Eolianas

José Horta Manzano

Em 1898, quando um certo senhor Hand Hansen, cidadão dinamarquês, adquiriu um pequeno estabelecimento familiar de fundição, sua intenção era apenas continuar a usar a forja para fabricar pregos e ferraduras. De fato, numa época em que a eletricidade era novidade, ele não tinha como imaginar que, 120 anos mais tarde, sua minúscula empresa teria evoluído tanto, e justamente nesse novo e misterioso ramo.

Passando pela construção de guindastes, já em meados do século 20, o negócio foi crescendo até assumir as gigantescas proporções atuais. A empresa, que hoje se chama Vestas, é a campeã mundial no ramo de construção de turbinas eólicas, com faturamento anual que supera os 12 bilhões de euros.

Aqui cabe uma digressão linguística. A turbina eólica é conhecida como “wind turbine” (=turbina de vento) em inglês. Em italiano, recebe o nome de “pala eolica” (=pá eólica). Windkraftanlage (=instalação [que explora] a força do vento) é o nome alemão. Os franceses escolheram um nome simples e poético: “éolienne” (=eoliana).

A palavra eolina não serve porque já está ocupada. No campo musical, dá nome a um pouco conhecido instrumento de sopro, que lembra um pequeno acordeom, mas é acionado pela força dos pulmões. É raro, mas existe.

Com tanto vento à disposição (e com o petróleo cada dia mais caro), o Brasil está despertando para a urgência de instalar parques eólicos, tanto em terra firme, quanto ao largo da costa. Espero e acredito que essas decisões não dependam da sanção do capitão, se não, estamos perdidos. Ignorante, é capaz de não entender a ameaça que pesa sobre a dependência de combustível fóssil.

Esta semana, a Enel – antiga estatal italiana de eletricidade, hoje privatizada – anunciou a inauguração da primeira parte de um projeto eólico realizado no Rio Grande do Norte. São 50 turbinas que geram 206 megawatts, energia suficiente para suprir as necessidades de meio milhão de habitantes.

Por seu lado, a dinamarquesa Vesta, herdeira da pequena forja que Senhor Hansen comprou 120 anos atrás, anunciou estar projetando a maior turbina eólica jamais construída. O protótipo leva o pouco poético nome de V236-15MW.

Suas dimensões são impressionantes: culmina a 300 metros de altura, com 3 pás de 100m de comprimento cada uma (mais que um gramado de futebol padrão Fifa). A capacidade da instalação será de 15 megawatts/hora, quase cinco vezes superior ao de uma turbina comum.

Uma única dessas gigantescas “eolianas” será capaz de suprir o consumo de 20 mil lares (60 a 100 mil habitantes) e deixar de lançar na atmosfera 38 mil toneladas de carbono por ano, que resultariam da queima de combustível fóssil. A primeira já foi encomendada para funcionar ao largo da costa dinamarquesa.

O perigo
O distinto leitor certamente já ouviu falar em Madame Marine Le Pen, filha de Jean-Marie Le Pen. A família domina a paisagem da extrema-direita  francesa há 40 anos. O pai já foi, mais de uma vez, candidato à Presidência. Numa das vezes, chegou ao segundo turno. A filha idem: nas últimas eleições, disputou o segundo turno e acabou perdendo para Emmanuel Macron.

Como todo extremista, tanto de esquerda como de direita, Madame tem certas deficiências de raciocínio. É curioso, mas é assim: nenhum extremista consegue alcançar um patamar razoável de bom senso. Ficam todos na vociferação improdutiva.

Desde os anos 1960, a França decidiu apostar na energia nuclear para a produção de energia. É um sistema eficiente, porém arriscado. Mais e mais vozes se levantam para pedir reorientação da filosofia nacional, a fim de que o nuclear seja pouco a pouco abandonado e o país dê preferência a energias renováveis.

Pois acredite quem quiser: Madame Le Pen já propôs que todas as turbinas eólicas francesas sejam desativadas e desmontadas. Só não explicou como fazer para substituir a energia que deixará de ser gerada. O vento vai acabar varrendo suas ilusões – é o que esperam os franceses de bom senso.

O Brasil está sendo governado por um capitão extremista, dono de tantos defeitos que seria cansativo repeti-los aqui. Já pensou se, amanhã, um desses gurus que o cercam inventa de convencer o bobão de que turbina eólica não serve, e que bom mesmo é usina térmica movida a lenha?

Bye bye, Amazônia!

O conhaque francês

Sebastião Nery (*)

Alcântara era contínuo do palácio do governo do Rio Grande do Norte. Afonso Pena, presidente da República, ia visitar o Estado. Alcântara pediu para fazer parte da comitiva que ia esperar o presidente na estação ferroviária de Nova Cruz, divisa da Paraíba com o Rio Grande do Norte.

O governador concordou. Mas o secretário do governador achou um absurdo. Onde já se viu contínuo esperando presidente? Chamou Alcântara.

– O governador deixou, você vai. Mas, antes de o trem entrar na estação, você salta no triângulo. (Triângulo é o espaço de manobra de trens, na entrada da estação.)

Presidente 4 Afonso PenaAFONSO PENA
Quando o trem do governador ia entrando na estação, antes da chegada do presidente, Alcântara saltou no triângulo. Daí a pouco, entra o trem do presidente no mesmo triângulo para manobrar. Alcântara subiu, foi entrando, deu de frente com o presidente e foi o primeiro a dar boas-vindas a Sua Excelência. E foi mostrando a cidade da janela.

Quando o trem do presidente chegou à estação, o governador, o secretário do governador, os puxa-sacos do governador levaram o maior susto. Era Alcântara quem aparecia na porta, ao lado do presidente, apresentando-o às autoridades estaduais.

ALCÂNTARA
Seguem para Natal. Chegando cansado ao palácio, o presidente pediu logo um banho. De repente abriu a porta do banheiro, meteu a cabeça:

– Onde está o Alcântara?

Alcântara apareceu, conversou com o presidente, saiu. Ninguém entendia nada, Alcântara sendo chamado, Alcântara atendendo.

No dia da partida, à beira do cais (o presidente voltou de navio), Afonso Pena chamou Alcântara, deu-lhe um abraço e lhe disse alguma coisa ao ouvido. Alcântara sorriu, saiu, não disse nada a ninguém.

Garrafa 1A GARRAFINHA
Um mês depois, o Diário Oficial da União publicava um ato do presidente Afonso Pena nomeando Alcântara administrador do porto de Santos. Foi um escândalo no Rio Grande do Norte.

Mistério? Não. No bolso do paletó, tamanho portátil, Alcântara carregava sempre uma garrafinha de conhaque francês. E Afonso Pena era doido por um golinho de conhaque francês.

(*) Excertos das memórias do jornalista Sebastião Nery.