Que um muro alto proibia 2…

Chamada Folha de SP

José Horta Manzano

Se as autoridades competentes tivessem sido competentes, a penitenciária estaria rodeada por um muro de 4 metros de altura desde a inauguração. Teria custado menos que a caça aos bichos-homem.

Atenção! A dica é extensiva às outras quatro prisões federais “de segurança máxima”. Um muro alto pode evitar futuros vexames.

Monarquia britânica

by Barry Blitt (1958-), artista americano-canadense

José Horta Manzano

Dá pra imaginar passear por Salvador e encontrar as baianas de acarajé vestidas de blusa florida, bermudão de jeans e boné na cabeça? De tristeza, o acarajé perderia o gosto. Sentada ou de pé, a vendedora de petiscos típicos faz parte da paisagem da Bahia. E tem de estar paramentada de branco imaculado, da cabeça aos pés, com saia rodada e tudo o que manda o figurino. Ela é peça importante do patrimônio imaterial de Salvador, uma riqueza que não se exprime em reais mas que atrai dólares para a cidade.

Tente imaginar agora uma Grã-Bretanha sem monarquia. Suponhamos que, dia destes, o povo decida, em plebiscito, dar adeus ao rei e adotar regime republicano. Desapareceriam a família real, as cerimônias, a pompa e as circunstâncias, e entraria em cena um presidente da República decorativo, de poderes limitadíssimos. O Reino Unido passaria a chamar-se República Unida – nome que assenta mal, dado que a união do país estaria ainda mais ameaçada que hoje.

Além da estranheza do novo nome, outros problemas surgiriam. Por falta de assunto, os famosos tablóides ingleses que se nutrem das fofocas da família real iriam à falência, deixando funcionários desempregados e leitores desapontados.

A monarquia é tão importante para o Reino Unido como a baiana de acarajé é necessária para a Bahia. Talvez ainda mais importante. Se não, vejamos.

Ao comentar a coroação do rei Carlos (=Charles), o venerável jornal The Times, publicado em Londres há quase 250 anos, notou que a cerimônia foi modificada para ser mais inclusiva, mas ainda assim “os rituais antiquados da coroação são um lembrete de como – em uma sociedade secular, multiétnica e digital – a coroa é fundamentalmente um anacronismo”.

Tomando o termo anacronismo em sua acepção primeira (erro de cronologia), o jornal tem razão. Os ritos que envolvem a coroação de um monarca britânico não combinam com esta era de inteligência artificial. Por seu lado, esse “anacronismo” faz na população britânica o efeito que as novelas fazem no povo do Brasil. A monarquia, com seus ritos, seu formalismo, seus encantos e suas maldades é aquele mundo de sonhos que encanta qualquer cristão. Fatos e gestos da família real equivalem à trama tecida pelos personagens de uma boa novela das nove.

É verdade que um espetáculo como a coroação de Carlos III não sai barato. É o povo britânico que vai pagar o custo estimado entre 50 milhões e 100 milhões de libras (320 milhões a 630 milhões de reais). Fora eventos excepcionais, os gastos anuais com a monarquia são estimados entre 60 milhões e 100 milhões de libras (380 milhões e 630 milhões de reais).

Mas toda medalha tem dois lados. Os custos têm de ser analisados e comparados aos ganhos. Além de ser marca registrada da nação, a monarquia representa para o país mais benefícios do que despesas.

Estima-se que um evento como a coroação do rei leve ao país um lucro em torno de 1,4 bi de libras (8,8 bi de reais). Isso inclui ganhos com turismo, hotelaria, restaurantes, pedágio, combustível, transportes, moda, souvenirs, comércio em geral, relações públicas. Os direitos televisivos são um ítem importante nesse cálculo.

Só para efeito de comparação, estima-se que o casamento do príncipe Harry com Meghan Märkle, celebrado em 2018, tenha trazido ao país um benefício total de 1,05 bilhões de libras (6,6 bilhões de reais).

Bem bobos seriam os britânicos se destituíssem o rei e abolissem a monarquia. A ilha deles, além perder boa parte da graça, estaria desperdiçando importante fonte de renda.

Preço caro?

José Horta Manzano

Chamada da Folha SP

Barato e caro são atributos da mercadoria, não do preço nem do custo. O preço (=custo) é mero indicador do valor da mercadoria.

A mercadoria pode ter muitas qualidades. Por exemplo, pode ser:

  • barata,
  • cara,
  • bonita,
  • cheirosa,
  • pesada,
  • estragada,
  • duvidosa,
  • valiosa,

que são qualidades que o preço (=custo) não pode ter.

Por seu lado, o preço (=custo) pode ser, por exemplo:

  • elevado,
  • baixo,
  • exorbitante,
  • ínfimo,
  • nas alturas,
  • irrisório,
  • insuportável,
  • dissuasivo,

que são atributos que a mercadoria não pode ter.

Portanto, “custo caro”, “custo barato”, “preço caro” e “preço barato” são expressões a evitar. É a mercadoria que é cara, não o custo. A menção do preço nos permite saber se a mercadoria é cara ou barata. Uma vez que conhecemos o custo, concluímos se a mercadoria é barata, se é cara ou se está em conta.

Na chamada do jornal, entende-se que o voto é que chega a ser mais caro; portanto, seu custo é mais elevado. Consertando:

“Custo de voto em mulheres chega a ser quase 70 vezes mais elevado que em homens”

PEC italiana

José Horta Manzano

Embora diferentes países possam enquadrar-se na categoria de Estados de direito, o arcabouço legal de cada um não é necessariamente idêntico ao dos demais.

No Brasil, para ser aprovada, uma PEC – dispositivo legal que modifica a Constituição – precisa obter o voto de 2/3 dos parlamentares. Obtida essa quota, entra em vigor.

Na Itália, funciona mais ou menos assim, mas há um fator complicador. A PEC passa primeiro pelo Congresso, em duas votações. Caso alcance maioria de 2/3 dos congressistas, entra em vigor, como no Brasil. No entanto – e aqui está a diferença – caso alcance apenas maioria simples (50% dos parlamentares), será submetida a referendo popular.

Em outubro de 2019, o Parlamento italiano aprovou modificação importante na Constituição, alterando o número de parlamentares. O projeto foi aprovado nos conformes, só que a maioria não alcançou 2/3 dos congressistas. É compreensível: a mudança diminui drasticamente o número de parlamentares, fato que incomoda muita gente.

Num corte de 40% (!), o número de deputados cai de 630 para 400, e o de senadores despenca de 618 para apenas 392. Pedir aos parlamentares que aprovem essa mudança é como pedir-lhes que serrem o galho onde estão sentados. É até surpreendente que o texto tenha obtido maioria simples.

O referendo popular, previsto para o mês de março mas suspenso por causa da pandemia, deve realizar-se daqui a duas semanas. As pesquisas são contraditórias, de modo que seus dados têm de ser tomados com precaução. Espera-se, de qualquer maneira, que a maioria dos eleitores aprove a mudança. É verdade que, com a nova configuração, os distritos eleitorais serão modificados. Mas esse é um mal menor, comparado com a robusta economia obtida com a supressão de 456 cadeiras de parlamentares.

Sabem quando é que o Congresso brasileiro vai suprimir 40% das cadeiras? No dia de São Nunca, como dizia minha avó.

Congresso de luxo
Segundo levantamento publicado em dez° 2018 pela BBC Brasil, o Brasil tem o segundo Congresso mais caro do mundo. Nosso parlamento custa mais que o francês, o alemão, o japonês ou o britânico. Só perde para o dos EUA.

Cada parlamentar nosso custa ao contribuinte, segundo o método de paridade de poder aquisitivo, a bagatela de US$ 7,4 milhões por ano. Dólares! Multiplicando pelo número de cadeiras, dá um custo total de quase 4,5 bilhões de dólares. Bilhões! Só pra efeito de comparação, um parlamentar francês custa 6 vezes menos que um brasileiro; um britânico sai por 20 vezes menos.

Os nossos recebem, além do salário, auxílio moradia, plano médico (de categoria nec plus ultra) extensivo à família, transporte. Sem contar os assessores. Para senadores, por exemplo, não há limite para contratação. Sabe-se de caso de senadores que têm mais de 100 colaboradores – porta aberta a todo tipo de rachadinha. E esse povo todo vivendo à nossa custa! Revoltante.

Controle canino

José Horta Manzano

Você sabia?

Na Suíça, como nos países do norte da Europa, não há cães errantes. Todo cachorro tem dono. E não é só: todos têm de estar identificados por tatuagem ou chip sub-cutâneo e devidamente registrados na prefeitura, com nome e endereço. Para completar, todo proprietário paga uma taxa anual à prefeitura municipal, pelo direito de possuir um cachorro. É conhecido como imposto-cão, sem trocadilhos.

cachorro-35Embora fosse tão mais cômodo, cães não se resignam a fazer suas necessidades numa caixa de areia, como os gatos. Seria prático para o proprietário, mas não é assim. Cachorro tem de ser levado à rua. Regras existem também para passear com o bicho. Na entrada de cada parque, uma tabuleta indica se a entrada do animal é permitida ou não. Caso seja, a placa informa se ele pode andar solto ou se tem de ser preso pela coleirinha. Pelas ruas, estão espalhados distribuidores de sacos plásticos especiais para coletar cocô. Assim que o cão faz suas necessidades, o dono vem com o saco, apanha os dejetos e leva embora pra descartar no lugar apropriado.

Cada cantão tem liberdade para impor regras e fixar tarifas. Aqui estão alguns exemplos tomados ao acaso:

cachorro-34Cantão de Friburgo
Para ter mais de 2 cães, é necessário obter autorização

Cantão de Berna
Proibição de passear na rua com mais de 3 cães ao mesmo tempo

Cantão de Genebra
Taxa anual para o 1° cão: 50 francos (170 reais)
Para o 2° cão: 70 francos (240 reais)
Para o 3° cão: 100 francos (340 reais)

Todos os cantões
Todo futuro proprietário de cão é obrigado a seguir formação teórica e prática. O diploma lhe dará direito a ser dono de cão. Os cursos ‒ pagos, naturalmente ‒ são dados por monitores credenciados cujo título oficial é ‘educador comportamentalista canino’. O curso teórico deve ser completado antes da aquisição do animal. As aulas práticas devem ser tomadas no ano que se segue à chegada do bichinho.

Para dissuadir pessoas de possuírem mais de um animal, numerosos cantões estudam aumentar o valor da taxa anual, sobretudo a partir do segundo cão. A argumentação prende-se ao fato de que o melhor amigo do homem carrega reminiscências do instinto de malta. Ao avistar o que lhe parece ser uma presa ‒ criança pequena, animal menor ‒ um cão solitário não ousa atacar, ao passo que três ou quatro juntos se podem incentivar mutuamente e assumir comportamento bem mais agressivo.

cachorro-36Por enquanto, possuidores de gatos estão livres de cursos e de taxas. No entanto, em certos cantões já se cogita introduzir imposto (pesado) a ser cobrado dos que possuírem gato não-castrado. A motivação é evitar a proliferação de felinos que, na primavera, sobem às árvores e dizimam filhotes de pássaros.

Interligne 18cPasseando de fom-fom
Permite-se a entrada de cães em transporte público ‒ desde que estejam acompanhados pelo dono, naturalmente. Os bichinhos pagam passagem, como os humanos. Para evitar ter de comprar bilhete a cada vez, pode-se tomar assinatura. O documento, tamanho cartão de crédito, traz a foto do animal.

A companhia nacional de estradas de ferro transporta gratuitamente cães de até 30cm de altura, desde que estejam dentro de bolsa ou de jaula. Nesse caso, viajam de graça, como bagagem. É bom pra cachorro.

O custo do crime

José Horta Manzano

Brasil: a violência custou 81 bilhões de euros, ou seja, 5,4% do PIB

É com esse título que o jornal francês Les Echos (equivalente a nosso diário Valor) abre artigo sobre nosso País, publicado em 10 nov° 2014.

Prisioneiro 2A matéria baseia-se em recente estudo elaborado pela FGV por encomenda do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Logo abaixo do título, o texto continua no mesmo tom. E cita aqueles dados que nos envergonham, justamente aqueles que desmontam discursos ufanistas e visões otimistas.

«Por volta de 45 mil homicídios são cometidos todo ano no Brasil» – é o subtítulo. Diz lá que, pela primeira vez no Brasil – um dos países mais violentos do mundo (sic) –, um estudo calculou o impacto econômico desse flagelo. Chegou à cifra astronômica de 258 bilhões de reais em 2013, que correspondem a 5,4% do PIB.

Uma reflexão de Samira Bueno, diretora do Fórum, é citada: «A análise das despesas que compõem esses 258 bilhões mostra uma perversão. Para combater os efeitos da violência, o Brasil gasta o triplo do que investe em políticas públicas de combate ao crime e à violência».

No Brasil, os gastos causados pelos efeitos perversos da violência são o triplo do que se investe em políticas públicas de combate ao crime e à violência.

No Brasil, os gastos causados pelos efeitos perversos da violência são o triplo do que se investe em políticas públicas de combate ao crime e à violência.

Em outros termos, espera-se que a porta seja arrombada para, em seguida, botar a tranca. Seria mais simples e mais barato prevenir, mas essa receita, embora lógica, não é seguida. Em vez de prevenir, prefere-se esperar que aconteça para, em seguida, correr atrás do remédio.

Vamos ser justos: não chegamos à calamitosa situação atual da noite pro dia. O quadro atual é fruto de lenta e secular elaboração. Vem dos tempos de Dom Manuel, o Venturoso. Essa constatação pode até aliviar a culpa dos atuais dirigentes, mas não serve como desculpa para a inação. Não vale dizer «sempre foi assim, não há nada a fazer».

by Ricardo Ferraz, desenhista capixaba

by Ricardo Ferraz, desenhista capixaba

Vistosas e midiáticas «ações de combate ao crime» são volta e meia organizadas pelo poder público. Batidas, operações, cumprimento em massa de mandados de prisão são alardeados, chegam às manchetes e impressionam. A lástima é que essas ações relâmpago não são seguidas por política de prevenção. E o círculo da violência continua a se autoalimentar.

Construir mais e mais presídios pode até ser necessário, mas não traz solução ao problema. Ao contrário, o objetivo deveria ser tornar as prisões cada dia mais supérfluas por falta de inquilinos.

Se não é simples chegar lá, tampouco é impossível.

Frase do dia – 18


Interligne vertical 12«Pode-se não gostar de Figueiredo, mas ninguém podia tirar de sua biografia o fato de ter assinado a anistia. Agora pode-se acrescentar que não assinou o cheque da Copa [de US$ 3,2 bilhões, em dinheiro de hoje].

A Copa de Lula custará R$ 28 bilhões, ou US$ 12,1 bilhões.»

Da coluna de Elio Gáspari, in Folha de São Paulo, 4 ago 2013