalho e esforço.

Café 5Trinta anos atrás, enquanto um terço da produção mundial de café era garantida pelo Brasil, o Vietnã era «traço» na estatística ‒ a plantação não supria nem o consumo interno. Valendo-se do clima favorável, dedicaram força e aplicação para estender o cultivo. Atualmente, enquanto o Brasil continua produzindo um terço do café mundial, o Vietnã progrediu vertiginosamente e alçou-se à segunda posição. Colhe o equivalente a metade da produção brasileira.

Problemas climáticos prejudicaram a colheita brasileira nos últimos três anos. Como resultado, o maior produtor mundial vê-se na obrigação de importar café para suprir sua indústria de café solúvel. Nossas autoridades não tiveram outro remédio senão autorizar a importação de um milhão de sacas de 60kg de café vietnamita daqui até maio.

Os vietnamitas estão surpresos e encantados. Não bastasse ter vencido e expulsado franceses e americanos ‒ o que já não é coisa pouca ‒, vão agora exportar café ao Brasil, uma façanha e tanto! A mídia do país dá a notícia com orgulho não disfarçado.

O efeito George Clooney

José Horta Manzano

Você sabia?

Ninguém jamais assistiu, em terra suíça, ao belíssimo espetáculo de um cafezal em flor. Por uma razão simples: nestas terras, nem em se plantando, não tem jeito: café não dá, nem com reza braba.

cafe-7Cascatinha & Inhana, dupla caipira bastante popular meio século atrás, cantou a beleza de uma plantação de café, o grande produto de exportação do Brasil de então. Durante décadas, a venda do «ouro verde» garantiu praticamente a totalidade das vendas brasileiras ao exterior. Ainda hoje, o Brasil é o maior cultivador de café do mundo. Reparem que eu disse cultivador. Foi de propósito.

Na Suíça, não se planta café. O grão é importado, transformado e reexportado com impressionante mais-valia. E o fenômeno, relativamente recente, cresce ano após ano. As exportações suíças de café processado têm aumentado exponencialmente. As estatísticas de 2013 assinalam que o país exportou 65,5 toneladas naquele ano, perfazendo um valor total de 2,2 bilhões de dólares.

cafe-6Em valores, as vendas suíças de café equivalem a três vezes as vendas de chocolate e a quatro vezes as exportações de queijo. E como é possível? Com bom humor, atribui-se o milagre ao «efeito George Clooney». O distinto leitor há de ter visto ou ouvido falar da máquina Nespresso, genial criação popularizada pela multinacional suíça Nestlé. Falo daquela cafeteira que utiliza pó de café acondicionado em cápsulas coloridas. O ator americano George Clooney é o garoto-propaganda. É importante saber que todas as cápsulas de café Nespresso são fabricadas na Suíça. Uma ínfima parte é para consumo interno, o resto serve para abastecer o planeta.

Chegamos à paradoxal situação em que países plantadores (e exportadores) de café acabam reimportando o produto transformado e espremido dentro de cápsulas de alumínio.

george-clooneyO café verde, que o Brasil despacha em sacas de 60kg, vale por volta de 2,50 dólares o quilo. Uma vez encapsulado o produto, o valor salta para 33,50 dólares o quilo.

Como se diz por aqui, «en Suisse on n’a pas de pétrole, mais on a des idées» ‒ na Suíça, não temos petróleo, mas temos ideias. Ou, para utilizar o bordão de George Clooney: Nespresso, what else?

A brasilidade em tempos de folia

Myrthes Suplicy Vieira (*)

O que define a brasilidade aos olhos de um estrangeiro?

Futebol 3Eu diria que, se fossemos investigar há algumas décadas como outros povos conceituam nossa cidadania, três fatores seriam elencados em uníssono: futebol/Pelé, café e samba. O tempo passou, muita coisa mudou sob nosso céu de anil e outras percepções foram sendo agregadas para ajudar a formar um painel ilustrativo de nosso país varonil: exotismo tropical (sol, calor, belas paisagens de praia, campo e florestas), povo amistoso, alegre, tolerante e musical, belas mulheres desinibidas e semidesnudas, etc.

Décadas mais tarde, nuvens de chumbo passaram a cobrir os céus deste paraíso tropical e o quadro geral ganhou contornos tenebrosos para além de nossas fronteiras: o lar da corrupção, o campeão no ranking da insegurança pública, o berço das mais diversas endemias e epidemias, o abrigo de malfeitores internacionais, anão diplomático, o lugar no qual a elite é perversa e o povo é domado. Constrangedor, não é? Mas, tudo bem, deixa estar. Afinal, minha gente, é Carnaval! Vamos para a rua festejar!

by Fabio Teixeira, desenhista carioca

by Fabio Teixeira, desenhista carioca

Para os que não sabem o que isso significa no contexto do imaginário nacional, eu explico: antes de mais nada, Carnaval é o espaço da fantasia, da utopia e da autoafirmação nacional. Durante quatro dias, a pirâmide social se achata, papéis sexuais são invertidos, o machismo é suspenso temporariamente, a hipocrisia social desmancha-se no calor dos corpos em êxtase. O país todo se detém mesmerizado para assistir à deslumbrante parada de luzes e sons. Economia e política perdem totalmente seus significados. Não há “sofrência” amorosa que se sustente, não há negativismo capaz de toldar a alegria geral, não há preocupação com o futuro capaz de desbotar as cores da festa. Tudo o que se quer é que o mundo inteiro caia de joelhos diante de nossa criatividade, nossa genialidade, nossa capacidade de superação. Vira-latas são mais belos, mais resistentes, mais amorosos e mais simpáticos do que outras raças, bradamos a plenos pulmões.

Entender um brasileiro que não goste de Carnaval, que não se sinta tentado a jogar tudo para o alto e cair de boca na folia, é coisa que gringo nenhum consegue fazer. Cá para nós, também não há brasileiro que não pense que seus compatriotas avessos ao samba são ruins da cabeça ou doente dos pés. Pois bem, feliz ou infelizmente, esse é o meu caso.

Café 5Trancafiada em casa, tento fazer de conta que o mundo é normal lá fora. Ligo a televisão, ansiosa para mergulhar de cabeça em outra dimensão que exale um pouco de racionalidade, sensatez e compostura. Ledo engano! A mercadoria que você procura não está disponível no momento, alertam todas as emissoras, inclusive os assim chamados canais educativos. Talvez seja essa a época em que o pensamento único seja mais glorificado e incensado.

Nem mesmo os telejornais escapam do delírio geral. Encurtados para não atrapalhar a cobertura dos desfiles nas principais capitais, eles passam atabalhoadamente de um tema para outro, sem aprofundar nenhum. Terremoto atingiu cidade no interior de Mato Grosso? Ai, que hora mais ingrata para acontecer isso! Dilma se suicidou para evitar a cassação? Nossa, não esperava por isso, mas prometo que na Quarta-feira de Cinzas vou entrar na internet para ver os detalhes do velório e as discussões sobre quem vai ser o sucessor. O Lula assumiu que se lambuzou todo com o melaço que nunca havia comido antes e entrou para um convento franciscano, doando todos os seus bens para a caridade? Poxa, se ele tivesse feito isso antes eu ainda votaria nele! O Papa Francisco assumiu que é gay e decretou que, de agora em diante, só haverá mulheres à testa da igreja? Que bom, eu sempre achei esse cara sensacional, mesmo ele sendo argentino. O dólar foi cotado a 8 reais e a CPMF foi aprovada? Isso não me abala em nada, eu já tinha cancelado mesmo minha viagem para Miami.

Samba 3Nada ganha destaque, nada consegue prender a atenção do telespectador por mais de dois minutos. Uma vez transpostos os temas chatos do cotidiano, a mídia toda abre enormes espaços para o deslumbramento da rainha de bateria, para o escândalo causado por uma socialite que tirou toda a roupa em plena avenida, para a descontração dos blocos de rua. E dá-lhe festa.

Quem não se deu ao trabalho de assistir aos desfiles, não precisa se preocupar. Basta acessar a Internet para ver um resumo dos melhores momentos de cada escola, as fotos mais constrangedoras, as chamadas mais empolgantes do que ainda está por vir. Nas redes sociais, bem ao lado das fotos da participação doméstica na folia, comentários irados de quem dela não fez parte: Já imaginou uma multidão dessas saindo às ruas para protestar? Por que as mulheres aceitam fazer esse papel? Depois se queixam da violência…

Carnaval 1Quer um conselho? Não tente entender nem explicar nada, nem para os moralistas de plantão nem para os estrangeiros atônitos. Somos secularmente o país da improvisação. Depois damos um jeito de colocar a casa em ordem de novo.

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Supersaco

José Horta Manzano

Você sabia?

Café 3Faz setenta ou oitenta anos, a economia brasileira era baseada na cultura do café. A pauta de exportação dependia desesperadamente da cotação da rubiácea, como se costuma dizer. A crise de 1929, que empobreceu boa parte do mundo desenvolvido, foi catastrófica para nosso país. Da noite pro dia, os preços do café em grão desabaram.

Assim como países que produzem petróleo em grande volume têm seu Ministério do Petróleo, o Brasil teve o IBC ‒ Instituto Brasileiro do Café, autarquia que regulava produção, promoção e comercialização do produto. Só desapareceu em 1989.

Bolsa Oficial do Café (hoje Museu do Café), Santos (SP)

Bolsa Oficial do Café (hoje Museu do Café), Santos (SP)

Até os anos cinquenta, curiosa situação persistia: embora fosse o maior produtor mundial, o Brasil exportava grão e importava café solúvel. As latinhas vinham da Europa, fabricadas nas usinas suíças e francesas da Nestlé. É que nosso mercado não estava preparado para a novidade. O preço que o consumidor pagava pela bebida era baixíssimo, a ponto de desestimular todo investimento em fabrico de café solúvel.

O tempo passa, as coisas mudam. O distinto leitor deve ter ainda na memória o tradicional saco de aniagem (ou de juta, se preferir) que servia para o transporte dos grãos. Comportava 60 quilos de café e era carregado nas costas, tanto no galpão do atacadista quanto na estiva. Mas isso era nos tempos passados.

Estivador 1Leio no portal francês Zone Bourse, especializado em assuntos econômico-financeiros, que as velhas embalagens, símbolo do transporte de café por mais de dois séculos, estão em via de extinção. Vão sendo, pouco a pouco, substituídas por empacotamento à base de matéria plástica. As sacas de 60kg sobrevivem, mas vão perdendo terreno para grandes embalagens de uma tonelada ‒ e até para superfardos de 20 toneladas! ‒ feitos de polipropileno e de polietileno.

Supersacas

Supersacas

Longe de decorrer de preocupações ecológicas, a razão da mudança é puramente comercial. Para encher um contêiner com sacas de juta de 60kg, é necessário o trabalho de nove homens durante uma hora. Se o café estiver embalado em supersacos, o mesmo trabalho pode ser feito em apenas 25 minutos por um homem só ao volante de uma empilhadeira.

Aceita um cafezinho, patrão? Passado na hora!

Falam de nós – 3

0-Falam de nósJosé Horta Manzano

A desgraça de uns…
Os danos causados pela seca que assola boa parte do território brasileiro não se resumem à falta d’água para consumo humano. A região cafeeira do Brasil, situada dentro da zona climaticamente perturbada, também se ressente do desregramento climático.

O Brasil é o maior produtor mundial de café. A safra 2014-2015 foi afetada pela ausência de chuva, fato que causou aumento de preço da rubiácea no mercado mundial. Prevê-se que a safra 2015-2016 vá pelo mesmo caminho.

Café 2Quem ganha com isso são os demais países produtores. Entre eles, a Etiópia – mencionada em reportagem do Portal RFI (Radio France Internationale). Este ano, as exportações etíopes cresceram 6% em volume e 34% em valor justamente devido à valorização advinda da raridade do produto.

A Etiópia agradece a São Pedro.

Interligne 28aPiscina com suástica
A propagação da notícia da piscina catarinense azulejada com suástica ecoou mais fortemente em dois países: Alemanha e Israel. É compreensível.

Tanto o jornal israelense Haaretz quanto o alemão Bild deram destaque à bizarra notícia. (Já comentamos o assunto no posto Símbolos horizontais.)

Interligne 28aRapina
A palavra, que significa roubo praticado com violência, é pouco utilizada no Brasil. Preferimos assalto. Tanto faz, o crime é o mesmo.

Assalto 1O Corriere Adriatico, jornal regional da Itália, traz a notícia do susto pelo qual passaram dois médicos italianos em visita ao Brasil. Tinham vindo participar do Congresso Mundial de Alergologia, no Rio de Janeiro. Um miniônibus, lotado com médicos italianos, foi assaltado, logo na chegada ao Rio, no caminho do aeroporto ao hotel. Assalto cinematográfico, com direito a arma apontada para a cabeça do motorista. O guia levou uma coronhada, e os médicos foram aliviados de seus pertences de valor – dinheiro, cartão de crédito, celular, relógio.

Benvenuti in Brasile!

Interligne 28aOlho vivo, chineses!
O Portal China Daily relata a formação que está sendo oferecida a representantes de companhias chinesas que tencionam se instalar no Brasil. Há muitas firmas na fila. Um grupo brasileiro especializado em aconselhamento de investidores estrangeiros está encarregado de informar e formar os principiantes.

Chinês 2Entre as dicas, os chineses aprendem que, no Brasil, o cipoal legal é denso. É imprescindível que todo contrato seja examinado por advogados e fiscalistas antes do jamegão.

Os potenciais investidores são também alertados para falsas promessas feitas pelos Estados. São incitados a tomar extremo cuidado com bondades do tipo terreno grátis, favores fiscais, aluguéis a preços de pai pra filho. Podem cair em cilada.

Interligne 28a

Lá não exatamente como cá

José Horta Manzano

Antigamente, exportávamos café. Chegada a industrialização, incrementamos o comércio exterior vendendo chuveiros elétricos para a África e automóveis Passat para o Iraque.

A partir dos anos 1990, começamos a exportar gente. Levas de brasileiros sem formação partiram à conquista do mundo, numa onda migratória que não deixa de lembrar a dispersão de europeus pelo mundo 100 anos antes. Todos empurrados pelo mesmo aperto.

Um novo ítem está pronto para entrar na pauta de exportação: nossa vasta expertise em assaltos coletivos. Temos lá ampla experiência, um know-how preciso e precioso, ainda longe do alcance de todo o mundo, como se verá.Interligne 23

O profissionalismo
Em parcas linhas, a Folha de São Paulo nos informa que 3 bandidos puseram suas mãos à obra em frente ao Aeroporto de Congonhas ― um dos campos de pouso mais movimentados do País. Promoveram um arrastão e levaram os pertences de pelo menos 5 pessoas. Em seguida, escafederam-se.

O caso foi registrado no distrito, mas nenhum dos agredidos julgou útil comparecer à delegacia para formalizar queixa. Ponto para os bandidos, que provavelmente jamais serão identificados. Isso é trabalho bem feito.

Interligne 23

O amadorismo

Bandido mascarado

Bandido mascarado

Este mesmo fim de semana, 4 bandidos aprendizes tiveram a brilhante ideia de levar a cabo um arrastão num restaurante chinês da região parisiense. O acontecimento, fora de moda desde a invasão dos bárbaros, mereceu colunas inteiras de todos os grandes quotidianos franceses. Rádio e televisão não deixaram de noticiar um dos primeiros exemplos da nova e exótica modalidade de crime.

A prova de que os autores do «malfeito» desconhecem o moderno jeito brasileiro de arrastar e continuam confinados ao modus faciendi do século XIX é o fato de se apresentarem mascarados. Fica clara a influência da bandidagem de cinema, popularizada por Holywood desde os anos 30. Isso é coisa de jovens que assistiram demais a programas de tevê.

Caubói mascarado

Caubói mascarado

Imaginem que, para preparar o ataque, os quatro haviam roubado um automóvel na tarde do mesmo dia. Eu disse roubado, não furtado: fizeram descer a proprietária com seu bebê nos braços e levaram o carro.

Terminado o arrastão, os aprendizes não encontraram nada melhor a fazer do que abandonar e incendiar o carro roubado, bem no bairro onde viviam. Espertos, não? Fogaréu, correria, gritos, espanto. Alertada, a polícia chegou rápido, extinguiu as chamas, interrogou testemunhas. Três dos larápios foram logo presos. O quarto, parece história cômica, havia esquecido seus documentos dentro do carro roubado. É de dar dó, coisa de principiantes, tsk, tsk. Não precisou nem a polícia procurar. O elemento se dirigiu ao distrito e se entregou de livre e espontânea vontade.

Interligne 23

É chegada a hora de instaurar um verdadeiro programa de intercâmbio de experiências, digamos, arrastatórias. É uma questão de solidariedade companheira, de dar a mão a quem precisa.

Afinal, o Brasil, que já atingiu patamar de total desenvolvimento e de excelência nesse quesito, tem obrigação moral de prestar assistência a bandidos emergentes como esses da França.

A desigualdade entre as duas sociedades está ficando insuportável.