Novo aeroporto

José Horta Manzano

Como é bom ser grande empresário num país de gente apática! Nossa falta de noção de pertencimento a uma comunidade faz que cada um de nós reaja com um simples dar de ombros a qualquer notícia, seja ela boa ou má.

O máximo que se vê é algum protestozinho mole aqui ou ali ― alguma manifestação que acaba se desmanchando em vandalismo. De estudar, que é bom, não gostamos. De aprender, que é bom, não gostamos. De nos esforçar, que é bom, não gostamos. De dar o melhor de nós mesmos, que é bom, não gostamos. Passamos a vida à espera de que alguém faça alguma coisa. Costumamos ter a nítida impressão de que o problema não é conosco.

by Carlos Alberto da Costa Amorim, desenhista carioca

by Carlos Alberto da Costa Amorim, desenhista carioca

Alguns poucos se apercebem dessa generalizada tendência ao descaso, ao «tô-nem-aí». Para desgraça nossa, nem sempre são os mais bem-intencionados. Vai daí, nossas portas estão abertas a aventureiros, predadores, espertalhões, inescrupolosos, aproveitadores. A conjunção deletéria do descaso da população com o oportunismo de uma meia dúzia trava o país. E perpetua o insuportável contraste entre a riqueza indecente de uns contra a miséria negra de outros.

Em seu blogue alojado no Estadão, Marina Gazzoni nos contava, semana passada, que está prevista a construção de novo aeroporto (mais um!) para servir a cidade de São Paulo. O projeto foi apresentado por um consórcio de grandes empreiteiras. A certeza de que seja aprovado sem reticências é tão grande, que as construtoras já compraram até o terreno. Afinal, convencer autoridades públicas é especialidade de grandes empresários…

Reinventando o avião by Glen Baxter, desenhista inglês

Reinventando o avião
by Glen Baxter, desenhista inglês

O adjetivo absurdo, de tão usado, já gastou. Dizer que a ideia é absurda soa banal. Contraditória? Incoerente? Insensata? Disparatada? Que cada qual escolha o termo que melhor lhe convier. Estamos diante de uma estupidez sem nome.

O aeroporto de Guarulhos, que há 30 anos serve a capital do Estado, viu passar 32 milhões de passageiros em 2012. No mesmo ano, o movimento de viajantes registrado nos dez aeroportos mais movimentados do planeta foi o seguinte:

    Dubai       = 58 milhões
    Djacarta    = 58 milhões
    Dallas      = 59 milhões
    Paris       = 62 milhões
    Los Angeles = 64 milhões
    Chicago     = 67 milhões
    Tóquio      = 68 milhões
    Londres     = 70 milhões
    Pequim      = 82 milhões
    Atlanta     = 95 milhões (!)

Guarulhos não aparece nem entre os 30 aeroportos mais movimentados do mundo. Como qualquer um pode deduzir, se outros conseguem acolher o triplo dos viajantes atendidos em Cumbica, por que, raios, não seríamos nós capazes de fazer o mesmo? Há maneiras mais práticas, mais baratas, mais eficazes e mais lógicas de melhorar o desempenho da estrutura existente.

Foi um erro ter construído o aeroporto onde se encontra? Muitos dizem que sim. Mas não tem mais jeito: feito está, feito ficará. O que não convém é repetir a asneira.

Visita curta ― saguão de aeroporto desnecessário by Ross Thomson, desenhista inglês

Visita curta ― saguão de aeroporto desnecessário
by Ross Thomson, desenhista inglês

Caieiras, o município «escolhido» pelos empreiteiros, é localidade encarapitada na Serra da Mantiqueira, a quase 800m de altitude, num dos raros pulmões verdes que ainda sobram à roda de São Paulo. Para coroar o desatino, aquela serra é considerada zona de mananciais. Uma parte do abastecimento de água da megalópole depende da preservação e dos bons cuidados que se dediquem à região. E tem mais: como localidade serrana, Caieiras é tão sujeita a nevoeiros como Guarulhos.

Antes de pensar em novo aeroporto, ainda há muito que fazer no velho. Ligação ferroviária rápida, aumento da capacidade dos estacionamentos, construção de novos terminais, desapropriação de terrenos circunvizinhos, melhora na logística de movimento de carga, aprimoramento da formação de pessoal, reforço da segurança. Tudo isso é mais lógico e sai mais barato do que construir mais uma estação aérea.

Não tem cabimento termos estádios padrão Fifa e continuarmos com aeroportos padrão Uagadugu.

Miscelânea 11

José Horta Manzano

No calo
A reportagem de 14 páginas publicada pela revista The Economist pisou o calo do Planalto e de nossa orgulhosa presidente.

Para contradizer os argumentos da revista, o ministério de Marketing reativou a participação de dona Dilma nas redes sociais, aqueles canais por onde fluem os mexericos políticos. Preparou para ela um texto curtinho em que, em tom complacente, ela evita entrar em polêmica com The Economist.

Diz apenas que a revista está desinformada (sic). E põe sobre a mesa os parcos argumentos positivos de que dispõe. Diz que a inflação está sob controle ― quando todos sabem que não está. Diz que o dólar se estabilizou, o que é uma falácia. Enfim, brindou-nos com mais do mesmo, como de costume.

Contrassenso
Leis e regulamentos são editados pelos representantes do povo e, em princípio, deveriam ir ao encontro do interesse de todos. Nem sempre é o que acontece. Na França, as normas que regem o horário de abertura dos comércios são um bocado intricadas. Só especialistas entendem do assunto.

Uma recente decisão de Justiça determina que, daqui para a frente, as lojas de bricolagem Leroy Merlin e Castorama que estiverem situadas na região parisiense estão proibidas de abrir as portas aos domingos. A lei tem de ser respeitada.

A intenção do legislador de fazer do domingo o dia de descanso semanal leva em conta o bem-estar do funcionário e tenta contribuir para a paz familiar. Só que o mundo mudou e a sociedade se transformou. Regras de 30 anos atrás já não se harmonizam com os dias de hoje.

Oui! Quero trabalhar aos domingos!

Oui!  Quero trabalhar aos domingos!

Muitos funcionários, cada qual por um motivo pessoal, são voluntários para o trabalho dominical. Há estudantes que, para ganhar um dinheirinho, estão felizes de poder fazer um extra aos domingos. Há pessoas solitárias que preferem trabalhar domingo e ter folga no meio da semana. O legislador não havia previsto essa evolução.

Sindicatos ― que, por definição, estão aí para defender os direitos dos empregados ― estão meio perdidos. Em princípio, deveriam organizar passeatas para exigir o fechamento obrigatório do comércio aos domingos. Mas, no final, quem anda organizando protestos são… os próprios funcionários. Muitos não querem abrir mão do trabalho dominical.

Um mundo de pernas pro ar, não?

Como me ufano
De vez em quando, uma noticiazinha boa não há-de fazer mal. O jornal suíço 20 minutes publicou esta semana um artigo ― com infografia e tudo! ― sobre o novo jato de transporte militar que a Embraer está lançando. Descrevem o novo aparelho como capaz de desempenho superior ao Hercules fabricado pela americana Lockheed. Se você visitar o site do jornal 20 minutes, não deixe de clicar na infografia para ver em tela cheia.

Embraer KC-390 x Lockheed C-130J

Embraer KC-390  x  Lockheed C-130J

E pensar que o inquilino do Planalto imediatamente anterior à presidente atual tentou meter o bedelho no construtor aéreo nacional. Para alívio e satisfação de nós todos, não conseguiu. Escapamos de boa e é melhor assim.

Como chegar?
As obras públicas no Brasil são frequentemente desconexas. Controem-se pontes em lugares desprovidos de estradas. Fecha-se um olho para a urbanização selvagem de regiões inundáveis ou de zonas de manancial. Há muitas incongruências.

Uma das mais flagrantes é a ausência de ligação ferroviária ou metroviária entre o centro das cidades e seu aeroporto ― muitas vezes internacional. Quase 30 anos depois de ser inaugurado, o aeroporto internacional de São Paulo, o mais importante do País, ainda não conta com um transporte que cubra ― com segurança, regularidade e preços accessíveis ― os 30 km que o separam do centro da metrópole.

A Folha de São Paulo publicou esta semana um quadro mostrando a situação em 45 cidades, entre as quais os destinos internacionais mais procurados por viajantes brasileiros. É sintomático. Todos os grandes aeroportos fora da América do Sul contam com ligação ao centro da cidade à qual servem. Em alguns casos, há uma linha de metrô. Em outros, uma linha ferroviária. Todas cobram preços populares.

O caso de São Paulo é dramático por dois motivos. Primeiro, porque mostra o desleixo de todas as autoridades envolvidas com o projeto. Desde os militares que autorizaram a construção do aeroporto, nos anos 80, até os dirigentes atuais. Todos empurraram com a barriga. Hoje só nos resta passar vergonha diante de cada turista que chega e se vê esbulhado por táxis que cobram 100 reais para levá-lo ao centro.

SP - Avenida marginal do rio Tietê by Rodrigo Coca

SP – Avenida marginal do rio Tietê em dia de enchente
by Rodrigo Coca

O segundo motivo é o fato de o trajeto entre o aeroporto e a cidade passar obrigatoriamente pela avenida que margeia o rio Tietê. É uma região onde, por um acidente de tráfego ou por uma chuva mais forte, a circulação de veículos se interrompe. Na época das chuvas, o viajante internacional, para garantir sua chegada ao aeroporto a tempo de se apresentar ao balcão, costuma sair de casa com umas 4 horas de antecedência. Muitas vezes, para um voo de 2 ou 3 horas. Um disparate.

Mas parece que agora vai. Foi tomada a decisão de construir uma ligação férrea. Naturalmente, não estará pronta para quando a Copa chegar. Os visitantes que se danem.

Nosso aeroporto

José Horta Manzano

Quase três décadas atrás ― faz exatamente 28 anos neste 20 de janeiro ―, foi inaugurado o novo aeroporto de São Paulo. No começo, chamou-se indiferentemente Guarulhos ou Cumbica. Mais tarde, tentaram impor-lhe o nome do político que ocupava o cargo de governador do estado à época da inauguração. Parece que não pegou. Não é comum alguém dizer que apanhou seu voo no Franco Montoro. Continua sendo conhecido como Guarulhos ou Cumbica.

Desde os tempos em que o Padre Anchieta subiu a serra, faz meio milênio, para exercer seu apostolado no planalto, já se sabia que o sopé das encostas da Cantareira era sujeito a nevoeiros e brumas frequentes. Pior que isso, o caminho para se chegar lá, partindo da cidade de São Paulo, tem de atravessar, obrigatoriamente, o vale do Tietê.

Canal principal de drenagem das águas tropicais da região, o rio sempre foi alagadiço na estação das chuvas. A fraca declividade de seu leito, o alastramento da mancha urbana e o descaso dos habitantes e de seus dirigentes só fizeram agravar o problema.

O que é verdadeiro hoje, já o era quando foi escolhido o lugar onde se erigiria a nova estação aérea: o local não é adequado. Além disso, a via de acesso corre risco permanente de estar tomada pelas águas.

A lógica indicava duas saídas. A primeira delas, mais evidente, era transformar o já existente sítio de Viracopos em aeroporto metropolitano. A estrutura de base estava pronta e boa parte das desapropriações já tinham sido feitas. O clima da região é bem menos sujeito aos caprichos úmidos de Guarulhos. O problema maior era o afastamento de 95km da capital. A ideia de se implantar uma linha de trem expresso entre o terminal aéreo e a metrópole não vingou.

A segunda saída apontava para um compromisso. Aceitar a instabilidade climática de Guarulhos, mas compensar o risco com um acesso rapidíssimo e garantido o tempo todo. A ligação férrea seria bem mais curta (23km), portanto, muito menos onerosa.

Sabemos todos que os decididores da época optaram pela pior solução: escolheram construir no sítio menos adequado e, como se não bastasse, passaram por cima do fato de que um aeroporto é, em princípio, frequentado por passageiros. Deixaram que o problema do transporte rápido e seguro fosse resolvido pelas gerações seguintes.Aeroporto Guarulhos

Sabe-se lá quais foram as absconsas razões que levaram as autoridades a tomar essa decisão. Dizem uns que os militares que governavam o País na época só bateram o martelo quando se certificaram de que o novo aeroporto civil seria instalado junto à base aérea já existente. Dizem outros que interesses mais escusos ― e não necessariamente voltados ao bem-estar da população ― guiaram a escolha.

O fato é que Guarulhos, 45° aeroporto do mundo em movimento de passageiros segundo a última lista publicada pelo Airports Council International, é um dos raros ― provavelmente o único entre os 50 maiores ― a não oferecer a seus passageiros o conforto de uma ligação férrea frequente, rápida e segura com o centro da metrópole.

Essa incúria, à qual brasileiros dão de ombros como se fosse fatalidade incontornável, talvez explique em parte a forte baixa na chegada de turistas. As estatísticas do Aeroporto de Guarulhos mostram que a entrada de visitantes provenientes dos 26 maiores países emissores encolheu 20% entre 2005 e 2011. Estamos falando de 400 mil chegadas a menos, a cada ano. É um bocado de gente!

Mas nem tudo está perdido, caros leitores! Como trinta anos atrás, novos projetos continuam a pipocar esporadicamente. É trem-bala para cá, ligação expressa para lá. A cada vez, tem-se o sentimento de que «agora, vai»!

Enquanto «não vai», contentemo-nos com um chique e sofisticado sistema automático de despacho de malas. Revolucionário. Está previsto para entrar em funcionamento em junho de 2014. Se não chover daqui até lá, evidentemente. Veja aqui.

Ânimo, que falta só um ano e meio! A partir daí, temporais, enchentes e nevoeiros podem até bloquear o aeroporto ou o caminho que leva a ele. Em compensação, a bagagem será encaminhada au-to-ma-ti-ca-men-te!

Pode não ser muito útil, mas é um charme. Ou não?