José Horta Manzano
Não é fácil explicar por que razão uns são senhores de fortunas bilionárias enquanto outros não têm o que comer. Pode parecer paradoxal, mas miséria extrema costuma ser mais fácil de explicar do que fortuna colossal.
Miséria é consequência da associação de múltiplas causas. Um coquetel que agrupe rudeza climática, ignorância, má gestão, ausência de Instrução Pública e corrupção tem cem por cento de risco de engendrar bolsões de miséria ‒ se não for miséria generalizada.
Já fortunas descomunais são mais difíceis de explicar. O mais das vezes, são fortunas antigas, dessas que passam de pai para filho, geração após geração. Em casos assim, as origens do enriquecimento se perdem na poeira do passado. A coisa pode vir de séculos atrás e ser resultado de crescimento paulatino.
É ainda mais complexo desvendar os mistérios que se escondem por detrás de fortunas recentes, fermentadas subitamente. As eleições americanas, previstas para daqui a alguns dias, me fazem refletir sobre o assunto. De fato, Mister Trump, um dos candidatos, é podre de rico, como se costumava dizer. Segundo institutos especializados em medir riqueza alheia, é dono de quatro bilhões de dólares ‒ uma baciada de dinheiro pra ministro nenhum botar defeito.
Relatos biográficos do personagem pipocam aqui e lá. Pelo que se lê, o pai não era nenhum joão sem-terra, ainda que não chegasse a ser propriamente um nababo. O grosso da fortuna foi amealhado pelo atual candidato. Não se deve atirar pedra sem ter certeza, mas é permitido desconfiar que os bilhões de Mister Trump sejam em boa parte resultado de acertos, jeitinhos e truques pouco ortodoxos. Por mais que trabalhe direito, cumpra suas obrigações e pague seus impostos, dificilmente um cidadão comum chegará a poupar quatro bilhões de dólares.
Como se não nos bastassem nossos corruptos nacionais, que já são numerosos e bastante ativos, eis que nos surge um importado! Não acreditam? Pois doutor Anselmo Henrique Cordeiro Lopes(*), procurador da República, declarou estes dias o seguinte:
«A respeito do grupo econômico The Trump Organization, verificamos que este também foi beneficiado por meio de investimento do FI-FGTS no Fundo de Investimento Imobiliário (FII) PM (Porto Maravilha), que foi veículo de investimento para aporte de recursos na Trump Towers Rio, e que favoreceu, de forma suspeita, o grupo econômico The Trump Organization»
A sintaxe, mesmo tortuosa, deixa entrever um rasgo de verdade: o contribuinte brasileiro, além de ser esfolado pelos corruptos da terra, ainda leva uma bicada de populistas estrangeiros. Fico imaginando que seria cômico a Justiça brasileira se debruçar sobre medalhão americano. Normalmente ocorre o contrário: é a Justiça de lá que ajuda a encurralar os de cá.
Também, de um indivíduo cuja assinatura apresenta traços de confusão, de aspereza, de forte agressividade e até de tendência à perfídia, o que é que se poderia esperar?
(*) O procurador Cordeiro Lopes é bacharel em Direito pela USP. É mestre e doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Sevilha.