Vai passar a faixa?

José Horta Manzano

Está fervendo a especulação sobre como será a cerimônia de 1° de janeiro 2023. Afinal, Bolsonaro vai passar a faixa ao sucessor? Passa ou não passa?

Do capitão, pode-se esperar tudo, inclusive o pior. Portanto, é bom ir com calma nas expectativas. Faltam quase dois meses para o dia da transmissão de poder – uma eternidade, quando se trata de personalidade instável.

Sabe-se que o espantalho maior do (ainda) presidente é a prisão. No momento em que descer a rampa, voltará a ser um cidadão comum, sujeito a chuvas e trovoadas como qualquer um de nós. Só que ele carrega uma baciada de processos, e nós não. E ele sabe que tem um armário cheio de esqueletos.

Para o 1° de janeiro, há a solução de deixar o país, encarregar o vice de entregar a faixa a Lula, e só voltar alguns dias depois. Parece simples, mas há um perigo.

Os mais antigos talvez se lembrem do que aconteceu em 1998 com o general Pinochet, que tinha sido ditador do Chile. Aos 83 anos, já retirado da vida política, ele estava de passagem em Londres para tratamento de saúde. Para sua surpresa, foi um dia despertado no hospital pela polícia inglesa. Recebeu voz de prisão.

É que um persistente juiz espanhol tinha pedido ao governo inglês que concedesse extradição do ex-ditador para ser julgado na Espanha. O velho Pinochet passou 503 dias em prisão domiciliar, até que o governo britânico o liberou por motivos humanitários depois de ele sofrer um AVC e ficar meio gagá.

Com o caminhão de acusações que carrega, seria temerário Bolsonaro se aventurar no exterior depois de ter perdido a imunidade presidencial. Ao redor do planeta, muitos juízes estão à espera desse momento para mandar prendê-lo e despachá-lo ao Tribunal Penal Internacional.

Resta a opção de engolir o orgulho e passar a faixa ao sucessor. Seria a melhor solução. Todos vão apreciar, tanto o público interno quanto o internacional. O Brasil transmitirá uma imagem de democracia normal e amadurecida em que ex-presidentes não saem pela porta dos fundos.

Já o futuro do capitão, em matéria internacional, parece delicado. Fosse ele, eu evitaria pôr os pés fora do território nacional, seja qual for a razão, seja qual for o destino. Lá fora, pode até surgir um juiz zeloso que peça sua prisão preventiva. Nunca se sabe.

Chirac – o funeral

José Horta Manzano

Quinta-feira passada morreu Jacques Chirac, que foi presidente da França por doze anos, na virada do século (1995 – 2007). Como todo político, teve um lado bom e outro mais escuro. Foi sem dúvida o presidente mais popular destes últimos 50 anos, desde que De Gaulle deixou o poder.

Assim que a notícia chegou, chefes de Estado do mundo todo emitiram nota expessando pesar e deixando algumas palavras de elogio. Quando alguém acaba de falecer, convém lembrar do lado bom. Só se pode começar a falar dos podres depois de alguns dias.

Nesta segunda-feira, teve lugar o funeral, com as honras devidas a todo ex-chefe de Estado. Os franceses são bons nisso. São capazes de organizar cerimônias que, de tão solenes, dão arrepio. Tambores rufando, militares em uniforme de gala, sino de Notre Dame badalando, o Requiem de Gabriel Fauré como fundo musical, a Marselhesa na hora certa – tudo milimetricamente organizado.

Dirigentes de praticamente todos os países se manifestaram. Ou mandaram mensagem, ou compareceram. Na cerimônia, estavam todos os ex-presidentes da França, além de Vladimir Putin, Bill Clinton, o presidente da Itália, o príncipe de Mônaco, chefes de Estado europeus e mais uma centena de personalidades estangeiras. O Lula, sentadinho na palha úmida da masmorra onde vive, não pôde estar presente em Paris; mas reagiu com um tuíte simpático.

Só faltou… quem poderia ser? Faltou Donald Trump! Malcriado e mal-assessorado, o tuiteiro-mor não se dignou de soltar duas linhas em homenagem a um francês que, por sinal, era muito próximo dos EUA, país onde chegou morar durante um ano, na juventude.

E quem é que acompanhou o presidente americano no desdém? Qual é o importante personagem nacional que passa o tempo tuitando e não julgou importante escrever três palavras em nome do Brasil? Quem adivinhar ganha uma passagem de ida simples pra Caracas – de ônibus. Resposta no próximo parágrafo.

Claro! Foi doutor Bolsonaro. Como dizia o Barão de Itararé, «de onde menos se espera, daí é que não sai nada».

A posse e o desapossamento

José Horta Manzano

O novo presidente e seu vice tomaram posse do cargo. A cerimônia foi solene, formal, um tantinho demorada ‒ especialmente em razão do interminável discurso do presidente do Senado, um exercício de autolouvação explícita. Não é de bom-tom falar mais do que o homenageado, mas quem esperaria recato de doutor Oliveira?

Pelo protocolo, doutor Bolsonaro tornou-se presidente oficial do Brasil no exato momento em que o presidente da mesa fez a proclamação. Isso ficou claro. Porém, um detalhe ficou no ar.

Não foi oficialmente retirada a posse do antigo presidente. É automático, é? Ou, quem sabe, doutor Temer vai continuar residindo num puxadinho do Alvorada, como presidente emérito, igual ao papa antigo.

É verdade que todo o mundo intuiu que a posse dada ao novo anula a que tinha sido dada ao antigo. Mas não custava formalizar.

Observação
O mandato de doutor Temer terminou dia 31 de dezembro à meia-noite. O sucessor só foi empossado na tarde de 1° de janeiro. Tecnicamente, portanto, o Brasil ficou sem presidente da zero hora até o meio da tarde do dia primeiro.

Não é brincadeira. Suponhamos que alguma coisa grave aconteça nessas horas, algo que necessite imperativamente de decisão presidencial. Quem está no comando?

Frase do dia — 219

«A posse do cocaleiro Evo Morales, na Bolívia – salada de crendices alimentada pela ignorância e pelo culto à folha de coca (matéria-prima da cocaína) – foi de um ridículo atroz. Dilma poderia ter evitado esse mico.»

Cláudio Humberto, jornalista, em coluna do Diário do Poder, 23 jan° 2015.

A data incômoda

José Horta Manzano

Não adianta, é de lei: o fruto nunca cai muito longe da árvore. O Brasil herdou, da antiga metrópole lusa, espírito burocrático e cartorial. Volta e meia, um sinal de recaída aparece aqui e ali.

by Roque Sponholz, desenhista paranaense

by Roque Sponholz, desenhista paranaense

O mais recente é o anúncio do novo salário mínimo. Todos esperavam 790 reais. O martelo foi batido a 788 reais. Por medida de economia! Alguém falou em mesquinharia? Bota mesquinharia nisso, compadre! Comparada com os bilhões roubados pelos pilantras que nos governam, é avareza revoltante.

A Constituição «cidadã», de 1988, não foge à regra. Com quase 250 artigos, figura entre as mais extensas do mundo. Detalhista, esmiuçada, amarrada, é um primor de complicação.

Entre outras minúcias, fixou até a data exata de início do mandato dos eleitos. Ninguém sabe bem por que, optou pelo primeiro dia do ano. Deve ter parecido lógico aos constituintes. Nenhum deles se perguntou se a data era oportuna.

Pois não era. E continua não sendo. Que vereadores, prefeitos, deputados e governadores assumam a função no dia primeiro de janeiro, pouco incomoda. Já com o presidente da República, a coisa muda de figura. Prestígio de mandatário-mor se mede, entre outros parâmetros, pela presença de autoridades estrangeiras à cerimônia da tomada de posse.

Agora imagine o distinto leitor. Acredita sinceramente que toda essa gente fina que governa o mundo vai abandonar família e amigos, renunciar aos festejos da passagem de ano e viajar na noite de ano-bom só para se mostrar ao lado do presidente do Brasil? Até a governante de país vizinho e hermano anunciou, dias atrás, haver sofrido uma entorse. Luxação presidencial e providencial, que lhe evitou o aborrecimento de viajar na passagem do ano.

Decreto de 1910 que institui a faixa presidencial.

Decreto de 1910 que institui a faixa presidencial.

Resultado: o presidente do Brasil costuma assumir seu cargo diante de uma plateia ralinha, formada por subs, vices e representantes. Neste país onde a inflexibilidade burocrática impera, já faz um quarto de século que o problema permanece. Insolúvel.

E pensar que se pode resolvê-lo até sem mexer na Constituição «cidadã». Como? Ora, basta fazer como noivos modernos. Antigamente, era praxe casar no civil e no religioso no mesmo dia. E espichar com uma festa.

Hoje, já se admite separar os eventos. O casamento diante do juiz de paz será cerimônia simples, celebrada na presença dos padrinhos e do círculo familiar mais próximo. O ato religioso e a recepção não precisam ser necessariamente no mesmo dia.

by Roque Sponholz, desenhista paranaense

by Roque Sponholz, desenhista paranaense

O cerimonial do Planalto poderia encaixar o ritual nesses moldes. Dia 1° de janeiro, de conformidade com a lei, o presidente assumiria o cargo e anunciaria o ministério. Cerimônia simples, sem pompa, sem baile, sem queima de fogos. Alguns dias depois, viria a recepção, com caviar, pé de moleque, champanhe e convidados.

A festa poderia ter data fixa ou aleatória. Pode-se fixar, por exemplo, a segunda quinta-feira de janeiro ou o terceiro sábado. Pode-se também marcar a cada quatro anos. Talvez seja até melhor não engessar o dia – nunca se sabe o que vai estar acontecendo no planeta daqui a quatro anos.

Enfim, se os do andar de cima fossem gente de bom senso, não estaríamos na situação em que estamos.

Mais uma vez, feliz ano-novo a todos!