It’s the economy, stupid!

José Horta Manzano

A frase foi pronunciada 30 anos atrás, por James Carville, então estrategista da campanha presidencial de Bill Clinton. Que, por sinal, venceria o páreo.

No original, era The economy, stupid! – A economia, imbecil!”. Com o tempo, cristalizou-se como “It’s the economy, stupid!”. O sentido original ficou levemente alterado, mas a frase ganhou uma dobradiça que lhe permite grande flexibilidade de aplicação.

Foi uma ordem dada aos integrantes da equipe de campanha sobre um ponto que eles não podiam esquecer nunca. Tinham absolutamente de ter sempre em mente as possíveis implicações econômicas ao fazer sugestões ou escrever discursos para o candidato.

De lá pra cá, a expressão virou clichê. Volta e meia, ressurge, mesmo em assuntos que nada têm a ver com economia. É o que me ocorre hoje.

Ontem, um planeta aturdido pererecou pela falta de Facebook, Instagram, Whatsapp & companhia, todos fora do ar. Durante as horas que o apagão durou, usuários atônitos se perguntavam o que teria acontecido.

Acanhada e atrasada, chegou a explicação dos donos do negócio. Cito um trecho do comunicado oficial:

“The six-hour outage across our platforms including Instagram, Messenger, Whatsapp, and OculusVR were caused by configuration changes to the routers which coordinate network traffic between the company’s data centers.”

O blá-blá-blá, torcido feito alambique, explica que a causa da pane são “mudanças na configuração dos roteadores que coordenam o tráfego entre os centros de dados da companhia”.

O mundo todo aceitou a justificativa tal como veio. A culpa cabe, portanto, às mudanças de configuração. Encontrado o culpado, estamos entendidos e não se fala mais nisso.

Acontece que essas “mudanças” não caíram do céu, nem foram introduzidas por um anjo mau. Elas foram feitas por mãos humanas, que trabalharam coadjuvadas por cabeças humanas. Portanto, a origem da pane é nada mais, nada menos, que erro humano.

Como é difícil admitir um erro, não é verdade? Aqui vale utilizar o clichê da campanha de Clinton: It’s human failure, stupid! – É erro humano, imbecil!”.

Não sei quem é mais imbecil nessa história, quem pronunciou a meia verdade ou quem a engoliu sem mastigar.

Prostituta é professora?

Dad Squarisi (*)

O verbete está no dicionário. O Google o reproduz. Alguém consulta o significado da palavra professora. Ops! A tela mostra: “prostituta com quem adolescentes se iniciam na vida sexual”. Grupos se mobilizam no WhatsApp. Querem que o site da internet apague a acepção que ofende as mestras.

Internautas emitem opinião. A maior parte dos comentários fala em injustiça, machismo, desconsideração com a classe, contribuição para aumentar o sofrimento das maltratadas profissionais. Etc. e tal. Não faltou quem comparasse o feminino com o masculino. Aí, a revolta aumentou. Na definição de professor, não se encontra nenhuma acepção negativa.

Revolta semelhante ocorreu há 20 anos. Lúcia Carvalho, então presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal, consultou o verbete mulher, no Aurélio. Encontrou 15 vocábulos sinônimos de meretriz. Entre eles, mulher-dama, mulher da rótula, mulher da rua, mulher da vida, mulher da zona, mulher de amor, mulher do mundo.

Dicionário Houaiss

E homem? No pai de todos nós, injustamente chamado pai dos burros, só aparecem significados positivos. Ela comparou homem da rua com mulher da rua. Ele é homem do povo. Ela, meretriz. E homem do mundo e mulher do mundo? Ele é homem de sociedade; ela, prostituta. A indignação da deputada foi tal que os protestos chegaram aos ouvidos de Jô Soares. O Gordo a convidou para o Programa do Jô. Ela foi. E daí?

O Aurélio, o Houaiss & cia. lexical são machistas? Devem ser condenados por registrar professora como prostituta? Ou por tratar tão desigualmente mulher e homem? Não. O dicionário é inocente. Ele sofre de incurável falta de criatividade. Incapaz de inventar, só anota as acepções que frequentam a boca dos falantes. Machista, discriminatória, injusta etc. e tal é a sociedade. O paizão repete o que ouve. É papagaio encadernado.

(*) Dad Squarisi, formada pela UnB, é escritora. Tem especialização em Linguística e mestrado em Teoria da Literatura. É editorialista do Correio Braziliense e blogueira – Blog da Dad.

Zap-zap estimula a inteligência?

José Horta Manzano

Quem já passou dos 35-40 anos há de se lembrar dos primeiros tempos da internet, lá pela virada do século, quando a rede mundial começou a se popularizar. Computador em casa ainda era artigo de luxo, inaccessível objeto de desejo de muita gente. Larga parcela de internautas frequentava cibercafés ‒ gênero de estabelecimento atualmente em acelerada via de extinção.

Inconscientes e inexperientes, os neonavegantes se enroscavam nos sargaços que infestavam as águas da internet. Naquela época, vírus se multiplicavam pela rede. Não se passavam duas semanas sem que surgisse notícia alarmante prevendo o estouro em cadeia da rede mundial. Havia perigo de que o próximo virus bloqueasse computadores, apagasse arquivos, inutilizasse o trabalho de muita gente. Às vezes, acontecia mesmo. Algum programinha malicioso se infiltrava sorrateiro e atazanava a vida de muito usuário incauto.

Naqueles tempos ‒ que já nos parecem antigos ‒ internautas eram ingênuos. Não sabendo lidar com critério, clicavam em botões onde não deviam. E assim, abriam as portas para vírus, bactérias e infecções. Era o começo, que fazer?, o povo ainda estava em fase de aprendizado.

De lá pra cá, os internautas ficaram mais espertos. Hoje em dia, todos aprenderam a lição de base. Sabem que não se deve clicar a torto e a direito só porque uma atraente luzinha insiste em piscar. Sabem distinguir o que pode do que não pode. Pra melhorar o panorama, fornecedores de serviços (Microsoft, Google & assemelhados) trazem antivírus incorporados e fornecem maior proteção. Faz anos que não se ouve mais falar naquelas ameaças de ataque viral que perigava bloquear computadores e aporrinhar a existência.

O WhatsApp anda dando que falar. Ataque maciço, robôs, boatos, fake news, compartilhamentos maliciosos ‒ são expressões que invadiram o quotidiano de todos. Utilizadores não sabem a que santo apelar. Sentem-se como num barco sem leme. Será que a notícia é verdadeira? Será que a fonte é confiável? Devo compartilhar?

O quadro de incerteza lembra nitidamente o perigo viral que ameaçava a rede no começo do século. Como naquele tempo, internautas voltam a sentir desconforto. Mas pode deixar. A oportunidade é supimpa pra desenvolver o espírito crítico. Assim como ninguém mais clica em botões à tonta, não vai demorar muito pra todos aprenderem a distinguir mensagem verdadeira de boato malicioso.

O atual problema tende a enfraquecer o espírito de maria vai com as outras e a reforçar o julgamento próprio. Nada como um momento de dificuldade pra despertar mecanismos de superação. O povo vai sair desta tempestade mais esclarecido e mais esperto, pode acreditar. Há males que vêm pra bem.

Jornalismo militante

José Horta Manzano

Às seis e meia da manhã, pela hora de Brasília, abro a edição online da Folha de São Paulo. Desfilando pela primeira página, encontro as seguintes chamadas:

  • Presidente da Gazint disse que Bolsonaro tem que ganhar para ‘não ter que gastar mais dinheiro’.
  • Grupos de WhatsApp pró-Haddad proliferam, e PT desconfia de armadilha bolsonarista
  • TSE abre investigação sobre Bolsonaro e compra de mensagens anti-PT
  • WhatsApp bloqueia contas; TSE e PTF apuram atuação eleitoral de empresas
  • Apoiadores de Bolsonaro começam a migrar grupos do WhatsApp para o Telegram
  • Empresários recuam em onda de apoio a Bolsonaro para não se expor
  • Repórter que descobriu envio de mensagens anti-PT participa do Eleição na Chapa
  • Bolinha de papel na cabeça de José Serra antecipa fake news
  • Roger Waters agradece vaias e chama Bolsonaro de insano. Músico diz que boicotaria o Brasil pela democracia caso candidato seja eleito
  • Comida na ditadura causava horror. Tem político querendo transformar o Brasil no país de 40 ou 50 anos atrás
  • O mercado ignora os riscos de um governo Bolsonaro
  • As reformas da extrema direita bolsonarista para destruir o Brasil

Não temos café
by Patrick Chappatte (1966-), desenhista suíço

Juro que é verdade, sem tirar nem pôr. Tudo na primeira página. Não estou tentando criar fake news ‒ pra entrar na moda. É consternante reconhecer que o autoqualificado ‘maior jornal do Brasil’ mais parece um panfleto partidário. O ativismo desse veículo, como diriam os franceses, é cousu de fil blanc ‒ costurado com linha branca. É patente, salta aos olhos. Só não enxerga quem não quer. Para conferir, basta dar uma olhada na sobriedade da primeira página dos outros dois jornais mais vendidos no país, o Estadão e O Globo. A diferença é comovente.

Vale notar que ter a maior circulação entre os jornais do país não significa ser ‘o maior’. São conceitos diferentes. Na Alemanha, o Bild tem, de longe, a maior circulação. Bate, com folga, qualquer concorrente. No entanto, com seu estilo de tabloide sensacionalista, está longe de ser ‘o maior’. Aliás, nem reivindica essa posição. É apenas o mais vendido, basta. A mesma coisa acontece com a Folha, que costumava ser jornal sério, mas está se perdendo.

A mídia tradicional tem visto seus leitores sugados pela internet. Cada veículo tenta solução própria para compensar a diminuição das vendas. “O maior jornal do país” parece ter escolhido caminho original. Mas é sempre perigoso vender a alma ao diabo. Como ensina o Conselheiro Acácio, as consequências vêm depois.

Língua de trapo

José Horta Manzano

Exemplos não faltam do despreparo de nossos homens públicos. Não passa um dia sem que este solte um palavrão, aquele desdiga o que tinha garantido na véspera, aqueloutro deixe escapar tremenda barbaridade. É realmente quotidiano, não dão descanso nem aos domingos.

Alguns escorregões são pesados de consequências. Outros são mais leves, se é que assim nos podemos exprimir. Nesta segunda-feira, despertamos com mais uma façanha, desta vez protagonizada pelo ministro da Secretaria de Governo, doutor Carlos Marun.

Num momento de descontração, o moço declarou num grupo de WhatsApp que doutor Ciro Gomes, pré-candidato à Presidência, era débil mental. Ai, minha língua de trapo! Pra quê? Doutor Marun se esqueceu de preceito fundamental do direito: scripta manent ‒ os escritos permanecem, não se consegue apagá-los.

Dito e feito. O impropério vazou, tornou-se público e chegou aos ouvidos do ofendido. Consumado o desastre, doutor Marun tentou consertar. Mas trocou os pés pelas mãos. Em lugar de suavizar a ofensa declarando que não era bem o que queria dizer, deu mais uma martelada no prego. Como desculpa, não encontrou nada melhor a dizer do que: «Se eu soubesse que ia vazar, não teria escrito isso».

Com a desajeitada declaração, Sua Excelência conseguiu proeza dupla. Por um lado, confirmou que, sim, considera que o adversário é débil mental. Por outro, revelou seu lado hipócrita: «se eu soubesse que ia dar cocô, faria cara de paisagem».

No caso de hoje, ao despreparo do personagem junta-se tremenda dose de simplicidade. Pobre país, cujos dirigentes, além de incapazes, são simplórios.

Francamente, até pra desleixo de homem público há limite. Ou já não há?

Mensagens em garrafas

Ruy Castro (*)

Tenho reparado que alguns emails enviados por mim só têm sido respondidos dez dias depois. A desculpa é sempre a de que só então haviam sido abertos pelo destinatário. Não duvido. No mundo do WhatsApp, quem se preocupa em abrir emails? O fato de que, até outro dia, eles eram o principal veículo de comunicação entre humanos não quer dizer mais nada. Mandar um email para alguém parece-se hoje com o náufrago que atira ao mar uma garrafa com uma mensagem, rezando para que, um dia, com sorte, a garrafa seja encontrada e a mensagem, lida.

Da mesma forma, deixar uma mensagem gravada na secretária eletrônica de um celular equivale a falar para um anfiteatro vazio, mesmo que se esteja recitando a Odisseia, de Homero. Por algum motivo, as pessoas já não se dão ao trabalho de escutar mensagens em secretárias. Ao ler no visor o número de quem telefonou, preferem ligar de volta e perguntar o que você deseja. O contrário também vale: ninguém mais dá bola para as secretônicas. Há um mês, ganhei um aparelho com uma secretária. Mas, até agora, o número de mensagens deixadas nela ainda não chegou a dez.

Nenhuma tecnologia, por mais moderna, está a salvo. Todas terão o destino daquele que já foi o mais querido e importante elo entre pessoas distantes: a carta de correio. As pessoas ‒ eu, inclusive ‒ deixaram de escrevê-las. É pena: há certas mensagens que só ficam bem em cartas manuscritas, vide as de amor, de despedida e até as sórdidas e anônimas, entregando a sua mulher.

E não vou me referir àquele trissecular e heróico veículo a ser brevemente extinto: o telegrama. Dizem que, mais do que todos, ele ficou inútil. Será? Como conferir aos outros veículos a reconfortante sensação de urgência de um telegrama de parabéns ou de pêsames?

Acho que vou passar a imprimir meus emails, enfiá-los em garrafas e atirá-los ao mar.

(*) Ruy Castro (1948-) é escritor, biógrafo, jornalista e colunista. Seus artigos são publicados em numerosos veículos.

Uótisápi ‒ 2

José Horta Manzano

O CIO ‒ Comité International Olympique, autoridade que controla e regula as atividades esportivas, anda cheio de dedos. Cabe-lhe tomar decisão pra lá de crucial: autorizar (ou bloquear) a participação dos atletas russos nos JOs Rio 2016, programados para daqui a duas semanas.

Comitê Internacional Olímpico Maquete da nova sede, Lausanne, Suíça

Comitê Internacional Olímpico
Maquete da nova sede, Lausanne, Suíça

A situação é embaraçosa e o veredito, seja qual for, será criticado. Se a Rússia for autorizada a enviar todos os seus esportistas, muitos ressentirão como se isso fosse um prêmio à dopagem, um incentivo à esperteza. Caso a participação da delegação seja vetada, a decisão soará como punição coletiva, situação intolerável em que inocentes pagam pelos «malfeitos» de pecadores. Punição coletiva pode ser cômoda para quem pune, dá menos trabalho, mas não cabe em nossa noção de Direito.

Como já havia acontecido em maio passado, a decisão autocrática de um magistrado brasileiro suspendeu, com efeito imediato, o funcionamento do aplicativo uótisápi (em brasileiro, whatsapp). A intenção é punir a empresa por negar-se a fornecer à Justiça certos dados confidenciais.

Whatsapp 1Está aí, de novo, um caso típico de desagradável (e desnecessária) punição coletiva. Não saberemos nunca se faltou imaginação ao juiz que determinou a interdição ou se a intenção era exatamente ser mimado com um dia de notoriedade e glória.

Há outras formas mais eficientes, embora menos vistosas, de pressionar uma empresa. Que tal uma multa diária? Fica aqui a sugestão para a próxima vez.

Definitivamente, não é justo punir todos os usuários do aplicativo. Não vale a pena acrescentar mais um tijolo ao edifício da insegurança jurídica que reina, majestosa, em nosso país. No estrangeiro, cai mal pra caramba.

Uótisápi

Telefone 3José Horta Manzano

Este blogueiro é do tempo em que telefone servia para telefonar. Li ontem que um dos integrantes da equipe que venceu o Campeonato Mundial de Futebol de 1970 declara ser proprietário de um burrofone ‒ em bem-humorada contraposição ao smartphone.

Jamais ganhei campeonato, nem mesmo de bolinha de gude. Ainda assim, me solidarizo com o simpático futebolista. Persisto na antiga convicção de que telefone serve para telefonar, mais nada.

Não adotar modernidades não significa necessariamente menosprezá-las. Acredito que, para a maioria dos viventes, celular no bolso seja objeto tão importante quanto era um pente Flamengo para os jovens de cinquenta anos atrás. In-dis-pen-sá-vel, no duro.

Pente 1O uso do aplicativo uótisápi ‒ nome cuja grafia já está devidamente aportuguesada para WhatsApp ‒ está suspenso no Brasil. A decisão monocrática foi tomada ontem por obscuro juiz sergipano.

Como não sou usuário, a decisão não me alcança diretamente. Mas não deixa de despertar questões importantes, quase filosóficas. Fico imaginando se, por absurda hipótese, na era pré-celular, quando a rede telefônica era o único meio de comunicação imediata, alguém ousasse tirá-la do ar, nem que fosse por 24 horas.

Celular 4Daria quebra-quebra e até tanques nas ruas, como se usava na época. Decisões de Justiça costumavam ser mais ponderadas, mormente em matéria importante e abrangente como a comunicação entre cidadãos.

Fica a nítida impressão de que o mundo evoluiu e a lei tem dificuldade em correr atrás. Seja qual for o motivo da suspensão, o caminho não pode ser a punição a todos os usuários. Leve-se em conta que o aplicativo é utilizado não só para conversa de namorado, mas também em correspondência comercial.

O Brasil, já fragilizado por ruinosa rapina e insuportável desastre administrativo, não precisava de mais essa. É urgente que se regulamente o alcance de decisões judiciárias dessa magnitude. Os meios de comunicação mudaram e a legislação tem de levar esse fato novo em consideração.