José Horta Manzano
Dá pra imaginar passear por Salvador e encontrar as baianas de acarajé vestidas de blusa florida, bermudão de jeans e boné na cabeça? De tristeza, o acarajé perderia o gosto. Sentada ou de pé, a vendedora de petiscos típicos faz parte da paisagem da Bahia. E tem de estar paramentada de branco imaculado, da cabeça aos pés, com saia rodada e tudo o que manda o figurino. Ela é peça importante do patrimônio imaterial de Salvador, uma riqueza que não se exprime em reais mas que atrai dólares para a cidade.
Tente imaginar agora uma Grã-Bretanha sem monarquia. Suponhamos que, dia destes, o povo decida, em plebiscito, dar adeus ao rei e adotar regime republicano. Desapareceriam a família real, as cerimônias, a pompa e as circunstâncias, e entraria em cena um presidente da República decorativo, de poderes limitadíssimos. O Reino Unido passaria a chamar-se República Unida – nome que assenta mal, dado que a união do país estaria ainda mais ameaçada que hoje.
Além da estranheza do novo nome, outros problemas surgiriam. Por falta de assunto, os famosos tablóides ingleses que se nutrem das fofocas da família real iriam à falência, deixando funcionários desempregados e leitores desapontados.
A monarquia é tão importante para o Reino Unido como a baiana de acarajé é necessária para a Bahia. Talvez ainda mais importante. Se não, vejamos.
Ao comentar a coroação do rei Carlos (=Charles), o venerável jornal The Times, publicado em Londres há quase 250 anos, notou que a cerimônia foi modificada para ser mais inclusiva, mas ainda assim “os rituais antiquados da coroação são um lembrete de como – em uma sociedade secular, multiétnica e digital – a coroa é fundamentalmente um anacronismo”.
Tomando o termo anacronismo em sua acepção primeira (erro de cronologia), o jornal tem razão. Os ritos que envolvem a coroação de um monarca britânico não combinam com esta era de inteligência artificial. Por seu lado, esse “anacronismo” faz na população britânica o efeito que as novelas fazem no povo do Brasil. A monarquia, com seus ritos, seu formalismo, seus encantos e suas maldades é aquele mundo de sonhos que encanta qualquer cristão. Fatos e gestos da família real equivalem à trama tecida pelos personagens de uma boa novela das nove.
É verdade que um espetáculo como a coroação de Carlos III não sai barato. É o povo britânico que vai pagar o custo estimado entre 50 milhões e 100 milhões de libras (320 milhões a 630 milhões de reais). Fora eventos excepcionais, os gastos anuais com a monarquia são estimados entre 60 milhões e 100 milhões de libras (380 milhões e 630 milhões de reais).
Mas toda medalha tem dois lados. Os custos têm de ser analisados e comparados aos ganhos. Além de ser marca registrada da nação, a monarquia representa para o país mais benefícios do que despesas.
Estima-se que um evento como a coroação do rei leve ao país um lucro em torno de 1,4 bi de libras (8,8 bi de reais). Isso inclui ganhos com turismo, hotelaria, restaurantes, pedágio, combustível, transportes, moda, souvenirs, comércio em geral, relações públicas. Os direitos televisivos são um ítem importante nesse cálculo.
Só para efeito de comparação, estima-se que o casamento do príncipe Harry com Meghan Märkle, celebrado em 2018, tenha trazido ao país um benefício total de 1,05 bilhões de libras (6,6 bilhões de reais).
Bem bobos seriam os britânicos se destituíssem o rei e abolissem a monarquia. A ilha deles, além perder boa parte da graça, estaria desperdiçando importante fonte de renda.
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Acredito que a matéria do Times tenha sido bastante feliz, se possível irei procurar algo online para ter acesso ao texto na íntegra. No ano do Senhor de 2023, creio que a pompa de reis e rainhas não faça mais o menor sentido. Faz-me lembrar do tempo em que a Igreja Católica dominava o poder, quando o mundo espiritual era um assombro para a raça humana e a igreja de Avignon oferecia um antídoto para aplacar aquele medo. Depois Roma fez o mesmo. Hoje, é uma instituição pro-forma, onde seu líder (o papa), só tem algum poder dentro dos muros do Vaticano. Seus pedidos por paz e harmonia entre os países são levados pelo vento e nenhum líder o ouve ou respeita. Num mundo onde todas essas instituições de poder estão moralmente aniquiladas, ninguém acredita mais na quase divindade desses monarcas. Creio que Elizabeth II ainda tenha tido um pouco de respeito da população, por ter ela feito o máximo para reinar com certa dignidade e a seu respeito (justiça seja feita) não se tem histórias que a desabone. Algo que não se pode falar de seus descendentes. Existe um extraordinário documentário que aborda uma pesquisa feita na linhagem real de Elizabeth II e cujo resultado foi a descoberta de um problema grave, apontando que houve um possível adultério de uma de suas antepassadas, algo que quebrou totalmente a cadeia de sucessão ao trono. Ouvi comentários de que a maioria dos ingleses não engole Charles III e sua amante, oops, rainha-consorte ou rainha Camila (sic). Num passado não muito distante, a realeza era um mistério, era difícil o contato com eles. As mídias e a tecnologia colocaram toda essa gente num lugar comum. Ninguém mais acredita neste conto de fadas. Assemelha-se ao que ocorre com Hollywood e o cinema. Antigamente todos esperavam para ver a entrega do Oscar. Os astros eram distantes, inacessíveis. A gente vibrava com o tapete vermelho, a rara oportunidade de vê-los além da tela do cinema. Hoje, eles publicam tudo em suas redes sociais. Vemos as estrelas em seus momentos mais íntimos. Nada mais nos remete ao glamour. Descobrimos que são gente como a gente. O mesmo acontece com essas velhas famílias reais da Europa. O glamour acabou. Abaixo o rei.
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Boa maioria de súditos britânicos apoiam a monarquia e se sentem à vontade no Reino Unido.
Séculos atrás, o rei tinha poder temporal. Com o passar dos anos, esse poder foi sendo erodido até chegarmos aos dias atuais, em que o monarca se encontra despojado. Virou figura meramente protocolar.
É melhor que seja assim, pois o chefe de Estado não representa perigo nenhum para o país.
Pensando bem, o regime monárquico não há de ser tão ruim, visto que a dezena de países europeus nos quais a monarquia vigora são pacíficos, civilizados e desenvolvidos. O Japão pode ser acrescentado a essa lista.
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