O imperador do Japão

José Horta Manzano

Numerosos pontos ligam Bolsonaro e Lula, os dois principais concorrentes às presidenciais de outubro. Um ponto importante é o fato de ambos serem homens do passado.

Bolsonaro continua a viver com os pés fincados nos anos de chumbo que o Brasil viveu quando eram os militares que davam as cartas. Ele imagina ressuscitar a ditadura. Aliás, na sua cabeça, não é bem assim – a questão não é nem de reimplantar o sistema que vigorou no Brasil de 1964 a 1985.

De fato, por mais autoritário que fosse o regime daquela época, até que havia certa rotatividade no topo do Executivo. Do 31 de março até a eleição de Tancredo, cinco generais se sucederam no comando da nação.

Na cabeça de nosso aprendiz, não é assim que deve funcionar. Ele imagina ser guindado à cabeça de um regime sem rotatividade, sem alternância, sem mudança. Pretende permanecer no topo sozinho, como um Führer, um Duce, um Conducător, um Lider Máximo. Até a queda final, que pode ser por deposição ou coisa pior. Tudo que sobe acaba caindo um dia. Mas cada um se ilude como pode, não é mesmo?

Lula, nesse ponto, não pensa igualzinho a Bolsonaro. Por ter exercido a Presidência – pessoalmente ou por procuração – durante 14 anos, já perdeu as ilusões. Os quase 600 dias de cadeia lhe ensinaram que, quanto mais alto for o coqueiro, maior será o tombo. Sua parecença com Bolsonaro, em matéria de ligação com o passado, é forte, mas não se pode dizer que sejam idênticos.

Lula, que alguns dizem ser esperto como raposa, não quer (ou não consegue) entender que o mundo mudou. Não estamos mais nos anos 1970, em que ele subia numa caixa de sabão à frente da fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo, fazia um discurso inflamado para os companheiros, dizia o que lhe passava pela cabeça, e tudo ficava por isso mesmo. Ele ainda não se compenetrou de um fator inexistente à época mas fortíssimo hoje: o politicamente correto.

Nascido nos EUA anos atrás e potencializado por internet e redes sociais, a tendência a se exprimir de maneira politicamente correta impõe linguagem pasteurizada, isenta de palavras e expressões que possam, de perto ou de longe, ser consideradas ofensivas por esta ou aquela categoria de cidadãos.

Outro dia, Lula dircursou numa cerimônia de um partido chamado Solidariedade. (Abram-se parênteses: Este blogueiro acredita que todos os partidos deveriam se chamar Solidariedade. Afinal, ser solidário deveria ser a característica maior de todo afiliado. Fechem-se os parênteses) Lula sabe que muitos, neste país, acalentam o sonho de implantar o semipresidencialismo. No afã de demolir essa ideia que o horroriza, tirou do bolsinho uma metáfora infeliz. Referiu-se ao imperador do Japão de forma depreciativa.

Ato contínuo, uma torrente de críticas desabou. Deputados petistas se sentiram incomodados. Até (ou principalmente) a comunidade japonesa ressentiu-se da menção desairosa.

Sabe-se que história e geografia não são ocupam lugar preferencial nos parcos conhecimentos de nosso guia. Sabe-se que, apesar de ter passado 8 anos como presidente do país, outros assuntos devem ter lhe parecido mais interessantes – afinal, ler e estudar dá uma preguiça! História, geografia e geopolítica ficaram de fora.

Vai aqui um conselho ao Lula. Dificilmente ele lerá estas linhas, mas algum assessor bem-intencionado talvez possa transmitir-lhe a ideia.

Ô Lula! Da próxima vez que vosmicê quiser trazer a imagem de um homem poderosíssimo, use uma figura que não existe, mas que impressiona. Aqui estão algumas metáforas que não vão incomodar ninguém:

Ele age como se fosse o sultão de Samarcanda!

Ele pensa que é o imperador da Quirguízia!

Ele se acha o emir da Mongólia!

Deixo aqui a pista. Seus assessores certamente encontrarão outras variantes, que é pra não bater sempre na mesma tecla.

Aproveite, que conselho meu é grátis e desinteressado. Como dizia um irmão meu, “se é de graça, até injeção na veia”.

Quem pode, pode

José Horta Manzano

Você sabia?

Desde que o passe do jogador Neymar foi comprado pelo clube de futebol de Paris, os franceses se sentem muito orgulhosos. Até certo ponto, a razão da euforia me escapa, mas franceses em geral e parisienses em particular se mostram pra lá de honrados com a presença «de la star brésilienne» ‒ do astro brasileiro, como o esportista é chamado na França. O jovem traz grande prestígio à equipe local. Os torcedores já se sentem vencedores, por antecipação, do campeonato nacional que acaba de começar.

Muita gente se escandaliza com a dinheirama que o rapaz recebe. É verdade que, só pra efeito de comparação, o salário de 30 milhões de euros anuais equivale ao dobro do que foi encontrado estes dias dentro de malas num apartamento baiano. É dinheiro pra ex-ministro nenhum botar defeito! E atenção: isso não inclui ganhos com publicidade, marketing, direitos de imagem & outros mimos.

Entrada do Hotel Royal Monceau, Paris

Pois a mim, não escandaliza. Se as malas do político estavam recheadas de notas de origem duvidosa, as posses do jogador têm origem lícita e notória. Ao fim e ao cabo, o moço foi contratado por um clube que, por seu lado, é propriedade do emir do Catar. Francamente, quem é que recusaria tamanha dádiva? Acho que os que reclamam o fazem mais por inveja do que por outro motivo.

A grande notícia desta semana é que, depois de passar algumas semanas numa suíte do Royal Monceau, luxuoso hotel parisiense, Neymar está de mudança. Está se instalando numa residência dos arredores da capital, num pequenino município de nove mil habitantes chamado Bougival, situado às margens do Rio Sena e famoso por já ter abrigado outros figurões, entre os quais Ronaldinho Gaúcho.

Fachada da nova residência futurista de Neymar. Bonita não é, mas espaço não falta.

Alugou modesta mansão de cinco andares, com área construída equivalente à de um supermercado. Situada no meio de um gramado de 5000 m2, a casinha conta ainda com piscina no subsolo. Embora seja constituída de gente abonada, a vizinhança anda alvoroçada. Um dos vizinhos, entrevistado por jornalistas, contou que, por enquanto, reina a calma nas paragens. Mas Neymar tem fama de festeiro. O entrevistado, meio brincalhão, revelou que, caso se sinta incomodado, não hesitará em bater à porta do novo habitante para pedir silêncio.

Quanto ao prefeito da localidade, está animado. Espera que a presença do novo munícipe faça boa propaganda da cidadezinha e, quem sabe?, contribua para atrair outros endinheirados. Isso seria excelente para as finanças locais. Só o salário do jogador equivale ao triplo do orçamento anual do município. Os comerciantes torcem para o lugarejo se tornar ponto de peregrinação turística. Todos terão a ganhar.

São Valentim

José Horta Manzano

Metade da humanidade celebra hoje São Valentim, a quem foi concedido, já faz tempo, o estatuto de patrono dos namorados. O 14 de fevereiro, de fato, é celebrado em (quase) todo o mundo. O Brasil é uma das poucas exceções que confirmam a regra. Talvez em virtude de a data cair muito perto do carnaval ‒ às vezes até durante ele ‒, nossos amorosos são homenageados em outro dia. Imaginem um Dia dos Namorados no meio do carnaval. Passaria praticamente despercebido, um desastre para o comércio.

dia-dos-namorados-1As origens da festa são difíceis de determinar. A hagiologia católica registra, na Antiguidade, diversos santos com esse mesmo nome. A controvérsia quanto à escolha da data perdura, e nada indica que se chegue, um dia, a consenso. Por que razão festejar os enamorados neste dia e não em outro? O mistério é denso.

As primeiras manifestações ligando o 14 de fevereiro aos apaixonados surgiram na Inglaterra em meados do século XIX. O desenvolvimento das estradas de ferro, ao acelerar o transporte de mercadorias e de correspondência, favoreceu a troca de mensagens. Enamorados aproveitaram a brecha e aderiram ao costume de enviar cartinhas e cartões nessa data. Hoje em dia, o papel vai sendo substituído por mensagens eletrônicas, mas a tradição continua.

dia-dos-namorados-2No Brasil, atribui-se ao baiano João da Costa Doria(*), publicitário e homem político, a introdução do costume. Para o comércio varejista, o mês de junho costumava ser fraco. No final dos anos 1940, importante loja de departamentos de São Paulo encomendou ao publicitário um estudo para impulsionar as vendas. Ele teve a ideia de implantar um São Valentim abrasileirado. O dia 12 de junho, véspera de Santo Antônio ‒ o casamenteiro ‒ caía bem. A campanha publicitária lançada em 1949 deu certo. A moda foi logo seguida, nos anos seguintes, por outros estabelecimentos comerciais. Em poucos anos, o Dia dos Namorados já tinha assumido ares de comemoração tradicional e inescapável.

Hoje em dia, a troca de presentes substituiu o simples envio de cartões. Os comerciantes, que levam vantagem com essa evolução dos costumes, aplaudem de pé.

(*) João Doria Jr., atual prefeito da cidade de São Paulo, é filho do publicitário homônimo.

Interligne 18cTítulos de nobreza
Em regimes monárquicos, o mandachuva tem título correspondente ao estatuto que ocupa.

Reino tem rei: o rei da Espanha;
Principado tem príncipe: o príncipe de Mônaco;
Grão-Ducado tem grão-duque: o grão-duque de Luxemburgo;
Sultanato tem sultão: o sultão de Oman.

E emirado, como é que fica? Ora, emirado tem emir, como o emir de Abu Dabi.

Falando no diabo, aparece o rabo. Senhor Doria, filho do criador do Dia dos Namorados, exerce atualmente a função de prefeito de São Paulo. Encontra-se estes dias nos Emirados Árabes negociando a participação de capitais da região no financiamento de melhoramentos na capital paulista. Em entrevista, disse hoje que se encontrou com o «rei» de Abu Dabi. Escorregou. O pequeno país não é reino, mas emirado. O alcaide visitou o emir.