Peruada

Correio Paulistano, 29 março 1935

José Horta Manzano

Até os anos 1930, peruada estava para os perus como galinhada estava para as galinhas: designava um bando de perus, nada mais. É um tanto controversa a razão pela qual os estudantes da Faculdade de Direito da USP dão esse nome aos desfiles e às brincadeiras que organizam uma vez por ano.

Há quem diga que, certa feita, os rapazes furtaram perus de um parque da cidade e os transformaram em alimento digno de saciar a fome de muitas bocas. Outros dizem que não é bem assim e que a tradição já vem dos tempos do imperador.

As primeiras menções de peruada como nome dos festejos estudantis aparecem na imprensa dos anos 1930. No Correio Paulistano de 29 de março de 1935, o comitê organizador publica um comunicado com as regras do trote – chamado ‘peruada’. Avisam que o couro cabeludo de todo calouro será rapado. Acrescentam que ainda será cobrada de todos uma “modesta” quantia de 20$000 (vinte milréis, valor considerável para a época, equivalente ao preço de venda de 100 jornais).

Numa demonstração de que não é de hoje que as classes abastadas gozam de privilégios inalcançáveis para os mais modestos, o comitê informa que, mediante pagamento de 200$000 (duzentos milréis, soma astronômica, correspondente ao preço de 1.000 jornais), o calouro será poupado e poderá conservar as melenas.

É muito triste constatar que, passados noventa anos, o país continua empacado. Continuamos vivendo numa sociedade dividida entre os que têm e os que não têm.

Não é chocante que haja desnível financeiro entre cidadãos. O que choca é o exagero. A enorme riqueza não assusta; o que horroriza é a extrema pobreza. Não me parece escandaloso que um indivíduo possua bilhões; já a existência de cidadãos que passam fome é a demonstração de que a sociedade é disfuncional.

Em nosso país, há os que não têm teto, há os que passam fome, há os que têm de trabalhar para sustentar os próprios estudos, há os que são obrigados a ter mais de um emprego para sobreviver, há famílias vivendo debaixo de viadutos, há iletrados e analfabetos.

Enquanto isso, um presidente anda de jet ski e um ex-presidente dá festa de casamento para 200 convidados. Ambos são candidatos nas próximas eleições. São muito bons na hora de insultar-se mutuamente, mas quando vem a hora de apresentar um plano consistente para fazer o país avançar, o que se vê é o nada e o que se ouve é o silêncio ensurdecedor.

Algo enguiçou no país, e ninguém parece muito preocupado em desenguiçar.

É pouco

José Horta Manzano

Consoante THE – World University Rankings, instituição amplamente reconhecida, nenhuma universidade brasileira está classificada entre as 200 melhores do mundo. Entre o 200° e o 500° lugar, aparecem duas universidades brasileiras. São as únicas instituições nacionais entre as 500 melhores do mundo. A mais bem classificada é a Universidade de São Paulo (USP), cotada entre as 300 melhores. Em seguida, vem a Universidade de Campinas (Unicamp), situada entre o 400° e o 500° lugar.

Além das duas mencionadas, quatro outras universidades brasileiras aparecem entre o 600° e o 800° lugar. São elas: a Universidade Federal de Minas Gerais, a Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul e a Unifesp. Portanto, apenas meia dúzia de universidades brasileiras estão classificadas entre as mil melhores do mundo. É muito pouco.

Para efeito de comparação, está aqui um quadro com o mapa da Europa e a menção, para cada país, de quantas universidades estão entre as 500 melhores.

Mapa preparado por jakubmarian.com

Note-se que o Reino Unido tem 58(!) instituições classificadas. Seguem-lhe a Alemanha (44) e a Itália (33). Até a pequena Irlanda tem 7 universidades entre as 500 primeiras, quando o imenso Brasil tem apenas 2.

Nosso país é o 5° do mundo em território e o 5° em população. Partindo da premissa que o brasileiro não é menos inteligente que o resto da humanidade, a indigência de nosso desempenho é incompreensível. Não seria exagero esperar que ao menos uma universidade nossa ‒ umazinha só ‒ se classificasse entre as dez primeiras. Ou entre as vinte melhores. Ou, com muita condescendência, entre as cinquenta campeãs. Em vez disso, nossa melhor instituição só aparece depois das 200 primeiras. É desesperante.

O lulopetismo, que dominou a política nacional durante a última década e meia, se gaba de ter aberto mais faculdades do que nenhum outro governo anterior ‒ como nunca antes neste país. Há de ser verdade. Mas a posição brasileira na classificação global dá prova de que o balanço é ruim. Os estrategistas do partidão confundiram quantidade com qualidade. Pode trazer votos, mas não leva à excelência.

Shanghai Ranking

José Horta Manzano

A Academic Ranking of World Universities (Shanghai Ranking), entidade chinesa especializada em avaliar universidades, publicou sua classificação 2018.

Segundo ela, 6 universidades brasileiras aparecem entre as 500 melhores do planeta. São elas: a Universidade de São Paulo, a Federal do Rio de Janeiro, a Unesp, a Unicamp, a Federal de Minas Gerais e a Federal do Rio Grande do Sul.

Pode parecer pouco, mas não está tão mal assim, que a concorrência é forte. Países conhecidos pelo ensino de qualidade não fazem muito melhor. Só pra comparar, a França conta com 18 universidades entre as 500 melhores. A Espanha tem apenas 10.

Das 20 primeiras, 16 são americanas, 3 são britânicas e uma é suíça.

Voltando ao assunto…

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Remedio 1Acabo de ler a notícia de que a presidente da República sancionou lei que libera a produção e a venda da fosfoetanolamina. Se estou feliz? Não, não estou. Ao contrário, estou assustada com as possíveis consequências do açodamento com que ela foi liberada e quero explicar meus motivos.

Outro dia, um jornalista escreveu artigo defendendo a ideia de que é possível estar certo pelas razões erradas. Ele se referia ao cenário político brasileiro e à incrível debandada de parlamentares que compunham a base de apoio da presidente. Ele estava certo, suponho, mas não é a isso que me refiro hoje.

Na reportagem que informava a liberação da chamada “pílula do câncer”, o autor afirma com todas as letras que, “apesar de estudos científicos não terem apontado nenhuma eficácia dessa substância”, a Casa Civil teria recomendado a liberação “para evitar qualquer ameaça de desgaste (e de perda de votos) às vésperas da votação do impeachment na Câmara”.

Farmacia 2Infelizmente, é assim que nosso país funciona. Tanto os congressistas, que aprovaram apressadamente a liberação da droga sem consulta aos órgãos médicos competentes, quanto o executivo federal operaram ‒ tudo leva a crer ‒ fazendo cortesia com chapéu alheio. Como afirma um oncologista do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer ouvido na reportagem, a pílula “não deve ser assunto político”. Assino embaixo. Os pacientes de câncer e seus familiares não merecem que se lide irrefletidamente com sua saúde e sua qualidade de vida.

Aonde quero chegar? Quero apenas refletir sobre os meandros burocráticos que cerceiam a pesquisa médica brasileira e, nesse contexto, analisar mais em profundidade o papel da Anvisa. Que não nos faltam cientistas de alto padrão é fato sabido por todos. Que instituições de ponta no ensino e na pesquisa médica como a USP e o Instituto Oswaldo Cruz alcançaram reconhecimento internacional por sua qualidade, também. Onde está então o problema?

Posso estar enganada, mas me parece que a Vigilância Sanitária brasileira entende como missão principal a de reinventar a roda todos os dias. Basta lançar um olhar desapaixonado para o que aconteceu há alguns meses com o canabidiol. Apesar de vários estudos científicos internacionais terem apontado a importância dessa droga no controle da epilepsia e outros transtornos neurológicos, a Anvisa não se deu por vencida por meses e anos a fio, permitindo que médicos que o receitassem e pacientes que o importassem continuassem sob ameaça de prisão por tráfico de drogas. Depois, acuada diante de tantas evidências de sua eficácia, foi liberando aos poucos a importação da droga, pretendendo fazer crer que pesquisas médicas nacionais em andamento estavam chegando aos mesmos resultados.

Injeção 1Há alguns anos, a Anvisa já havia se lançado impávida à tarefa de disciplinar a comercialização de medicamentos homeopáticos. Impôs aos laboratórios a anexação de bula com indicação de uso de cada substância, dosagem, efeitos colaterais, etc., fazendo de conta que desconhecia o fato de que um mesmo medicamento homeopático pode ser – e é – usado há séculos para diversas doenças, sem relação umas com as outras. A critério do médico, é claro.

Sou leiga no assunto e não posso me pretender imparcial diante dessa iniciativa, já que na época eu era paciente da medicina antroposófica e minha cachorra estava sendo tratada com sucesso com uma injeção contra o câncer desenvolvida por um laboratório suíço e comercializada havia mais de duas décadas no Brasil (eu mesma já a havia tomado, com igual sucesso). Em decorrência da postura irredutível da Anvisa, a tal injeção foi retirada de circulação e sua importação proibida, levando ao desespero e desamparo milhares de doentes de câncer da noite para o dia. Não sei o que aconteceu com os humanos. Minha cachorra morreu.

Voltando à fosfoetanolamina, suspeito que, se o químico que desenvolveu a pílula há mais de 20 anos fosse um pesquisador estrangeiro, a Anvisa já teria se interessado em promover por conta própria estudos mais aprofundados. Acredito também que a USP teria pensado duas vezes antes de tratar um profissional formado pela própria instituição de curandeiro e determinar a lacração do laboratório que produzia a droga.

Hospital 1Isso sem considerar que eventual comprovação da eficácia da pílula do câncer poderia colocar em polvorosa poderosas indústrias farmacêuticas multinacionais, ameaçadas de perder a hegemonia no combate ao câncer e seus fantásticos lucros. E pensar que o tal químico tupiniquim, além de ter feito uma descoberta de fundo de quintal, distribuía o medicamento gratuitamente, por acreditar cegamente no próprio trabalho.

Não pretendo insinuar que todos os cientistas, pesquisadores e médicos que se colocaram acidamente contra a fosfoetanolamina tenham se deixado abater pela pressão de grupos internacionais. Mas que, inadvertidamente, ajudaram a corroborar a tese de que sofremos da síndrome de vira-latas, lá isso está claro. A começar pela constatação de que havia menos fosfoetanolamina nas pílulas do que o alardeado e a presença de “resíduos” de outras substâncias. Ora, doutores, por que não investigar cientificamente a atuação da substância pura nas células malignas e determinar a dosagem ideal antes de afirmar que a droga não faz nenhum efeito ou tem menor eficácia que a de outras drogas já comercializadas?

Remedio 2Na sequência, me causou espécie saber que especialistas brasileiros tenham se deixado envolver em intensa polêmica a respeito da distribuição da droga como suplemento alimentar. Não ‒ diziam irados os opositores ‒ estaríamos tentando cobrir o sol com peneira, o produto continuaria a ser usado como medicamento. Afinal, doutores, desculpem a petulância de perguntar: que males (além da automedicação) poderiam advir se isso acontecesse? A fosfoetanolamina apresenta ou não efeitos colaterais indesejados? É tóxica para o organismo, interage e atrapalha a ação de outras substâncias anticancerígenas?

A resposta? Ninguém sabe, até mesmo porque a pesquisa da fosfoetanolamina ainda não avançou para a fase de testes clínicos em humanos…

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

O feioso português da presidenta

Carlos Eduardo Gonçalves (*)

Este escriba aqui não vota em Dilma não, apesar de já ter votado em Lula, em 2006.

Os motivos são diversos, mas destaco dois: a incompetência no manejo da economia e a corrupção sistêmica.

Tem um terceiro, porém, que pode até ser menos relevante, mas que, confesso, me gera certa repulsa e me motivou a rascunhar este post: o uso do português pela presidenta.

Dilma, desculpe-me, mas seu português é de estarrecer. Embaralhado, sem fluência, sem um charmezinho sequer.

Além disso, muitas vezes não dá mesmo para entender o que ela quer dizer, tortuosas estruturas de difícil apreensão, idas e vindas labirínticas. E aquele repetir infinito do «no que se refere», tão pouco natural e sinalizando escassez de termos e expressões substitutas.

A presidenta já citou o Velho do Restelo para criticar os críticos, mas será que leu efetivamente Camões?

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(*) Carlos Eduardo Gonçalves é economista, escritor e professor da USP. Edita o blogue Prosa Curta, alojado no Estadão.

Último ATTO

José Horta Manzano

Há quem ainda garanta que é iminente o perigo de «uzamericânu» invadirem a Amazônia a fim de se tornarem os maiores produtores de açaí e de cupuaçu.

Mas tudo tem seu lado bom. Se isso acontecer, o guaraná ― bebida nacional por excelência ― passará a ser importado. Exatamente como uísque escocês puro malte. Quer coisa mais chique?

Já no final dos anos 1980, diante do risco de perder o controle de um naco do território nacional, os governantes militares da época decidiram desenvolver o Projeto Sivam. O nome, que soa bem, é feliz abreviação de SIstema de Vigilância da AMazônia.

A intenção era instalar uma teia de radares para monitorar a região. Um problema barrava a estrada, entretanto: a tecnologia necessária não estava disponível no Brasil.

O Planalto foi obrigado a seguir o rumo inevitável: para se prevenir contra futuras invasões, solicitaram ajuda… ao pretenso futuro invasor. Encomenda foi passada a uma empresa dos EUA. Depois de os militares terem sido mandados de volta à caserna, os sucessivos governos federais cuidaram de levar adiante o programa.

Assim mesmo, ainda há quem garanta que a ameaça persiste. Asseguram que «uzgríngu» estão à beira de nos arrancar um naco do território, justamente aquela região que antigamente ninguém queria. Era até descrita, com certo desdém, como o «inferno verde». Estamos numa democracia ― a cada um é permitido cultivar suas fobias como bem entender.

Atto 1Um outro tipo de monitoramento se tem feito necessário estes últimos anos. As alterações climáticas que se anunciam não são ameaças regionais, mas planetárias. Apesar de continuar encolhendo à vista d’olhos, a região amazônica ainda tem peso considerável no meio ambiente global.

Faz alguns anos, formou-se um consórcio entre agências brasileiras e ― quem adivinha? ― americanas para monitorar o ecossistema amazônico. São várias instituições, algumas entrando com o financiamento e outras, com a tecnologia. A USP e até o Instituto Max Planck, uma espécie de MIT alemão, integram o grupo.

Atto 2Na prática, está em construção uma altíssima torre ― alguns metros mais alta que a Torre Eiffel ― em plena Amazônia brasileira. Deve ficar pronta até o fim do ano. Seu objetivo é coletar dados científicos que, reunidos e analisados, levarão a um entendimento mais amplo da evolução do meio ambiente da floresta tropical.

Só nos resta aplaudir. Com um reparo, porém. O projeto de trinta anos atrás foi nomeado seguindo o acróstico formado pelas palavras em nossa língua (SIstema de Vigilância da AMazônia). O novo empreendimento tomou caminho mais moderno.

A Torre Alta de Observação da Amazônia deveria ser conhecida por TAOA. Ou Taoam, que soa até melhor. Não foi o que decidiram. O projeto tem o nome oficial de ATTO, por Amazonian Tall Tower Observatory.

Fica no ar a sensação de que «uzamericânu» já tomaram conta da região. E ninguém nos avisou.

Rapidinha 10

José Horta Manzano

Verdura na cabeça
Estudo levado a cabo pela USP chega à conclusão de que, quando um bosque é plantado por cima da cobertura de concreto de um prédio, a temperatura do edifício tende a baixar.

É a confirmação do que todo o mundo já sabia ― ou intuía: a vegetação tende a mitigar a temperatura do ar. No Sahara, sabem todos, faz mais calor que na Amazônia. O que era apenas impressão ganhou agora a credibilidade de um estudo sério.

Projeto de jardins suspensos

Jardins suspensos generalizados: uma utopia?

Melhor do que plantar árvores no cocuruto de prédios, será desapropriar grandes espaços degradados e transformá-los em parques arborizados. Se Nova York pode-se dar ao luxo de guardar intacto seu Central Park, por que não poderíamos nós?

Por que faz todo sentido destruir a USP

Fernão Lara Mesquita (*)

O analfabetismo voltou a crescer no Brasil pela primeira vez em 15 anos, segundo medição do PNAD. Como o agente da medição é incontestável, um “cientista” simpatizante do PT diz que o número subiu porque agora os analfabetos estão vivendo mais tempo, graças ao PT!

Já a USP e a Unicamp, ambas com reitorias ocupadas no momento, a primeira caiu do 158º lugar no ranking mundial da Times Higher Education para alguma colocação entre a 226º e a 250º (abaixo de 200 eles não dão mais a classificação exata) e a segunda, que antes rondava o número 200, agora está abaixo do 300.

A tropa de choque do PT na web ainda está confusa. Antes que se dê a ordem unida e o discurso se alinhe espontânea e milimetricamente em milhares de sites de “representantes da sociedade civil” pelo país afora, metade trata de explicar que a medição é que está errada ou mudou de critério, distorcendo a realidade, enquanto a outra metade se rejubila dizendo que a USP caiu mesmo e, como é estadual, a culpa é do PSDB.

Enquanto o boi não dorme com essas conversas, as ações dos legítimos representantes dos estudantes do Brasil nas UNEs da vida, entre uma mesada e outra do governo e a medição do faturamento diário pela exclusividade na venda de carteirinhas que valem meia entrada em qualquer espetáculo artístico ou esportivo no país, seguem com o roteiro de sempre, ocupando reitorias para “reivindicar” que os alunos é que passem a avaliar e reprovar os professores e não o contrário. Ou que a polícia fique longe dos campus que devem permanecer território isento do cumprimento das leis brasileiras, especialmente as que dizem respeito ao tráfico e consumo de drogas.

Todos têm o direito se exprimirem de maneira adequada

Cada um tem direito a se exprimir de maneira adequada

Já a frente parlamentar colhe os louros da missão cumprida depois que impingiu ao país a nova lei segundo a qual basta o sujeito se declarar negro ― ainda que tenha a pele alva como a neve e olhos azuis como o céu da manhã ― que ele revoga os 10 anos de esforço do seu contendor que perdeu tempo em estudar ao longo de toda a educação primária e secundária. E o faz passar à frente.

Trata-se de fórmula especialmente letal visto que, ao mesmo tempo em que insufla o ódio racial, como querem os “multiculturalistas” do PT que juraram dobrar a impertinente resistência da realidade brasileira a confirmar essa sua tese, dá incentivo fulminante a esse “minta na cara-de-pau que o governo garante” que já provou sua eficácia destruindo o Congresso Nacional e o Poder Judiciário.

Honra ao mérito, portanto! É indiscutível a competência do PT. Do ponto de vista dele, faz todo sentido destruir a USP e o resto do sistema educacional do país. Afinal, a obra de Júlio de Mesquita Filho e Armando de Salles Oliveira foi desenhada com o objetivo explícito de matar à míngua os PTs da vida pela paulatina supressão do seu habitat, que é a selva da ignorância e da miséria.

E ainda por cima foi lá que se formou e era lá que lecionava o FHC, aquele sacana que nunca escondeu a sua conspiração elitista para acabar com o analfabetismo.

(*) Fernão Lara Mesquita é jornalista e editor do site www.vespeiro.com

Escola pública, gratuita e obrigatória

José Horta Manzano

Dez anos atrás, quando conseguiu ser eleito ao cargo mais prestigioso da República, o Lula devia estar muito feliz. Seu deslumbramento cegou-o. Deve ter imaginado que havia chegado lá exclusivamente por mérito pessoal. O sucesso baralha as ideias.

Caçador de letras by André Abreu, desenhista paraense

Caçador de letras
by André Abreu, desenhista paraense

Em sua simploriedade, o novo inquilino do Planalto não foi capaz de se dar conta de que, enquanto ele entrava com a cara e o carisma, uma complexa máquina operada por milhares de indivíduos atapetava-lhe o caminho do triunfo. Às vezes eu me pergunto se, hoje, a ficha já caiu ― se ele já entendeu que, sem o amparo de foi beneficiário, jamais teria sido eleito.

Já foi dada a prova de que, dispondo de máquina eleitoral eficiente e bem lubrificada, qualquer um pode ser eleito. Dois postes ― para usar a linguagem do próprio ex-presidente ― já tiraram a sorte grande por esse método: o prefeito de São Paulo e a atual presidente da República. Eram ilustres desconhecidos desprovidos de capital eleitoral. Se foram guindados ao posto que hoje ocupam, devem-no exclusivamente ao complexo e formidável aparelho político-partidário que os catapultou.

Voltemos a nosso antigo presidente. Partindo de seu caso particular, o Lula generalizou. Sua ascensão à chefia do Executivo há de tê-lo convencido de que a falta de instrução formal não constituía, em absoluto, empecilho para o sucesso. Se um semiletrado havia podido alçar-se ao posto maior, qualquer um poderia conquistar qualquer posto. Ora, pois!

Convencido de que o mundo funciona assim, foi coerente consigo mesmo. Despendeu esforço e dinheiro (público) para costurar acordos, cooptar apoio, alardear seus feitos. Para a educação, nada. Migalhas. Por que gastar dinheiro com supérfluos? ― deve ter pensado nosso líder.

Quem planta, colhe. As crianças que, em 2003, estavam na escola primária, estão hoje cursando ensino superior ou às portas de fazê-lo. Como o governo central não se preocupou em dar-lhes formação sólida, continuam chegando crus aos estudos superiores. Nossas escolas superiores chegam a abrigar gente cuja ausência de pensamento lógico as impede até de se exprimir. São estabelecimentos que, de superiores, só têm o nome.

Vamos ser justos: o presidente taumaturgo não é o único responsável pela pobreza intelectual do jovem brasileiro. Com esporádicas exceções, os que lhe antecederam pouco tinham feito pela instrução pública. No entanto… nosso milagreiro carregava capital de esperança superior a qualquer um de seus predecessores, desde Getúlio Vargas. Mais que isso, tendo sentido desde a infância o peso da ignorância e a falta que o saber faz, era de esperar que se mostrasse sensível à elevação do nível de formação escolar.

Não foi o que aconteceu. Temos hoje, em teoria, um número maior de escolas de ensino dito superior. Mas os alunos que a ela chegam nem sempre estão capacitados a encarar aprendizado complexo. Não foram formados para isso. Os docentes são obrigados a descer ao nível dos alunos. Forma-se um círculo vicioso. Os diplomados de amanhã terão recebido formação de segunda classe. Tendo recebido formação fraca, transmitirão os parcos conhecimentos de que dispõem. E o círculo se fecha.Alfabeto

Saiu ontem a notícia: a respeitada instituição Times Higher Education avalia que a Universidade de São Paulo ― o melhor estabelecimento de ensino superior do Brasil ― não figura mais nem entre os 200 melhores do mundo. Está mais perto do 250° lugar.

Tendo em mente que o Brasil é o 5° país em superfície e também o 5° em população, a classificação de nosso ensino é lamentável, vergonhosa, inquietante. E nada indica que a descida aos infernos esteja perto de se estancar. Detalhe acachapante: a instituição avaliadora chega até a considerar que duas universidades turcas são melhores que nossa USP.

Acredito que a mente do jovem brasileiro não seja mais embotada que a de qualquer outro. Portanto, estamos desperdiçando material humano e comprometendo o futuro do País. Uma pena. Já dizia Pero Vaz de Caminha, 500 anos atrás, que a terra achada era boa e que, em se plantando, dar-se-ia nela tudo. Falta plantar.

A frase do dia – 05

“Está morto o projeto lulopetista – essa minha afirmação não nega sua enorme importância histórica. Mas ele se esgotou na repetição esclerosada, na incapacidade de se ajustar às novas situações que ele mesmo, às vezes, propiciou.”

 
José Arthur Gianotti
Professor emérito de Filosofia da USP
in Estadão de 19 junho 2013

 

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Meio cheio ou meio vazio?

José Horta Manzano

Reportagem publicada na edição online do Estadão de 4 de março informa que a Universidade de São Paulo está entre as 70 mais respeitadas do mundo.

Quem se ativer ao artigo pode até ficar com a impressão de que, afinal, o nível do ensino superior no Brasil não está tão mal como dizem. No entanto, quem for um pouquinho mais zeloso e tiver a curiosidade de conferir a informação diretamente na fonte pode se decepcionar.

THE ― Times Higher Education ―, a instituição que fornece a análise, não se contenta em publicar a lista dos estabelecimentos mais respeitados. Faz outros levantamentos. O site do instituto britânico providencia duas listas de classificação: uma baseada em opiniões subjetivas e outra calcada em 13 critérios objetivos.Meio cheio

A USP, realmente, aparece entre as 70 melhores. Na lista subjetiva. Esse rol traduz a percepção que alguns milhares de cientistas e outros graduados têm com relação a cada universidade. É de apostar que poucos dentre eles conhecem a fundo a totalidade das instituições de qualidade espalhadas pelo planeta.

Já na lista estabelecida a partir de critérios objetivos, nossa universidade aparece num inglório 158° lugar. A primeira da lista 2012-2013 somou 95.5 pontos, enquanto a USP amargou magros 50.5 pontos.

A China, país pelo qual, 20 anos atrás, ninguém daria um vintém, alçou sua Universidade de Pequim ao 46° posto. A Coreia tem sua Universidade de Pohang em 50° lugar. Até Taiwan, antes mais conhecida por sua produção de artigos falsificados do que pela excelência de seu ensino, emplacou sua melhor universidade 24 lugares à frente da nossa.

Se levarmos em conta a indigência de nossa Instrução Pública, é gratificante encontrar o florão de nosso ensino superior entre as 160 melhores instituições do mundo. É quase um milagre. É o copo meio cheio.

.:oOo:.

O Brasil é o 5° país em superfície, o 5° em população, aparece entre as 10 maiores economias do globo, tem pretensões a tornar-se potência regional. Como se não bastasse, faz o que pode (nem sempre o que deveria) para ganhar cadeira cativa no Conselho de Segurança da ONU ― obstinação que atormenta o Planalto já faz uns dez anos.
Meio cheio

Depois de todos esses «considerandos», convenhamos, não há muito que se orgulhar dos «finalmentes». Não se chega lá por obra do acaso. Não há que confundir ONU com Fifa. O caminho passa obrigatoriamente pela Educação. É árduo, demorado? É. Mas não há outro jeito.

É muito chato constatar, mas acho que nosso copo anda meio vazio.