O Lula e a Nicarágua

Lula e Daniel Ortega, o tiranete nicaraguense

José Horta Manzano

A Nicarágua é um pequeno país da América Central, um pouco maior que Portugal e um pouco menor que o Amapá. Abriga cerca de 6 milhões de habitantes.

Pobre e vampirizado por uma classe dominante acostumada a revezar-se no poder há séculos, o país não consegue deslanchar. Vive da extração de algum minério e da agricultura. Está entre os quinze maiores produtores de café.

A família Somoza mandou e desmandou no país durante meio século, a começar dos anos 1930, instalando um desavergonhado regime dinástico, com um ditador sucedendo ao outro.

No limiar dos anos 1980, levantou-se uma revolução nacional “para acabar com tudo isso que está aí”. É estado de espírito tristemente conhecido entre nós. Quando surge um líder com esse tipo de conversa, pode apostar: vai haver muita movimentação, mas, no final, nada vai mudar. Já vimos esse filme com o Collor, com o Lula, com o Bolsonaro. Deu no que deu.

De fato, foi o que aconteceu. Um jovem Daniel Ortega era o líder daquela que ficou conhecida como Revolução Sandinista, uma guerra de guerrilha. Muita gente morreu, os EUA se meteram na confusão, mas, no final, a dinastia dos Somoza foi interrompida. O quadro guarda semelhanças com a “revolución” dos bondosos irmãos Castro, na ilha de Cuba.

Os sandinistas nicaraguenses não conseguiram tomar o poder imediatamente. Instalou-se um governo civil, não revolucionário. Mas Daniel Ortega manteve-se nas cercanias do poder, esperando sua hora. Já não tão jovem como nos tempos da revolução, conseguiu finalmente chegar à presidência pelo voto em 2006.

Eleito, tomou gosto pelo poder. Agindo como um Putin tropical, ajeitou regras e leis em causa própria, e acabou instalando um regime que não fica nada a dever à ditadura que tinha jurado combater – veja como são as coisas.

Tendo sido eleito em 2006 com mandato de 5 anos, deu um jeito de se reelejer em 2011 e de novo em 2016. Faz alguns dias, venceu sua quarta eleição seguida, para novo mandato de 5 anos. Frise-se que a vice-presidente é Rosario Murillo, esposa do tiranete, a confirmar o total domínio do clã. Considerando que ele já completou 76 aninhos, terá 81 ao término do mandato. Se chegar até lá.

Para alcançar seu objetivo eleitoral, o velho líder não hesitou em instalar o terror nos partidos de oposição. Começou seis meses atrás. Ditadorzinho descarado, mandou prender os sete adversários que poderiam representar risco para sua reeleição. Só deixou livres os cinco nanicos, que não lhe traziam perigo e que lhe eram, de certo modo, subservientes. Proibiu que observadores estrangeiros viessem conferir a lisura do voto e da apuração. Sem surpresa, venceu com 75% dos votos. Foi na semana que passou.

O mundo civilizado denunciou a farsa, mas o PT, partido do qual o Lula é presidente de honra, entrou na contramão. Soltou nota qualificando a re-re-re-reeleição de Ortega como “grande manifestação popular e democrática”. O texto ainda menciona o trabalho do ditador na “construção de um país socialmente justo e igualitário”.

Passados dois dias, diante da onda de indignação que se alevantou na imprensa brasileira, a direção do PT decidiu improvisar uma retratação. Doutora Gleisi Hoffmann jura de pés juntos que o primeiro texto não tinha sido submetido à apreciação da diretoria. Portanto, ficava o dito pelo não dito. O quê? Que uma nota daquele teor tenha saído sem o aval do comitê central? Acredite quem quiser.

O ocorrido dá margem a interpretação. Na minha opinião, foi o próprio Lula, que é falto de instrução mas cheio de esperteza, quem mandou os companheiros desdizerem aquele palavrório padronizado e carimbado anos 1970. Em plena campanha eleitoral, tudo o que nosso guia não quer é reavivar, na lembrança do eleitorado, o radicalismo e as amizades perigosas que seu partido tem alimentado durante décadas: Chaves, Maduro, os bondosos irmãos Castro, os ditadores africanos.

Mas ninguém é bobo. A primeira nota – solta, livre, espontânea e sem amarras – foi o reflexo do verdadeiro ADN (=DNA) do Lula e dos seus. O resto é lantejoula para enfeitar campanha e enganar trouxa.

Entre a permanência de um desonesto Bolsonaro e a volta de um desonesto Lula… ai, meu São Benedito! Ajude-nos a encontrar uma terceira via decente! Mas não demore muito!

Nota de 500 euros

José Horta Manzano

Você sabia?

Povos diferentes têm tradições diferentes. A diversidade se conjuga em atos e fatos do dia a dia. A ‘revolução’ provocada pelo aparecimento dos cartões de crédito, nas últimas décadas, não teve efeito uniforme. Em alguns países ‒ os EUA em primeiro lugar ‒ a novidade entrou rapidamente nos hábitos. Em outros, foi olhada com alguma desconfiança.

Na Europa, não foi diferente do resto do mundo. Enquanto a maioria dos países reservou boa acolhida ao novo meio de pagamento, outros foram mais reticentes. Na França, por exemplo, o cartão teve dificuldade em mandar o cheque pra escanteio. Até hoje, boa parte dos cidadãos franceses prefere tirar o talão de um bolso, a caneta de outro, os óculos do estojo, preencher o chequinho, assinar, entregar para conferência.

A Alemanha, a Áustria e a Suíça sempre tiveram especial apego ao dinheiro vivo. Carregar na carteira certo montante em notas e moedas é costume nacional que nem o cheque nem o cartão de crédito conseguiram desbancar. Na Alemanha e na Áustria, a introdução do euro não afetou o velho hábito. Berlinenses e vienenses continuam preferindo pagar com cédulas.

O desamor que os demais sentem pelo dinheiro vivo é visível no fato de a imensa maioria dos europeus nunca ter tido nas mãos uma nota de 500 euros (2100 reais), a de maior valor. Ela não faz falta a ninguém, exceto aos alemães e aos austríacos. Na Espanha, chegou a ganhar o apelido de binladen ‒ a que todos procuram mas ninguém encontra. Em vez de servir ao honesto cidadão, a nota de 500 tem sido mais útil para doleiros e lavadores de dinheiro, daqueles que carregam elevados montantes em sacolas. Ou em cuecas.

Dezessete anos depois da introdução do euro, o Banco Central Europeu decidiu deixar de imprimir cédulas de 500 euros. As que estão em circulação serão retiradas à medida que passarem por um estabelecimento bancário. Sem desaparecer totalmente, vão escassear nos próximos anos. No entanto, se o distinto leitor tem alguma cédula de 500 euros escondida debaixo de uma pilha de camisas não se alarme: ela não vai perder validade. Se comerciantes se recusarem a aceitá-la, lembre-se que bancos continuarão a reconhecer-lhe o valor indefinidamente.

Entendo que essa nota seja de pouco uso e que esteja mais servindo a interesses escusos. No entanto, visto que alemães e austríacos são apegados ao dinheiro vivo, a decisão de descontinuar sua produção me parece injusta. Mal comparando, seria como se se deixasse de fabricar telefones celulares sob o pretexto de eles estarem sendo utilizados por traficantes de droga. Há outros meios para combater lavagem de dinheiro.

Que se veja o caso brasileiro. O baixo valor das notas de real ‒ a de maior valor (100 reais) equivale a pouco mais de 20 euros ‒ não impediu a circulação dos bilhões afanados da Petrobrás e dos cofres públicos. O único inconveniente é que as malas têm de ser mais amplas. Ou as cuecas.

Nota rebaixada

José Horta Manzano

Sei que, para responder, precisa fazer um rigoroso esforço de imaginação. Assim mesmo, vamos lá. Suponhamos que o distinto leitor seja alto dirigente de uma multinacional com algumas centenas de milhões disponíveis para investimento num país estrangeiro. Falo de investimento produtivo, firme, de longo prazo, daqueles que miram um objetivo de décadas. Já temos o dinheiro e a meta? Pois vamos escolher o país.

Examinemos um punhado de emergentes. Segundo a agência Fitch de classificação de risco, a Tailândia (nota BBB+), o Azerbaidjão (BB+) e a Turquia (BB+) parecem boas opções. Tailândia (68 milhões de habitantes) e Turquia (82 milhões) oferecem perspectiva de bom retorno ‒ a massa populacional já promete bons negócios. O Azerbaidjão, embora menos populoso, é produtor de petróleo, o que não deixa de ser interessante.

Lá perto do fim da longa lista de nossa agência de classificação de risco, aparecem os países de segunda linha, aos quais foi atribuído um pobre BB-. Entre eles, o Bangladesh e o Brasil, exatamente com a mesma notação. A julgar pelos critérios da agência, investir nesses pardieiros, nem pensar! Correto?

Olhe, gente, não sou alto dirigente de multinacional, e muito menos disponho de centenas de milhões implantar minha imaginária indústria. Assim mesmo, se tivesse de tomar a decisão, francamente, passava por cima da dita lista. Com todos os problemas que possa ter ‒ e que realmente tem ‒ o Brasil é de longe o mais promissor desse punhado de emergentes.

Por que é que eu convidei o leitor a fazer esse raciocínio? É que, faz dois dias, a firma Fitch tomou a liberdade de «rebaixar» nosso país ao nível de um Bangladesh. Francamente…

Paradoxalmente, o rebaixamento anunciado não confirmou nem um grama de desconfiança do mercado: a bolsa de valores de São Paulo bateu mais um recorde de alta e o dólar continuou a baixar, num sinal soberbo de que o efeito do anúncio foi nulo.

As listas dessas agências dão um retrato do momento de cada país. São efêmeras. Dependendo de nova lei, de um episódio de seca ou de inundação, de uma troca de governo, de uma bobagem qualquer, a nota atribuída a um país pode subir ou baixar. Elas servem para orientar especuladores que investem a curtíssimo prazo, isso sim. Mas não são capitais especulativos que trazem benefícios ao Brasil. Dinheiro que entra hoje e sai amanhã não cria empregos, não constrói estradas, não ergue fábricas, não gera riqueza.

A prova maior da falta de perspicácia dessas agências e da visão imediatista de todas elas é o fato de nenhuma ter previsto a catástrofe financeira de 2008 ‒ aquela que certo dirigente tupiniquim predisse que não passaria de «marolinha». A débâcle balançou a economia do planeta. No conforto dos escritórios climatizados, a meninada das agências não tinha antecipado nadinha.

Portanto, que ninguém se preocupe. Investidores produtivos, aqueles que vêm para ficar e trazer benefícios ao país, não se deixam impressionar por esse tipo de classificação. Fazem os próprios estudos aprofundados e só se implantam quando vislumbram perspectiva de sucesso. Que sejam bem-vindos.