Vaquinha

José Horta Manzano

Até o momento em que escrevo, os pedidos de impeachment contra o presidente já passam de 60. É um recorde; nem a Dilma conseguiu atingir essa marca.

O processo de destituição de um presidente da República é longo e doído. E deixa sequelas. Quando possível, é melhor evitar. Mas no caso de doutor Bolsonaro, não dá pra esperar. Tem de ser já, agora, antes que a destruição das instituições chegue a um ponto irrecuperável.

A interferência do lulopetismo no andamento da República também foi perniciosa. Mas o problema maior, além da roubalheira, era o aparelhamento – a instalação de capangas em órgãos oficiais. A estrutura em si não foi abalada. Quando o petismo foi derrotado, bastou dar uma ‘limpa’ nos postos-chave.

Com o doutor é diferente. Não são somente os postos de chefia que estão sendo aparelhados (com militares e outros cupinchas ineptos). O mal é mais profundo.

A estrutura pacientemente construída durante décadas está sendo destruída. Os órgãos responsáveis pelas questões agrárias e indígenas estão entre as vítimas. A cobertura vegetal do país, que a natureza levou milhares de anos para consolidar, foi entregue a madeireiros e a agrotrogloditas para demolição.

A imagem do Brasil no estrangeiro, que já não estava lá essas coisas nos últimos anos do lulopetismo, foi pr’as cucuias de vez.

Fiquei sabendo da existência de um site chamado Vakinha, talvez o distinto leitor já conheça. Ele abriga as mais variadas propostas de financiamento colaborativo (em bom português: crowdfunding). Estão lá centenas de vaquinhas para ajudar quem precisa.

Entre as propostas, uma me pareceu original. Era a «Vaquinha para comprar o Centrão e aprovar o impeachment do Bozo», título que dispensa explicação. A ideia era simples: se cada um dos 60% de brasileiros que desaprovam o governo doasse 1 real, estariam reunidos os milhões necessários.

Não prosperou. Conseguiram só cinco mil e poucos reais, doados por 150 apoiadores. Acho que faltou divulgação.

Pode parecer folclórico ou até pretensioso. Como é que alguém imagina que os parlamentares aceitariam pagamento assim, às claras, para derrubar Bolsonaro? Olhe, é melhor não duvidar! Tenho certeza de que haveria muitas mãos estendidas.

Amigo é pra essas coisas

José Horta Manzano

Costuma-se dizer que é nas horas difíceis que se reconhecem os verdadeiros amigos. É verdade. É incrível como gente rica e festeira atrai admiradores. A casa vive cheia, é um entra e sai sem fim. Quando sobrevém algum momento mais penoso, com dinheiro curto, pode escrever: o enxame de amigos vai desmilinguindo. Sobram unicamente os verdadeiros ‒ se sobrar algum.

Pobre de quem acredita
Na glória e no dinheiro para ser feliz.

Dorival Caymmi

Dorival Caymmi

Em 1957, num samba amaxixado, Dorival Caymmi punha o dedo na ferida. Pobre de quem acredita na glória e no dinheiro ‒ cantava ele. Tinha razão.

Em pleno dia de Natal, apareceram duas notícias surpreendentes e antagônicas. A primeira delas dizia que foi lançada uma campanha de arrecadação ‒ nome chique para a tradicional «vaquinha» ‒ com o fim de ‘ajudar o Lula’. O movimento se chama catarse, palavra sugestiva pescada no grego, que indica justamente a purgação e a expulsão do que corrompe a natureza do ser. Nome sugestivo. (A não ser que seja forma menos agressiva de dizer: “Vai te catar”.)

O mote do movimento é ‘Por um Brasil justo para todos e para Lula’. Como acontece frequentemente, a verdade está nas entrelinhas. Analisada, a frase revela a ideia de um universo bipartido: o Brasil de um lado, o Lula do outro. A justiça que serve para o populacho não serve necessariamente para nosso guia, eis por que o mote deixa as coisas bem claras. De fato, os autores do refrão admitem que o antigo presidente escapa à condição de cidadão comum, daqueles que se satisfazem com justiça ordinária. Fica clara a exigência de justiça específica para o líder caído.

Dinheiro 5A outra notícia, que serve de contrapeso à vaquinha para ‘ajudar o Lula’, conta que um antigo tesoureiro do PT, encarcerado como outros tesoureiros do mesmo partido, poderia até aguardar julgamento em liberdade. Para tanto, tinha de pagar uma caução de um milhão de reais. O homem alega não possuir tal soma, razão pela qual passou o Natal atrás das grades e lá deve continuar até o fim do julgamento. Imagino o enxame que, nos tempos dourados, rodeava o cuidador dos dinheiros do partido. Não sobrou ninguém, meu irmão.

Fico aqui a cogitar. O Lula, que é, há zilhões de anos, presidente de ‘honra’ desse partido, vai deixar as coisas como estão? Manda organizar uma vaquinha em benefício próprio enquanto o fiel companheiro apodrece nas masmorras por falta de dinheiro? É assim que funciona a solidariedade entre companheiros?

É, a festa acabou mesmo. Salve-se quem puder.

Pobre de quem acredita
Na glória e no dinheiro para ser feliz.

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Sei não. Depois de tudo o que se tem visto e ouvido estes últimos meses, essas «vaquinhas» que arrecadam milhões da noite pro dia podem até ser vistas como lavagem de dinheiro. Por mentes distorcidas, evidentemente.

Falatório

José Horta Manzano

Blabla 4

Pressionado, o comitê político do Lula – pomposamente denominado instituto – deu a público uma lista de 41 empresas que pagaram 27 milhões para ouvir nosso guia. Fazendo contas rápidas, dá uma média de 660 mil por empresa, valor considerável.

Vem-me uma ideia. Não resisto em compartilhá-la (como se diz hoje em dia) com meus distintos leitores.

Quantas serão as empresas cujos dirigentes estão fartos de ouvir o Lula falar? Dezenas de milhares, centenas de milhares? Sugiro que se unam e organizem uma vaquinha nacional para recolher fundos e despejá-los no dito instituto.

O óbolo seria amarrado a uma única condição: que o Lula se cale e nunca mais fale em público. Nunca mais. Se for organizada a coleta, contribuirei com gosto.

Frase do dia — 87

«Essas pessoas não foram julgadas pelo seu passado, mas por suas atitudes no presente. Foram julgadas, condenadas e presas. (…) Eu não participo e acho que não pode ser uma orientação partidária fazer isso»

Olívio Dutra (PT/RS), ex-governador do Rio Grande do Sul, ao se posicionar com relação às “vaquinhas” marquetadas por desenvoltos companheiros. In blog Rosane de Oliveira, alojado no jornal Zero Hora, 24 jan° 2014.

Mais alto é o coqueiro…

José Horta Manzano

Quando as condições de vida melhoram, a gente tem tendência a esquecer rápido dos tempos em que batalhava para sobreviver. Uns mais, outros menos, todos nós temos esse pendor.

No tempo das vacas magras, países europeus passaram apertado. Na esteira de demografia galopante, de colheitas perdidas, de conflitos intermináveis, nem sempre tinham com que alimentar seus filhos. Foi quando as Américas receberam ― de bom grado ― imigrantes dos quatro cantos da Europa, na maioria gente desvalida, de pouco ou nenhum estudo, de escarsa formação profissional.

Coqueiro torto

Coqueiro torto

O tempo passou e o cenário se inverteu. Os países ibéricos, desde que descartaram seus respectivos ditadores, puderam aderir à União Europeia. Na garupa dessa junção, foram agraciados com investimentos, empréstimos sem obrigação de reembolso, dinheiro a rodo. De repente, se sentiram ricos e logo esqueceram os tempos de penúria quando tinham de exportar povo.

O novo status atraiu estrangeiros em busca de vida melhor. Surpreendentemente, esses novos imigrantes foram mal recebidos. A riqueza caída do céu havia transformado os povos recém-enriquecidos em novos-ricos de escassas qualidades e pesados defeitos. Conterrâneos nossos ― às vezes intelectuais que vinham para um curso ou uma conferência ― foram barrados como clandestinos, escorraçados e despachados de volta ao Brasil. Uma vileza.

A sabedoria popular diz que tudo o que sobe tem de descer um dia. A crise financeira fez que a bolha ibérica, sustentada principalmente pelo imobiliário, estourasse. O que era vidro se quebrou. O milagre se dissolveu e os novos-ricos voltaram a empobrecer. Hoje são eles que batem à nossa porta. E serão bem recebidos, que brasileiro não é gente rancorosa.

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A família de um dos condenados no processo do mensalão apelou para a caridade pública para ajudá-los a pagar a multa aplicada ao patriarca pelo STF. Organizaram uma vaquinha. Ninguém jamais saberá se houve doadores ou não. A esse respeito, guardo reserva ― fico com um pé atrás, como diz o outro. Tenho dificuldade em imaginar alguém enfiando a mão no bolso e tirando uma esmola para «ajudar» um figurão da política nacional.

Seja como for, vale o que já diziam os antigos: nada como sentir na carne a dor alheia. Enquanto viajava por cima da carne-seca, durante os 20 anos em que foi deputado federal, o mandachuva, que se saiba, não apresentou projeto de lei visando a mitigar o dia a dia dos encarcerados. Agora, que passou por lá, tomou consciência do problema e decidiu que o excedente recolhido na vaquinha será destinado a reformar estabelecimentos penitenciários.

Coqueiro alto Crédito: Baixaki

Coqueiro alto
Crédito: Baixaki

Por feliz coincidência, o valor arrecadado ultrapassa ― de bem pouquinho ― o montante exigido pela Justiça. Num gesto magnânimo, o condenado abriu mão desses trocados. Todos os jornais noticiaram. Palmas para ele.

Como se diz na França, «à quelque chose, malheur est bon». Não me ocorre um equivalente em nossa língua. Vale dizer que, pelo menos, as vicissitudes do medalhão terão servido para alguma coisa.

Rapidinha 12

José Horta Manzano

Com reportagem de Ricardo Chapola, o Estadão nos informa que foi criado um site exclusivamente para passar o chapéu e arrecadar uma ajudazinha do distinto público. Para quê? Ora, para pagar a multa a que um dos réus do mensalão foi condenado.

Três dúvidas me ocorrem:

Interligne vertical 141) O partido ao qual esse senhor é afiliado é considerado abastado. Por que não enfiam a mão no bolso e acabam logo com essa encenação?

2) Dados relativos a movimentação bancária são, em princípio, sigilosos. Quem garante que o montante anunciado terá sido realmente alcançado? De qualquer maneira, seja qual for a quantia declarada, ninguém poderá contestar.

3) Três dos condenados no processo do mensalão pertencem ao mesmo partido. A vaquinha está sendo lançada para dar arrimo apenas a um deles. Por que razão os outros dois não ousam recorrer à caridade pública? Será lícito tomar esse silêncio por uma reconhecimento de culpa?

Quem viver verá.

Miscelânea 08

José Horta Manzano

Passando o chapéu
O senador russo Russlan Gattarof anuncia que está organizando uma vaquinha para ajudar Snowden, acolhido pelo país em qualidade de asilado temporário. A coleta de fundos se fará pela internet.

Solicita-se a almas caridosas que consultem feicebúqui para maiores esclarecimentos sobre como contribuir para esta nobre causa. Informações fornecidas pelo jornal 20 minutes.

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Delação premiada
Que caso mais enrolado esse das fraudes em licitações em São Paulo! Só a Siemens teria entregue o equivalente a 8 milhões de euros em propinas. Ninguém quer segurar a batata quente. Jogada de colo em colo, a responsabilidade estacionou nas costas de um único indivíduo, um certo consultor chamado Teixeira. Como se fosse possível um personagem secundário ter embolsado todos esses milhões enquanto os outros participantes assistiam impassíveis.

Se a farinha é pouca, meu pirão primeiro

Se a farinha é pouca, meu pirão primeiro

A reportagem do Estadão fala em «fraude contra os cofres do governo de São Paulo». Ora, os «cofres do governo» são a caderneta de poupança da população. O governo ― esse ente genérico, impessoal e inalcançável ― não é dono de dinheiro nenhum. É apenas o gestor do dinheiro de todos nós.

Se roubo houve, a vítima terá sido o povo inteiro que, de uma forma ou de outra, acabou (ou acabará) pagando a conta. Mais cedo ou mais tarde. Direta ou indiretamente. Não tem como escapar.

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Malabarismo contábil
Em manobra escancaradamente eleitoreira, o governo central quer reduzir o valor da conta da energia elétrica. Mas as bondades ofertadas aos amigos do rei, aliadas à gestão desastrada de nosso dinheiro, acabaram esvaziando nosso cofrinho, de cuja guarda o governo é responsável.

Para não fazer feio, estuda-se tomar empréstimo nalgum banco público a fim de custear a redução do preço da energia. É o que se chama trocar seis por meia dúzia. Tira-se do bolso esquerdo para enfiar no bolso direito. Despe-se um santo para vestir outro.

É grande o desespero de dirigentes que veem evaporar em alta velocidade seu capital eleitoral. Truques como esse são primários. Dão alívio temporário, mas voltam com força redobrada para cobrar a conta.

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Se a farinha é pouca, meu pirão primeiro

Se a farinha é pouca,meu pirão primeiro

Anjo decaído
José Dirceu se debate. Usando o dinheiro lícita e honestamente amealhado durante os anos de glória, paga os melhores juristas do País e lhes implora que encontrem um meio de livrá-lo da prisão.

Depois do susto que as manifestações populares de junho deram em todas as autoridades da República ― em todas elas, sim! ―, vai ser difícil conseguir um desconto. Quem viver verá.

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Ninguém é perfeito
Joaquim Barbosa, atual presidente do STF, seguiu um percurso absolutamente fora dos parâmetros. Ao nascer, nenhum sinal apontava para um destino nas altas esferas. Negro, de origem humilde, tinha tudo para viver a vida simples do brasileiro comum que peleja diariamente para garantir o sustento da família.

No entanto, esforçou-se mais do que outros. Fez as opções certas, no momento oportuno, agarrou as oportunidades que se lhe apresentaram. Estudou muito, aplicou-se, deu de si. Chegou lá.

Foi original em tudo: conhece profundamente a área em que atua, é poliglota, tem sabido ser autoritário sem descambar para a tirania, é homem culto e viajado. Mas ninguém é perfeito. Na hora de escolher um lugar para aplicar suas economias, fez como outros milhares de seus compatriotas: decidiu-se por Miami, destino sonhado por 9 entre 10 brasileiros.

Foi original em quase tudo.

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