De helicópio

José Horta Manzano

Já ouvi gente que chama helicóptero de helicópio – o que, aliás, fica muito simpático. Helicópio é mais harmonioso que helicóptero, desliza mais suave, com menos estrépito. Helicóptero, com esse p-t malsoante aí no meio, parece que está com o motor rateando. E aeronave de um solitário motor depende desesperadamente do bom funcionamento do dito cujo. Melhor ir de helicópio mesmo.

Doutor Bolsonaro mandou um helicópio da FAB, um daqueles fortões, grande como um ônibus, buscar a família pra assistir à festança do casamento de um dos bolsonarinhos. O noivo é aquele que se prepara pra assumir a representação do Brasil junto aos Estados Unidos da América – uma senhora responsabilidade! Como seria bom se o simples ato de se casar trouxesse sabedoria e conhecimento ao jovem esposo… Vamos, chega de devanear. Vamos pôr os pés na terra.

Os jornais se lambuzaram com a notícia. Falo da carona que o presidente ofereceu à família. Falando nisso, que família linguaruda! Um dos primos não se conteve e, deslumbrado, filmou tudo e mandou para o éter (em português moderno = fez uma live). Pronto, estava arrumada a confusão.

Tirando o grotesco da situação, restam os fatos. Agora que Oropa, França e Bahia estão a par do que aconteceu, precisou explicar. Doutor Bolsonaro foi curto e grosso: «se eu vou e tem lugar sobrando, vou mandar minha família a pé?». Quem precisa de uma explicaçãozinha é ele.

Primeiro, o helicópio não é dele, é nosso. Portanto, haja lugar ou não, regras existem e têm de ser respeitadas. Segundo, o presidente pode muito, mas não pode tudo. Num país civilizado, ocorreria de outra maneira. Sem dúvida, desde que o presidente autorizasse, os convidados teriam permissão para viajar em sua companhia. Só que teriam de pagar a passagem. É isso mesmo.

Como se calcula? Não sou eu quem dirá. A FAB tem funcionários capacitados pra esse tipo de aritmética. Que custe caro ou barato, não cabe a nós, contribuintes (ou pagadores de impostos, como preferem alguns) arcar com as despesas de transporte da família que vai aos comes e bebes oferecidos pelo bolsonarinho. Que cada um pague de seu bolso.

Falando nisso, quem será que pagou a conta da comilança? Será que foi na base da carona também? Se minha avó estivesse viva, diante do deslumbramento dos parentes, havia de recitar:

Eu não vou na sua casa
Sua casa tem ladeira
Seus cachorro tão latindo
Sua família é faladeira.

É, doutor Bolsonaro, família não se escolhe. Que remédio?

A tradição continua

Elio Gáspari (*)

by Ueslei Marcelino, jornalista e fotógrafo brasiliense

by Ueslei Marcelino, jornalista e fotógrafo brasiliense

O fotógrafo Ueslei Marcelino captou a doutora Dilma num momento Debret ao caminhar nos jardins do Palácio da Alvorada rumo a um helicóptero. Ela ia à frente de um grupo de quatro cidadãos, todos de roupa escura e em fila indiana. O primeiro a protegia com um guarda-chuva aberto. Já o quarto carregava um guarda-chuva fechado. O segundo levava pequena sacola de papel.

by Jean-Baptiste Debret (1768-1848), artista francês

by Jean-Baptiste Debret (1768-1848), artista francês

Em famosa gravura, o pintor Jean-Baptiste Debret retratou um fidalgo do Rio de Janeiro seguido por uma fila de dez pessoas. Provavelmente iam para alguma cerimônia.

No tempo do imperador, era comum ver D. Pedro II carregar sua valise.

(*) Elio Gáspari é jornalista. Seus artigos são publicados por numerosos jornais.

A guerra franco-suíça que não houve

José Horta Manzano

Você sabia?

Foto: Jean-Christophe Bott

Foto: Jean-Christophe Bott

Se tivesse ocorrido em outros tempos, teria sido casus belli, um daqueles acontecimentos que justificam declaração de guerra. Mas vamos passar o filme desde o começo.

As vacas suíças passam o inverno no estábulo. De outubro a março, os campos estão frequentemente cobertos de neve, mato não cresce, e os animais não têm o que comer. São alimentados com feno – mato ceifado durante o verão, secado e guardado para os meses frios.

Quando volta a bela estação, lá por março ou abril, os campos se cobrem de verde. Em comboio, as vacas são conduzidas a montes elevados, onde o pasto é gordo e farto. Ficam por lá até outubro, quando são trazidas de volta ao curral. Esse vaivém chama-se transumância.

É bom ter em mente que cada uma das 600 mil vacas leiteiras suíças ingere diariamente 100kg de mato e bebe de 100 a 130 litros d’água. No total, são 70 milhões de litros diários – volume respeitável.

A seca anda brava este ano. Entre 22 de junho e 22 de julho, não caiu uma gota de chuva. A temperatura tem sido senegalesa. Como resultado, começa a faltar água para os animais. Estão todos lá em cima, os tanques secaram, as reservas se esgotaram, que fazer?

Transumância

Transumância

O governo federal determinou que o exército desse uma mão. Helicópteros Super Puma foram encarregados de recolher água de lago e transportá-la até os reservatórios de montanha. A fronteira franco-suíça passa justamente na região dos Montes Jura. Do lado francês, há um lago de montanha.

Pertinho, do lado suíço, estão as vacas. O governo suíço pediu à França autorização para recolher água do lago. Paris permitiu o sobrevoo. Dia seguinte, helicópteros militares suíços deram início a um balé incessante de recolha d’água. Autoridades regionais francesas, que não haviam sido informadas, escandalizaram-se. É que a legislação francesa exige que, para retirar água de lago, se obtenha permissão das autoridades regionais.

O exército suíço, imaginando que a autorização de sobrevoo dada por Paris fosse suficiente, não cuidou de verificar regulamentos regionais. Foi um deus nos acuda. É compreensível. Imagine o distinto leitor o susto que levaram moradores do lado francês ao ver baixarem aeronaves militares estrangeiras pra roubar água do lago deles. É fato gravíssimo. Em outros tempos, podia ter dado origem a uma guerra.

Helicoptero 3

Foto: Eric Chevassus

Felizmente, os modernos meios de comunicação são rápidos. Em 24 horas, desfez-se o mal-entendido. O exército suíço apresentou pedido formal de desculpas ao governo francês e, imediatamente, parou de chupar água do laguinho.

O precioso líquido está sendo retirado agora do Lago Léman. Fica um pouquinho mais longe das vacas, mas, pelo menos, o transporte não periga provocar incidente diplomático. Além disso, com seus 100km de comprimento, 10km de largura e 300m de profundidade, o Lago Léman tem água pra muita vaca.

Rapidinha 9

José Horta Manzano

Helicópio
Fico imaginando o que se passará na cabeça de certos novos-ricos. Laura Maia de Castro e Edison Veiga nos informam que tem gente disposta a pagar 10 mil reais para ir de «helicópio» da cidade de São Paulo ao litoral. Se entendi bem, essa tarifa é de ida simples. Para ir e voltar, dobre-se o valor.

Para chegar mais rápido à multidão

Para chegar mais rápido à multidão

Não dá pra entender por que, raios, alguém gastaria vinte mil para escapar de congestionamento. Quem dispõe dessa dinheirama deve poder também ter a liberdade de viajar em outras épocas. Enfrentar engarrafamento é a sina de quem tem patrão e horário.

E tem mais. Gastar esse balde de dinheiro para, em seguida, se encontrar no meio de uma multidão, disputando lugar na areia, fazendo fila na padaria, aguentando barulho de vizinho festeiro até alta madrugada? Eu, hein. Falta de imaginação.

O alvará

José Horta Manzano

Incêndio

Incêndio

Na Suíça, quando compra um imóvel usado, o novo dono é obrigado a mandar chamar ― à sua custa ― uma empresa de eletricidade para elaborar um laudo de conformidade. O técnico virá conferir se toda a instalação elétrica está em ordem. Em seguida, o novo dono receberá, pelo correio, o laudo e a conta. Isso vale tanto para imóveis comerciais como para casas, apartamentos e kitchenettes.

Na França, antes de pôr à venda seu imóvel, o particular cuida de chamar profissionais homologados para verificações. O número delas pode variar conforme a região do país. Se o imóvel tiver sido contruído antes dos anos 50, é necessário apresentar um laudo negativo de presença de chumbo na pintura das paredes internas. Até fins dos anos 1940 (até os anos 50 no Brasil), esse metal costumava fazer parte da composição das tintas. O contacto com o chumbo pode causar uma doença chamada saturnismo. Foi, aliás, o que matou Candido Portinari, grande pintor brasileiro. Na falta desse laudo, a venda do imóvel não será possível.

Ainda na França, outra exigência legal para pôr sua casa à venda é apresentar um laudo indicando a presença (ou a ausência) de amianto. Esse mineral fibroso foi, durante muitas décadas, utilizado principalmente na composição de telhas e de tubos (cimento-amianto). Dado que foram constatadas propriedades cancerígenas no pó de amianto, o material foi irremediavelmente banido do continente europeu. (Diga-se, a título de curiosidade mórbida, que seu uso ainda é autorizado no Brasil. Por quê? Pergunte ao bispo.) Na França, sem laudo, impossível vender o imóvel.

Incêndio

Incêndio

Na Suíça, todo proprietário é obrigado ― por lei ― a contratar seguro contra incêndio que cubra o valor de seu imóvel, seja ele particular ou comercial. Goste ou não goste, pouco importa: a lei manda. E não é só. Todo inquilino também é obrigado a fazer seguro para cobrir seus pertences contra incêndio. Móveis, tapetes, computador, quadros, toda essa tralha entra na conta. É obrigação que todos têm e que todos respeitam.

O valor do seguro é automaticamente adaptado a cada ano. A cada 5 anos, a seguradora manda um novo formulário a cada cliente. O papel já traz uma lista dos objetos que se encontram normalmente numa casa. Ao segurado resta preencher os valores e devolver o papel à companhia. Esta adaptará o valor do seguro à nova composição do mobiliário.

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Leio hoje na Folha de São Paulo que o Alvará(*) de Funcionamento do grande auditório que se incendiou ontem na capital do Estado estava vencido fazia… 20 anos! O recinto costumava concentrar perto de 2000 pessoas para certos eventos. O alvará ― que certifica o cumprimento das normas de segurança exigidas de lugares onde se apinha muita gente ― tem de ser renovado anualmente.

Incêndio

Incêndio

Isso significa que o Memorial atravessou o mandato dos prefeitos Paulo Maluf, Celso Pitta, Régis de Oliveira, Marta Suplicy, José Serra, Gilberto Kassab e Fernando Haddad sem que nenhum deles se preocupasse com a segurança dos visitantes. Nem eles, nem seus numerosos secretários, assessores e funcionários.

Ei! Tome cuidado você aí, que anda de metrô e utiliza outros serviços públicos dessa megalópole tão orgulhosa de contar com uma batelada de helicópteros. Deus o livre, mas nunca se sabe: um deles pode perfeitamente cair em cima de sua cabeça.

A propósito, de quando datará o último alvará(*) de funcionamento do Teatro Municipal? E do Hospital das Clínicas? E o do Hospital do Servidor Público? E o do Hospital Municipal? Melhor nem perguntar.

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(*) Alvará, segundo os dicionários, provém do árabe hispânico al-baráâ, com o significado de recibo. Não fica claro se a raiz baráâ deu também origem a baralho. Não me parece impossível.
Laudos técnicos não foram feitos para baralhar a vida de ninguém, antes, para preservá-las. Nem todos entenderam isso.

Para paparicar seus eleitores

«Investigação em curso do Ministério Público Federal de Santa Catarina informa que ocorreram 52 acidentes ― com 73 feridos e dois mortos ― nas estradas do estado em pelo menos três dias em que a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, utilizou o único helicóptero da Polícia Rodoviária Federal da região, [equipado e] conveniado com o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência.»

Artigo de João Valadares, in Correio Braziliense. Para ler o texto completo, clique aqui.