O edifício e a maquineta

José Horta Manzano

O portentoso (e modernoso) edifício retratado aqui abaixo, obra do arquiteto Niemeyer, é a sede do TSE ‒ Tribunal Superior Eleitoral. Fica em Brasília. Especificidade brasileira, a instituição está encarregada de organizar e administrar eleições. Em outros países, uma simples comissão subordinada à Justiça comum faz o trabalho. Entre nós, decidimos pensar grande: há todo um aparato nacional para cuidar do assunto. Afinal, somos um país grande e rico, que diabos!

Deixo ao distinto leitor a tarefa de calcular, por alto, quanto nos deve custar o funcionamento da estrutura. Começa com os ministros togados de Brasília e se expande pelas 27 filiais estaduais, também chamadas de tribunais. A manutenção do imponente prédio brasiliense, dos palácios estaduais e de todo o pessoal há de custar os olhos da cara.

Assim mesmo, a julgar pelos eleitos, é dinheiro desperdiçado. Ainda se a pesada e caríssima estrutura produzisse bons frutos, vá lá, ninguém reclamaria. Mas o gasto exorbitante do dinheiro do contribuinte, neste caso preciso, não tem melhorado o nível dos eleitos.

by Constantin Ciosu (1938-), desenhista romeno

Domingo passado, o Amazonas votou para governador. Cassados o titular e o vice, não houve jeito senão convocar novas eleições. Para prestigiar o pleito, doutor Gilmar Mendes visitou a capital do estado no dia do voto. Entre outras declarações, ensinou que a urna eletrônica ‒ da qual tantos desconfiam ‒ é testada a cada eleição.

Devo confessar que desconhecia esse fato. Procurei me interessar. Como é feito o contrôle? Segundo doutor Mendes, escolhe-se aleatoriamente certa quantidade de urnas. Para cada uma delas, será conferido se a totalização corresponde à planilha oficial enviada a Brasília.

Como é que é? Ou entendi mal, ou esse teste não testa. O que se quer saber não é se os mesários transmitiram total falsificado. Só faltava. O que se quer é ter certeza de que a totalização automática da urna, ao final do voto, reflete com fidelidade a escolha dos eleitores. A verificação evocada pelo doutor não garante que o próprio software instalado na maquineta já não venha viciado.

Já disse e repito: os únicos capazes de garantir a lisura da totalização de cada aparelhinho são os que produziram o software. E, naturalmente, seus mandantes. Na falta de prova escrita e tangível, pode-se apenas conjecturar sem poder afirmar. Alguns países democráticos e avançados chegaram a testar a geringonça. Não adotaram. Continuam a votar com a boa velha cédula de papel. «Por algo será» ‒ alguma razão há de haver, como dizem os espanhóis. Sabidos, os latinos também já tinham constatado que «Scripta manent» ‒ o que está escrito permanece.

Latim de botequim

José Horta Manzano

Caesar 1Este blogueiro é do tempo em que ainda se aprendia latim na escola. Aprendia é modo de dizer.  A língua era ensinada, mas aprender, que é bom, eram outros quinhentos. A matéria era um espantalho para muitos de nós. Um belo dia, seu ensino passou a ser considerado supérfluo, e a língua foi abolida do currículo. É pena. Fácil, não era. Mas tinha lá sua utilidade.

Faz uns dias, o vice-presidente de nossa República enviou carta à mandatária-mor. Embora digam que o figurão tem estatura de estadista, o tom da missiva está longe de demonstrá-lo. A ladainha de reclamações pessoais é constrangedora. Apesar do tom de funcionário chorão, o texto começa justamente com uma frase na língua de Cícero. Não se sabe se dona Dilma entendeu ou se teve de se socorrer junto a assessores. Pouco importa.

A frase latina que senhor Temer deitou no papel é:

Interligne vertical 14Verba volant, scripta manent.
Palavras voam, escritos ficam.

Um pouco alterada, a frase é conhecida de todos os que um dia já arriscaram uma fezinha na Paratodos, o Jogo do Bicho. O mote da contravenção mais difundida, conhecida e tolerada é justamente: “vale o escrito”.

Data venia, tenho de botar reparo na citação do vice-presidente. É verdade que alguns conceitos foram poupados pela passagem dos dois milênios que nos separam do auge do Império Romano. Outros, no entanto, envelheceram. A máxima citada é daquelas que precisam ser adaptadas aos novos tempos. A versão 2.0 deverá ser algo como:

Interligne vertical 14Scripta manent, sed igne delebuntur. Verba volant, sed nube captabuntur.
Os escritos ficam, mas serão destruídos pelo fogo. As palavras voam, mas serão aprisionadas por uma nuvem (=cloud).

Interligne 18f

PS: Nas aulas do velho professor Biral, que dava o melhor de si para nos iniciar nos mistérios da língua latina, nem sempre fui o aluno mais atento. Para o caso de o mestre, na nuvem de onde hoje nos espia, torcer o nariz para minha tradução, peço-lhe desculpas antecipadamente.