Finados

José Horta Manzano

Estamos numa era de profundas mudanças climáticas. Ainda que, por ignorância ou má-fé, um punhado de negacionistas do clima deem as costas, a realidade é essa, gostemos ou não.

Mas o planeta Terra, que sobrevive há 4,5 bilhões de anos, teve tempo de aprender a se adaptar a mudanças. Já enfrentou alteração na velocidade de rotação, já assistiu à inversão dos polos magnéticos, já aguentou choque de meteoros gigantescos – e continua a girar firme e forte. Não é o aumento ou a diminuição de temperatura na superfície que vai fazer o planeta parar de rodar.

Flexível, a Terra se adapta a condições novas. Tanto quanto possível, ela mantém constante a média global de temperatura e de precipitações. Se certas regiões esquentam, outras esfriam. Se a seca castiga vastos territórios, outros são inundados por chuvas diluvianas.

Na Europa ocidental, 2022 está sendo o ano mais quente e mais seco que jamais se viu desde que começaram os registros meteorológicos, 170 anos atrás. Tivemos uma onda de calor extremo em junho, outra em julho e mais uma em agosto. Após um setembro próximo da norma, outubro foi anômalo, com temperaturas muito acima do normal. O verão foi tão seco que obrigou as autoridades a imporem restrições no uso da água; com os pastos secos, o gado teve de ser alimentado com ração.

Em casa, nos tempos de antigamente, tínhamos uma expressão familiar para dizer que o tempo estava ensolarado e muito quente: “faz um sol de cemitério”. Era uma referência ao Dia de Finados, data em que se costuma visitar o túmulo de familiares que já se foram. Em novembro faz calor. Cemitérios têm lápides de mármore ou granito que funcionam como acumuladores térmicos. Sol + chão de cimento + alamedas margeadas de granito = calor insuportável.

Pois parece que isso está acabando. Este ano, pelo menos, furou. Faz meses que os estados meridionais do Brasil estão atravessando um período anormalmente frio. Não me lembro de ter conhecido um 2 de novembro com temperaturas como as que estão na ilustração que tirei hoje do Climatempo. Máxima de 15°C? Em novembro? Numa terra tropical? É de impressionar. Genebra está hoje um pouco mais quente que São Paulo. Pode?

Os humanos deveriam tomar de exemplo a sabedoria da natureza. O equilíbrio deveria ser o objetivo de todos. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, como se diz.

No Brasil, vamos esperar que o conturbado período político que se encerra tenha sido ponto fora da curva. E que a moderação renasça em nosso país.

Nenhum governo, nenhum regime, nenhum período será jamais perfeito. Não há meio de contentar a todos. Mas que, pelo menos, o país volte à trilha da normalidade, do equilíbrio e do bom senso.

Imitar o lado bom da natureza não faz mal a ninguém.

Pedras da fome

José Horta Manzano

Você sabia?

As mudanças climáticas, que enfrentam o negacionismo de gente desinformada ou de má-fé, têm se acelerado neste século. Situações que se previa fossem ocorrer por volta do ano 2050 estão ocorrendo agora.

O Hemisfério Norte, que concentra 2/3 das terras emersas, tem sofrido particularmente nesse sentido. Episódios climáticos extremos, que costumavam aparecer de raro em raro, têm-se tornado frequentes, quase corriqueiros. Chuvas de proporções bíblicas, calores saarianos, furacões, gigantescos incêndios florestais e secas catastróficas se sucedem.

Este ano, o calor e a seca têm castigado a Europa Ocidental. Paris, Berlim, Milão e até a brumosa Londres tiveram seus dias de 40° de temperatura. Em toda a região, a seca começou em junho e dura até agora. Não tem praticamente chovido, a não ser uma garoinha aqui, outra ali.

Agricultores estão perdendo a colheita, o gado já não tem o que comer. Lagos estão secos. Numerosos rios estão com um filete d’água. O Rio Reno, importante via de transporte fluvial, está com restrições de navegação devido à altura da água, que não dá calado. Até a nascente do Rio Tâmisa, atração turística da Inglaterra, secou. Na França, muitas cidadezinhas estão sendo abastecidas por caminhão pipa, pois água não há. Na Suíça, diversos lagos completamente secos se transformaram num gramado.

Tirando o dramático da coisa, aparece o lado pitoresco. “Pedras da fome”, surgidas do passado, estão reemergindo. Essa curiosa expressão designa pedras de beira de rio que, em tempos normais, ficam invisíveis, abaixo do nível da água. Nos anos de grande seca, apareciam. Os antigos então esculpiam e traçavam uma linha para mostrar o nível mínimo a que as águas chegaram. É que, na Idade Média (e até não faz muito tempo), falta d’água era sinônimo de colheitas perdidas e, no final, de morte por inanição. Naquele tempo, não dava pra importar alimento por via aérea do outro lado do mundo. Não havia meio de transporte. Cada vilarejo tinha de se virar com o que a terra dava.

Já se conheciam algumas “pedras da fome”. Este ano, com a baixa de nível dos rios, numerosas outras vêm sendo descobertas. A pedra mais antiga que se conhece foi esculpida em 1417. Outras são mais recentes. Muitas estão sendo gravadas este ano. Assim que o nível das águas faz surgir nova pedra, o ano de 2022 é esculpido.

Na pedra da fome que aparece na ilustração, gravada séculos atrás, está escrito: “Wenn du mich siehst, dann weine” – se você me vir, chore!

A guerra franco-suíça que não houve

José Horta Manzano

Você sabia?

Foto: Jean-Christophe Bott

Foto: Jean-Christophe Bott

Se tivesse ocorrido em outros tempos, teria sido casus belli, um daqueles acontecimentos que justificam declaração de guerra. Mas vamos passar o filme desde o começo.

As vacas suíças passam o inverno no estábulo. De outubro a março, os campos estão frequentemente cobertos de neve, mato não cresce, e os animais não têm o que comer. São alimentados com feno – mato ceifado durante o verão, secado e guardado para os meses frios.

Quando volta a bela estação, lá por março ou abril, os campos se cobrem de verde. Em comboio, as vacas são conduzidas a montes elevados, onde o pasto é gordo e farto. Ficam por lá até outubro, quando são trazidas de volta ao curral. Esse vaivém chama-se transumância.

É bom ter em mente que cada uma das 600 mil vacas leiteiras suíças ingere diariamente 100kg de mato e bebe de 100 a 130 litros d’água. No total, são 70 milhões de litros diários – volume respeitável.

A seca anda brava este ano. Entre 22 de junho e 22 de julho, não caiu uma gota de chuva. A temperatura tem sido senegalesa. Como resultado, começa a faltar água para os animais. Estão todos lá em cima, os tanques secaram, as reservas se esgotaram, que fazer?

Transumância

Transumância

O governo federal determinou que o exército desse uma mão. Helicópteros Super Puma foram encarregados de recolher água de lago e transportá-la até os reservatórios de montanha. A fronteira franco-suíça passa justamente na região dos Montes Jura. Do lado francês, há um lago de montanha.

Pertinho, do lado suíço, estão as vacas. O governo suíço pediu à França autorização para recolher água do lago. Paris permitiu o sobrevoo. Dia seguinte, helicópteros militares suíços deram início a um balé incessante de recolha d’água. Autoridades regionais francesas, que não haviam sido informadas, escandalizaram-se. É que a legislação francesa exige que, para retirar água de lago, se obtenha permissão das autoridades regionais.

O exército suíço, imaginando que a autorização de sobrevoo dada por Paris fosse suficiente, não cuidou de verificar regulamentos regionais. Foi um deus nos acuda. É compreensível. Imagine o distinto leitor o susto que levaram moradores do lado francês ao ver baixarem aeronaves militares estrangeiras pra roubar água do lago deles. É fato gravíssimo. Em outros tempos, podia ter dado origem a uma guerra.

Helicoptero 3

Foto: Eric Chevassus

Felizmente, os modernos meios de comunicação são rápidos. Em 24 horas, desfez-se o mal-entendido. O exército suíço apresentou pedido formal de desculpas ao governo francês e, imediatamente, parou de chupar água do laguinho.

O precioso líquido está sendo retirado agora do Lago Léman. Fica um pouquinho mais longe das vacas, mas, pelo menos, o transporte não periga provocar incidente diplomático. Além disso, com seus 100km de comprimento, 10km de largura e 300m de profundidade, o Lago Léman tem água pra muita vaca.

Um brinde

José Horta Manzano

Na virada de 2014 para 2015, a seca andava braba no sudeste do País. Seca é palavra em desuso. Na novilíngua politicamente correta, convém dizer «crise hídrica». É chique que não acaba mais.

Represa de Atibainha: chuvas aliviam a seca

Represa de Atibainha: chuvas aliviam a seca

A baixa do nível da água permitiu encontrar objetos, grandes e pequenos, que repousavam no fundo de reservatórios. Na barragem de Atibainha, que integra a rede de abastecimento da cidade de São Paulo, não foi diferente. Entre pneus, móveis e outros entulhos que nossa incivilidade prefere ocultar, encontraram-se carcaças de automóvel.

Represa 4Eu disse incivilidade? Deveria ter dito ignorância. Automóveis, baterias, pilhas, plásticos, vernizes encerram componentes tóxicos, metais pesados. Em contacto com a água, moléculas prejudiciais à saúde vão-se desprendendo e contaminam o precioso líquido. Filtros, por mais aperfeiçoados que sejam, não conseguem eliminar tudo o que não deve ser bebido.

O resultado é que acabamos ingerindo essa porcariada toda. Quem despeja objetos em reservatório age como se estivesse fazendo xixi na caixa d’água da casa onde vive. Todos acharam muita graça na descoberta de escombros, mas a ninguém ocorreu removê-los de lá.

As águas de janeiro aliviaram a seca. Represas, que estavam se exaurindo, começaram, lentamente, a se encher de novo. Em fevereiro, escrevi, sobre o assunto, o post A ruína emergente. Parecia-me o momento mais adequado para promover uma limpeza do entulho depositado no fundo das represas.

Represa de Atibainha: depois das águas de março

Represa de Atibainha: depois das águas de março

Tivesse falado com as paredes, teria obtido o mesmo resultado. Carcaças continuam lá, como se sua presença fosse natural. O perigo que oferecem a navegantes e a banhistas não comoveu nenhuma autoridade.

As águas de março continuaram enchendo os reservatórios. Já quase não dá pra distinguir os restos de automóveis mergulhados. Longe dos olhos, longe do coração. Levantemos um brinde – com água! – a nosso brilhante futuro.

Saúde!

A ruína emergente

José Horta Manzano

Braço da Represa de Chambod, França em tempos normais

Braço da Represa de Chambod (França)
em tempos normais

Governar é abrir estradas. Governar é prever. Governar é satisfazer às necessidades de cada cidadão. Governar é botar as contas em ordem. Governar é cuidar da educação, da saúde e da segurança.

Afinal… o que é governar? É tudo isso aí e um pouco mais. Mas essa é a teoria. Na prática, como se sabe, a teoria é outra. Governantes não abrem mais estradas. Aliás, já nem cuidam das existentes.

Braço da Represa de Chambod, França esvaziada a cada 10 anos para limpeza

Braço da Represa de Chambod (França)
esvaziada a cada 10 anos para limpeza

Governantes não satisfazem às necessidades de cada cidadão. Contentam-se de ações vistosas, midiáticas, em que migalhas são distribuídas a pequena parte do público, como dinheiro em programa de auditório. O resto da plateia que se vire.

Quanto a botar as contas em dia… ai, ai, ai. Garantir o amanhã não é a tônica dos dirigentes atuais. E a educação, a saúde e a segurança – como é que ficam? De novo: toda energia é focada em ações momentâneas, aparatosas, sem compromisso com o futuro. Governantes mantêm-se fiéis ao pensamento medieval: «o futuro a Deus pertence».

A seca que persiste no sul do Brasil tem causado danos e grande temor. Caso tudo seque, não há solução a curto prazo. Luz e água vão faltar, não há alternativa. Um aqueduto para transportar o precioso líquido da Amazônia até o sul do País não se instala em uma semana.

Represa de Chambod, França esvaziada a cada 10 anos para limpeza

Represa de Chambod (França)
esvaziada a cada 10 anos para limpeza

Infelizmente, não tenho solução milagrosa. Tampouco estou aqui para apontar culpados. O descalabro atual resulta de décadas e décadas de descompromisso com o futuro.

Mas vamos ser optimistas. Crises têm seu lado bom. Servem pra abrir os olhos. De agora em diante, autoridades serão mais previdentes e guardarão em mente que os atos de hoje determinam os fatos de amanhã. Certo?

Não, distinto leitor, não é assim. A lição não está sendo aprendida. As autoridades encarregadas da manutenção das represas não estão fazendo seu trabalho. A fotomontagem aqui abaixo dá um exemplo concreto.

Represa de Atibainha: nível sobe após estiagem

Represa de Atibainha (SP):
nível subindo após estiagem severa

Um energúmeno arremessou, faz anos, uma carcaça de automóvel numa represa. Nem visto nem sabido, o esqueleto permaneceu submerso. Com a seca, reapareceu. Fotógrafos não se privaram de retratar a descoberta. Galhofeiros se encarregaram de engalanar o destroço com faixas de duvidoso humorismo. No entanto, a ninguém ocorreu o óbvio: remover a ruína insepulta.

Bondoso, São Pedro mandou alguma chuva. O nível de tanques e barragens tem subido. Fotógrafos se precipitam à beira de reservatórios para registrar o fato. E… que vemos? A carcaça continua lá, intocada, como se repousasse em túmulo adequado.

Represa 2Fosse nosso País mais civilizado, as coisas teriam seguido outro rumo. Em primeiro lugar, o responsável pelo arremesso do automóvel teria sido procurado e punido. Em segundo lugar – e rapidinho – o destroço teria sido retirado. Já imaginou o que pode acontecer amanhã se um inocente banhista der um mergulho naquele lugar? Já pensou na desgraça programada que será uma embarcação abalroar a carcaça, soçobrar e ir a pique?

De que adianta ficar eu aqui cogitando? Pessoas, grupos, departamentos inteiros são pagos para agir. Se governar é prever, fica cada dia mais evidente que não há mais governo em nosso País. Se é que, algum dia, houve.

Interligne 18fClique nas fotos para aumentar.

Falam de nós – 3

0-Falam de nósJosé Horta Manzano

A desgraça de uns…
Os danos causados pela seca que assola boa parte do território brasileiro não se resumem à falta d’água para consumo humano. A região cafeeira do Brasil, situada dentro da zona climaticamente perturbada, também se ressente do desregramento climático.

O Brasil é o maior produtor mundial de café. A safra 2014-2015 foi afetada pela ausência de chuva, fato que causou aumento de preço da rubiácea no mercado mundial. Prevê-se que a safra 2015-2016 vá pelo mesmo caminho.

Café 2Quem ganha com isso são os demais países produtores. Entre eles, a Etiópia – mencionada em reportagem do Portal RFI (Radio France Internationale). Este ano, as exportações etíopes cresceram 6% em volume e 34% em valor justamente devido à valorização advinda da raridade do produto.

A Etiópia agradece a São Pedro.

Interligne 28aPiscina com suástica
A propagação da notícia da piscina catarinense azulejada com suástica ecoou mais fortemente em dois países: Alemanha e Israel. É compreensível.

Tanto o jornal israelense Haaretz quanto o alemão Bild deram destaque à bizarra notícia. (Já comentamos o assunto no posto Símbolos horizontais.)

Interligne 28aRapina
A palavra, que significa roubo praticado com violência, é pouco utilizada no Brasil. Preferimos assalto. Tanto faz, o crime é o mesmo.

Assalto 1O Corriere Adriatico, jornal regional da Itália, traz a notícia do susto pelo qual passaram dois médicos italianos em visita ao Brasil. Tinham vindo participar do Congresso Mundial de Alergologia, no Rio de Janeiro. Um miniônibus, lotado com médicos italianos, foi assaltado, logo na chegada ao Rio, no caminho do aeroporto ao hotel. Assalto cinematográfico, com direito a arma apontada para a cabeça do motorista. O guia levou uma coronhada, e os médicos foram aliviados de seus pertences de valor – dinheiro, cartão de crédito, celular, relógio.

Benvenuti in Brasile!

Interligne 28aOlho vivo, chineses!
O Portal China Daily relata a formação que está sendo oferecida a representantes de companhias chinesas que tencionam se instalar no Brasil. Há muitas firmas na fila. Um grupo brasileiro especializado em aconselhamento de investidores estrangeiros está encarregado de informar e formar os principiantes.

Chinês 2Entre as dicas, os chineses aprendem que, no Brasil, o cipoal legal é denso. É imprescindível que todo contrato seja examinado por advogados e fiscalistas antes do jamegão.

Os potenciais investidores são também alertados para falsas promessas feitas pelos Estados. São incitados a tomar extremo cuidado com bondades do tipo terreno grátis, favores fiscais, aluguéis a preços de pai pra filho. Podem cair em cilada.

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O copo d’água

José Horta Manzano

Em sua coluna publicada pela edição online da Folha de São Paulo de 17 de fevereiro, Elio Gáspari soltou o verbo. Melhor do que traduzi-lo, é transcrever o original. Aqui está um fragmento.

“Durante a seca de 1998, Lula visitou o interior do Ceará acompanhado de José Genoino, cuja família morava em Jaguaruana. Culpou a desatenção dos tucanos e prometeu rios de mel. Nas palavras de Nosso Guia: “O sofrimento do povo nordestino só vai acabar no dia que a gente tiver políticas de investimento para tornar esta terra produtiva.Copo d'água E essas políticas o PT tem”. Qual era? “O Fernando Henrique veio ao Ceará na campanha de 1994 e prometeu transpor as águas do rio São Francisco. Mas até agora não trouxe sequer um copo de água. Ele foi mentiroso e vai mentir de novo prometendo a obra para ganhar voto”. Em 2003, eleito, Lula prometeu: “Nesses quatro anos, 24 horas por dia serão dedicadas para fazer aquilo em que acredito: a transposição das águas do rio São Francisco”. Ficou oito anos, a doutora Dilma juntou mais dois e depois de dez anos o “copo de água” ainda não apareceu.”

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