Café frio

José Horta Manzano

Em dezembro de 2018, um mês antes de passar a faixa a Bolsonaro, o presidente Temer foi enfático ao confirmar a historinha do café frio que costuma ser servido aos presidentes em fim de mandato. “A história do café frio é uma verdade absoluta” – disse ele. Em seguida, emendou-se e garantiu que o café dele “ainda estava sendo servido quente”. Decerto um eufemismo.

A pitoresca imagem foi criada há décadas. É bastante explícita. Passadas as eleições, já se conhece o nome de quem ocupará o trono pelos quatro anos seguintes. O presidente sainte (=que está de saída) já não manda muito, fato que diminui a motivação de garçons, serviçais, faxineiros, atendentes e aspones em geral para atender a seus chamados.

Dado que, tirando os devotos, todos preferimos dar mais crédito ao Datafolha que ao Datapovo, já entendemos que, a não ser que aconteça um milagre, o mandato do capitão não será renovado. Nesse “nós” há muita gente incluída: você, eu e até bolsonaristas de carteirinha que estão deixando de pagar as mensalidades do clube.

Um deles deu na vista estes últimos dias. É o togado André Mendonça, o “terrivelmente evangélico” nomeado por Bolsonaro para ocupar uma cadeira no STF. Nos primeiros tempos, o feliz ministro vitalício votou em concordância com os interesses do governo e fez o que pôde para agradar ao padrinho. Mas o tempo passa, a Terra gira e… chega um dia em que o café começa a esfriar.

Todo o mundo ficou sabendo da compra de uma baciada de imóveis pelo clã Bolsonaro com dinheiro vivo. Como se deve, esse relato ficou em exposição no Portal UOL, à disposição do distinto público. Um dos bolsonarinhos, aquele que é senador, requereu à Justiça que a informação fosse retirada do ar. Um desembargador obsequioso determinou que os vídeos fossem retirados.

Foi aí que entrou em cena nosso ministro “terrivelmente evangélico”. Com uma argumentação cristalina e bem estruturada, cassou a decisão do desembargador e permitiu que a informação que cutuca o clã presidencial continue disponível, com todo o detalhe da negociata.

Pode-se imaginar o baque que terá levado o clã. A explicação é que André Mendonça, o pastor ministro, parece já ter virado a página do bolsonarismo. Numa era pós-bolsonárica, não pretende continuar como um elétron solto, um zumbi esquecido de um pesadelo que já acabou. Quer pisar em 2023 como ministro normal, no mesmo nível de prestígio dos demais.

Seja como for, Sua Excelência está ajudando a soprar o café do presidente. Que, a estas alturas, já deve estar gelando.

Em dinheiro vivo

José Horta Manzano

Levantamento feito pelo UOL dá conta das atividades do clã Bolsonaro no mercado imobiliário. A família é mais ativa do que muito escritório imobiliário por aí. Nos últimos trinta anos, Jair (deputado, depois presidente), irmãos e filhos transacionaram um total de 107 imóveis. Pra quem não é do ramo, é um currículo apreciável.

Só que tem um particular: entre os imóveis comprados, 51 foram pagos parcial ou inteiramente em dinheiro vivo. Fazendo as contas e atualizando os montantes pela inflação, dá o estonteante total de R$ 26,5 milhões. Em notas, talvez transportadas numa sacola e empilhadas no balcão. Sabe que espaço é necessário pra armazenar R$ 26,5 milhões? Um quarto cheio.

Nestes tempos de judicialização extrema, a imprensa trata o assunto com luvas de pelica. Os textos saem com expressões cautelosas, aspas e verbos no condicional: “suposta lavagem de dinheiro”, “teria sido gasto”, “poderia tratar-se de rachadinha”, e por aí vai.

Dado que Seu Lobo não chega aqui, tiro as aspas, dispenso o condicional e digo o que penso: está evidente que o dinheiro provinha de negócios subterrâneos, que não podem ser expostos à luz do meio-dia. Rachadinha? Pode ser, se bem que os montantes me parecem elevados demais. Cobrança de proteção garantida por milicianos? Vai saber. Extorsão, chantagem ou outros crimes graves? É permitido cogitar.

Bom, não vamos aqui entrar no mérito da questão. De toda maneira, qualquer denúncia será abatida em voo pelo aparato de segurança que (ainda) protege o capitão. Eu queria é comentar a naturalidade com que esse negócio de pagamento em dinheiro ocorre no Brasil, enquanto, em terras mais avançadas, não existe.

Nos países da Europa ocidental, é simplesmente proibido comprar imóvel com dinheiro vivo. O pagamento tem de transitar necessariamente por um banco. Essa regra, em si, já é um grande passo em direção à transparência. Um cheque ou uma transferência bancária deixam rastro indelével. A todo momento, pode-se saber quem pagou e de que conta saiu.

Ainda que o comprador tivesse – pode acontecer – o dinheiro do pagamento armazenado em malas ou em cuecas, não adianta: terá de depositar o montante numa conta bancária e só então mandar fazer a transferência. Só que, nesse caso, surge novo problema. Hoje em dia, é complicado depositar grandes quantias no banco. Tem de justificar, com prova documental, a origem do dinheiro. Se o depositante não conseguir provar a origem, o banco não aceitará o depósito.

Há mais porteiras para cercear o florescimento de uma economia subterrânea, como o caso dos Bolsonaros parece denunciar. No entanto, pra começar a drenar esse pântano em que se movimentam criminosos de toda espécie, as duas primeiras medidas já seriam bem-vindas:

1. Que se proíbam transações imobiliárias em dinheiro vivo.

2. Que se determine aos bancos investigar a origem de depósitos em dinheiro a partir de um determinado montante.

É verdade que estamos caminhando para um mundo desmonetizado, em que notas de dinheiro estão entrando em via de extinção. Daqui a duas décadas, rolos como esse dos Bolsonaros (e de tanta gente mais) não serão possíveis. Mas não custa dar um empurrãozinho no destino e começar desde já a apertar a porca.

Malas e cuecas vão assim voltar a ser destinadas à finalidade para a qual foram concebidas.

A novela dos apartamentos

José Horta Manzano

A novela dos apartamentos comprados a dinheiro pelos Bolsonarinhos tem causado espanto – se é que algo ainda causa espanto na política brasileira.

Acho engraçado a gente dizer «dinheiro vivo», expressão que faz pressupor a existência de hipotético ‘dinheiro morto’. Bem, era só uma observação. Não vamos mexer em vespeiro, que vespa pode picar.

O clã Bolsonaro tem mostrado forte preferência por investir em imóveis, pagando sempre com ‘dinheiro vivo’. É curioso. Se o Brasil fosse um país nos conformes, uma denúncia desse tipo seria objeto de investigação imediata, profunda e minuciosa. Caso se descobrisse que a origem do ‘dinheiro vivo’ era ilícita, o caso terminaria num tribunal criminal. Com condenação garantida.

Sabe-se que o Brasil não é muito dado a investigações minuciosas; sabe-se também que ver gente graúda responder pelos crimes cometidos é raridade. A cada dia, tem-se a impressão de que a Operação Lava a Jato foi uma excrescência, um ponto fora da curva. Portanto, é melhor tirar o cavalo da chuva.

Há um aspecto nessa história que me deixa perplexo. É justamente o fato de os membros do clã darem preferência a investir em imóveis o fruto de sabe-se lá que ilícitos. Um conhecido meu, de profissão contador, costuma dizer que é sempre mais fácil esconder um maço de notas do que um imóvel. Decerto, os Bolsonarinhos nunca pensaram nisso.

Paulo Maluf, um dos mais obstinados ladrões de dinheiro público que o país conheceu, já tinha aprendido, desde mocinho, que dinheiro roubado se guarda lá fora. Se foi apanhado, é porque exagerou, foi além dos limites. (Até para assalto ao erário, há que ser razoável.)

Os membros da quadrilha lulopetista, que também meteram a mão nas burras do Estado e enriqueceram com nosso dinheiro, tinham mais imaginação. Tirando uns poucos que preferiram receber o fruto do assalto em ‘dinheiro vivo’ e guardá-lo em malas, o grosso dos malandros despachou o tutu para portos seguros no exterior. Em seguida, terão investido em ações, ouro, platina, minas de cobre na Sibéria, garrafas de Bordeaux, obras de arte, coisas assim. Mas nada de apartamento no Rio de Janeiro, que ninguém é besta.

Os lulopetistas sabiam disso. Os Bolsonaros, ao que se vê, não sabiam. Devem fazer parte do que a gente costuma chamar de ‘ladrão pé de chinelo’.

A acreditar nas revelações da imprensa, é permitido deduzir que o clã se dedicou a práticas criminosas. Tivessem procurado a expertise de peritos no assunto, não estariam agora em apuros. Vai ficando cada dia mais claro que a família sofre, de fato, de pesado déficit de inteligência.

Gosto muito de histórias de ladrões como Arsène Lupin e outros ladrões de casaca. Não devo ser o único a apreciar as aventuras desse tipo de personagem, visto o número de filmes e livros em circulação. Quando se mergulha numa história dessas, a cada sequência, a gente vibra pelo ladrão. Sem se dar conta, a gente sucumbe ao magnetismo e à simpatia do elegante personagem.

Apesar de ser ilegal apropriar-se do que pertence ao alheio, quando a elegância convence e o charme opera, fica impossível resistir: nossa torcida vai inteira para o personagem. A cada vez que a polícia ameaça descobrir o herói e mandá-lo para detrás das grades, sentimos um frio na barriga.

No caso dos assaltantes do erário via sistema de rachadinhas – prática na qual a família Bolsonaro parece ter-se especializado – a gente torce mesmo é para a polícia.

Lavar, anilar e quarar

José Horta Manzano

Aqui no mundo em que vivo, nem tudo funciona exatamente como no Brasil. A principal diferença, mãe de todas as outras, é o nível de educação cívica. Considerando-se que o Brasil é grande, populoso e atingiu nível razoável de industrialização, é surpreendente que o povo ainda viva como se estivéssemos nos tempos coloniais, cada um por si, num mundo em o mais forte vence, e a garrucha faz a lei. Há algo de anacrônico aí. As dimensões do país e sua economia não combinam com esse embotamento social.

Muita coisa me parece fora de esquadro. Uma delas, problema que ressurge frequentemente no noticiário, é tão fácil de resolver, que eu me pergunto o que estão esperando para modificar as regras. Trata-se de compra de imóvel «em dinheiro vivo». A toda hora, um caso desse tipo deixa todos desconfiados. Mas fica tudo por isso mesmo.

A pergunta é: por que razão um cidadão dispensaria o sistema bancário para pagar com maços de dinheiro? Há nessa opção algo de muito estranho. Se esse tipo de operação ocorresse em outras terras, levantaria uma bandeirinha vermelha e incitaria o fisco a fazer uma devassa na contabilidade dos dois: vendedor e comprador. No Brasil, isso não parece comover ninguém.

Na maior parte da Europa, é simplesmente proibido pagar um imóvel com dinheiro vivo. Tem de ser por via bancária. E tem mais. O vendedor não entrega o dinheiro diretamente ao comprador. O ritual determina que passem por um intermediário; dependendo do país, será um tabelião, um cartório ou um notário. É esse personagem quem recebe o importe em sua conta bancária, retém os impostos devidos ao fisco e entrega o montante líquido ao comprador. Em seguida, cabe a ele notificar o Registro de Imóveis para a averbação do negócio.

Eu me pergunto por que é que não instituem um sistema assim no Brasil. Se for muito complicado, que se proíba pagamento de imóvel em ‘dinheiro vivo’ – já estaria de bom tamanho. Rolos como os que envolvem nosso presidente e seus filhos, por exemplo, desapareceriam.

É verdade que todo bandido é criativo. Acabariam descobrindo outra maneira de lavar, anilar e quarar dinheiro sujo. Mas essa porta, pelo menos, estaria fechada e condenada.

Acho que, lá no alto, ninguém está interessado em resolver o problema. Cá embaixo, esse tipo de traficância é desconhecido, e é por isso que não desperta interesse em ninguém. Afinal, quem é que vai levar malas de dinheiro pra comprar casa?

Portanto, nada há de mudar tão cedo. Enquanto o nível de educação cívica não tiver subido, a lavanderia continua aberta. Só não lava dinheiro quem não tem. Já que a situação atual agrada aos de lá e não atrapalha os de cá, fica tudo como está.

Publicado também no site Chumbo Gordo.

Uma pergunta

Ascânio Seleme (*)

Por que pessoas que operavam no mercado sofisticado de bitcoin guardavam quase R$ 100 mil em dinheiro vivo dentro de um armário? Não existe a menor possibilidade de alguém comprar a moeda digital mandando reais pelos Correios. Carregar malas de dinheiro pra lá e pra cá, transportar dólares escondidos na cueca e guardar cédulas em caixas dentro de casa é mais parecido com coisa da história recente da corrupção nacional.

(*) Ascânio Seleme é jornalista. O texto integral foi publicado n’O Globo de 28 julho 2019.

Nota de 500 euros

José Horta Manzano

Você sabia?

Povos diferentes têm tradições diferentes. A diversidade se conjuga em atos e fatos do dia a dia. A ‘revolução’ provocada pelo aparecimento dos cartões de crédito, nas últimas décadas, não teve efeito uniforme. Em alguns países ‒ os EUA em primeiro lugar ‒ a novidade entrou rapidamente nos hábitos. Em outros, foi olhada com alguma desconfiança.

Na Europa, não foi diferente do resto do mundo. Enquanto a maioria dos países reservou boa acolhida ao novo meio de pagamento, outros foram mais reticentes. Na França, por exemplo, o cartão teve dificuldade em mandar o cheque pra escanteio. Até hoje, boa parte dos cidadãos franceses prefere tirar o talão de um bolso, a caneta de outro, os óculos do estojo, preencher o chequinho, assinar, entregar para conferência.

A Alemanha, a Áustria e a Suíça sempre tiveram especial apego ao dinheiro vivo. Carregar na carteira certo montante em notas e moedas é costume nacional que nem o cheque nem o cartão de crédito conseguiram desbancar. Na Alemanha e na Áustria, a introdução do euro não afetou o velho hábito. Berlinenses e vienenses continuam preferindo pagar com cédulas.

O desamor que os demais sentem pelo dinheiro vivo é visível no fato de a imensa maioria dos europeus nunca ter tido nas mãos uma nota de 500 euros (2100 reais), a de maior valor. Ela não faz falta a ninguém, exceto aos alemães e aos austríacos. Na Espanha, chegou a ganhar o apelido de binladen ‒ a que todos procuram mas ninguém encontra. Em vez de servir ao honesto cidadão, a nota de 500 tem sido mais útil para doleiros e lavadores de dinheiro, daqueles que carregam elevados montantes em sacolas. Ou em cuecas.

Dezessete anos depois da introdução do euro, o Banco Central Europeu decidiu deixar de imprimir cédulas de 500 euros. As que estão em circulação serão retiradas à medida que passarem por um estabelecimento bancário. Sem desaparecer totalmente, vão escassear nos próximos anos. No entanto, se o distinto leitor tem alguma cédula de 500 euros escondida debaixo de uma pilha de camisas não se alarme: ela não vai perder validade. Se comerciantes se recusarem a aceitá-la, lembre-se que bancos continuarão a reconhecer-lhe o valor indefinidamente.

Entendo que essa nota seja de pouco uso e que esteja mais servindo a interesses escusos. No entanto, visto que alemães e austríacos são apegados ao dinheiro vivo, a decisão de descontinuar sua produção me parece injusta. Mal comparando, seria como se se deixasse de fabricar telefones celulares sob o pretexto de eles estarem sendo utilizados por traficantes de droga. Há outros meios para combater lavagem de dinheiro.

Que se veja o caso brasileiro. O baixo valor das notas de real ‒ a de maior valor (100 reais) equivale a pouco mais de 20 euros ‒ não impediu a circulação dos bilhões afanados da Petrobrás e dos cofres públicos. O único inconveniente é que as malas têm de ser mais amplas. Ou as cuecas.

De amargar

José Horta Manzano

Tem notícias que são de amargar. Não sei se ainda se usa essa expressão, quem sabe não. Para os mais jovens, que talvez não entendam, explico. De amargar traduz um estado de espírito amargurado, chateado, contrariado, desagradado. Certas notícias nos deixam nesse estado.

A notícia que li é sobre dinheiro vivo. Falando nisso, adoro esse costume de dizer que dinheiro em espécie é dinheiro vivo. Me faz imaginar dinheiro pulando e dançando em cima da mesa. Ou da cueca, dependendo do gosto do freguês.

Manchete Estadão, 18 jul° 2018

Bom, agora chega de brincadeira, e vamos ao que interessa. Leio que as autoridades competentes vão controlar o dinheiro vivo declarado por candidatos com relação às eleições deste ano. A manchete do jornal deixa bem claro que será a primeira vez que o fisco efetua tal controle.

Não, mas… espere um pouquinho! De brincadeira estão eles! Com a corrupção que corrói este país desde que o primeiro navegante arribado subornou um índio pra receber ouro em troca, como é possível que a autoridade fiscal nunca tenha cuidado de controlar a circulação de dinheiro vivo?

Volta e meia se fica sabendo que um indivíduo portando três ou quatro mil reais foi detido para averiguações. É sinal claro de que é sempre duvidosa a honestidade de qualquer cidadão que manipule fortes somas de dinheiro vivo. Como é possível, então, que nunca tenham fiscalizado políticos?

É aquele tipo de notícia de deixar embasbacado. É de amargar.

Na cueca

José Horta Manzano

Leio n’O Globo que a Polícia Rodoviária deteve dois ocupantes de um veículo que trafegava por estrada de rodagem federal. A notícia não esclarece se era contrôle de rotina ou sob denúncia. Fato é que, no porta-malas, havia três valises recheadas de dinheiro.

Ao cabo de minuciosa contagem, os policiais constataram que as valises continham quase quatro milhões de bolívares venezuelanos, quantia que, convertida ao câmbio oficial, equivale a 2,4 milhões de reais.

Dinheiro 3Pacotes de dinheiro venezuelano viajando em porta-malas no Estado de São Paulo? A descoberta de dólares, euros, ienes ou francos suíços caberia dentro do molde habitual. Moeda venezuelana em volume industrial não se encaixa nos parâmetros. A ninguém viria a ideia maluca de fazer poupança em bolívares, a moeda mais corrída pela inflação. A origem do dinheiral é pra lá de intrigante.

Se, entre os desdobramentos diários da Lava a Jato, ainda lhe sobrar tempo e disposição, a Polícia Federal tem bons motivos para investigar nos detalhes esse achado. Aliás, ninguém se espantaria se fosse descoberta ligação entre nossos atuais escândalos político-financeiros e as malas de dinheiro venezuelano.

Os ocupantes do automóvel alegaram que a bolada provinha da venda de empreendimento imobiliário. Hmmm… Podiam também alegar ter encontrado as malas numa praia deserta, abandonadas, sem dono. Por que não?

Dinheiro 4Falando sério, a França encontrou meio de cercear essa circulação de dinheiro debaixo do pano. A lei que coíbe pagamentos em dinheiro vivo, que existe há muitos anos, está sendo reforçada. Para dificultar lavagem de dinheiro, grandes operações em espécie estão enquadradas. Veja alguns exemplos de limitação de transações em dinheiro:

Interligne vertical 17bVenda de imóvel: 10 mil euros.

Salário: mil euros.

Impostos: 300 euros.

Compra de moeda estrangeira: mil euros.

Pagamento de compra em loja: mil euros.

Acima desses montantes, só se pode pagar com cheque, cartão de crédito ou remessa bancária. Ainda que essa regulamentação não elimine todo risco de lavagem de dinheiro ilícito, cria forte empecilho. Pagamentos com cheque, cartão e remessa bancária deixam rastro. Está mais que na hora de implantar medidas rigorosas no Brasil.

Em boas mãos

José Horta Manzano

No dia 4 de julho de 2013, o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves, reconheceu que tinha «errado» ao requisitar um avião das Forças Aéreas Brasileiras para conduzi-lo de Natal ao Rio de Janeiro a fim de assistir a um jogo de futebol.

Ressalte-se que esse senhor é presidente da Câmara dos Deputados. Está em segundo lugar na linha sucessória da presidência da nação. Vem logo após o vice-presidente, antes até do presidente do Senado.

É interessante que o senhor Alves somente se tenha dado conta do «erro» depois que a mídia já tinha tornado público o escândalo. Menino travesso.

Ladrão

Ladrão

No dia 4 de julho de 2013 ― que coincidência, na mesma data! ― reportagem do Correio Braziliense informa que um secretário do senhor Alves tinha sido assaltado três semanas antes. O assalto, descrito como cinematográfico, deu-se à luz do dia, numa artéria movimentada de Brasília. Os personagens designados como assaltantes não primaram pela sutileza. Parece que procuravam se exibir diante de testemunhas, coisa estranha.

O veículo em que trafegava o assessor foi fechado por outro carro do qual dois homens desceram e anunciaram o assalto. Vasculharam o veículo do assessor e levaram uma maleta que, segundo se soube mais tarde, conteria 100 mil reais em dinheiro vivo. A história, um tanto nebulosa, foi deixada de molho desde então. Ninguém mais falou no caso.

Bisbilhoteira, a Folha de São Paulo deste 20 de julho retoma o fio da meada. Informa que os 100 mil reais que ― sempre segundo a declaração do portador ― a maleta continha pertenciam na verdade a nosso conhecido senhor Alves. Yes!, o mesmo que cometeu o «erro» de requisitar avião da FAB para seu lazer particular.

Repito que esse senhor é presidente da Câmara dos Deputados do Brasil. Não é pouca coisa.

Segundo a reportagem da Folha, o deputado mostra certa irritação com a invasão de privacidade de que se considera vítima no caso do roubo da maleta. Alega que o dinheiro contido ali era seu. Estava destinado a pagar uma prestação relativa à compra de um apartamento. Por sinal, o vendedor do dito apartamento é também deputado ― mera coincidência, certamente.

Ladrão

Ladrão

Excluídos os bancários cuja função consiste em preparar maços de notas para serem guardados em caixa-forte, é dificilmente concebível que um cidadão tenha 100 mil reais em suas mãos. Mais inacreditável é que use dinheiro em espécie para pagar uma prestação desse valor. Mais impressionante ainda é que confie a missão a uma terceira pessoa. E o auge da emoção é provocado pelo assalto em pleno dia.

Acredite quem quiser. Para mim, essa história está muito mal contada. Cada um é livre de formular sua própria hipótese. Pena que Agatha Christie já não esteja mais entre nós. Esse caso, posto nas mãos do detective Hercule Poirot, renderia um livro excepcional.

Interligne 34c

Para que fique bem claro:
Ressalte-se que o senhor Henrique Eduardo Alves é presidente da Câmara dos Deputados. Está em segundo lugar na linha sucessória da presidência da nação, logo após o vice-presidente. Nosso País, como se vê, está em boas mãos.