Pregando botões

José Horta Manzano

Você sabia?

Você provavelmente já reparou que, nas camisas masculinas, os botões são pregados do lado direito, enquanto nas blusas femininas ficam do lado esquerdo. Se não tinha notado, preste atenção. É regra universal, que reúne ocidente e oriente, norte e sul.

Faz décadas que especialistas e curiosos se debruçam na busca das origens desse curioso costume. Qual a razão dessa diferença? E por que botão de homem fica à direita e não à esquerda – e vice-versa?

Ninguém sabe ao certo. Mas há numerosas teorias, algumas arrancadas a fórceps. Aqui estão algumas delas.

Napoleão
Napoleão Bonaparte, imperador da França, deixou-se retratar naquela conhecida pose, com a mão direita enfiada debaixo da camisa entreaberta. Dizem uns que ele sofria de úlcera, daí aquele gesto de quem tenta proteger a região dolorida. Dizem outros que, naquela época, o gesto era considerado marca de dignidade. Ao ficar sabendo que mulheres zombavam de sua postura, deu ordem para que todas as roupas femininas passassem a levar botões pregados do outro lado, assim as mulheres não poderiam mais imitar-lhe a pose. Esta explicação é bastante fantasiosa.

Feminismo
A diferença na localização dos botões seria consequência de uma onda de feminismo surgida no século 19, que havia de desembocar nas suffragettes do início do século 20, aquelas senhoras que gastavam sola de sapato ao protestar em Londres e Nova York exigindo o direito de votar. Os botões pregados à esquerda seriam uma marca de independência, de diferença entre os sexos. Esta explicação também parece ser de difícil comprovação.

Armas
Até uns 200 anos atrás, era comum os homens portarem arma. (O costume caiu em obsolescência, mas chegamos a ter um presidente que tentou ressuscitá-lo.) Dado que a maioria dos humanos usa preferencialmente a mão direita para segurar a espada, os botões da camisa masculina eram pregados do lado direito, o que facilitaria desabotoar a camisa com a mão esquerda. Confesso que não entendi bem o que tem a ver a espada com a camisa desabotoada. Mas fica aqui registrada uma das hipóteses – que não parece ser a mais plausível.

Amamentação
Uma outra teoria especula que, dado que a maioria das mulheres é destra, elas tendem a segurar a criança com o braço esquerdo na hora de amamentar. Os botões pregados à esquerda serão abertos com maior facilidade pela mão direita, que está livre. Esta teoria até que não parece irreal.

Equitação
Até o século 19, na hora de andar a cavalo, a mulher montava à amazona, com as duas pernas do lado direito do animal. Acredita-se que, cavalgando numa posição em que o vento chegava pelo lado esquerdo, os botões pregados à esquerda preservassem a saúde feminina ao proteger-lhe o busto de toda friagem.

Classe alta
De todas, esta hipótese parece a mais credível. Nos tempos de antigamente, a indumentária das mulheres ricas era sofisticada a ponto de a patroa precisar da ajuda de uma serviçal para vestir-se. Dado que a maioria das criadas era destra, o fato de pregar os botões à esquerda facilita o vestir e o despir. A teoria até que parece aceitável, só que tem um nó. O que vale para as ricaças daquela época vale também para os ricaços. Também eles costumavam ter um lacaio para ajudá-los a se vestir. Nesse caso, como é que fica? Só contratavam serviçais canhotos?

No fundo, talvez não cheguemos nunca a conhecer a origem dessa curiosa regra que, nos dias de hoje, bate de frente com a almejada igualdade de sexos. (Ou de gêneros, como convém dizer agora.)

Bibliografia:
Slate 
New York Post

The Sun

Today
 
Marquise

ScoopWhoop

 

Burkini

José Horta Manzano

O distinto leitor talvez não tenha ouvido falar em burkini. A palavra, contração brejeira de burka + bikini, designa um traje de banho usado por mulheres que seguem a religião maometana. Grafada à nossa moda, a palavra seria burquini.

Imagino que essa roupa não seja comum nas areias de Copacabana. Trata-se de uma espécie de maiô integral que cobre o corpo inteirinho, só deixando o rosto, as mãos e os pés de fora. Pode ser satisfatório para maridos ciumentos, mas não é adequado para obter um bronzeado completo.

Grenoble está entre as 20 cidades mais populosas da França. É um centro universitário importante. Dispõe de todos os ramos do ensino universitário, mas está especialmente focado em alta tecnologia.

A Câmara de Grenoble reuniu-se ontem para um debate curioso. Tratava-se de autorizar (ou não) a entrada nas piscinas municipais de mulheres trajando burkini.

Os que apoiam o uso desse tipo de maiô argumentam que, além de não ser escandaloso, o burkini faz parte dos preceitos religiosos de uma parte da população do país e que, portanto, merece ser respeitado.

Já os que são contra o burkini retrucam que ele é a marca de um insuportável machismo. Acreditam que ele é a prova de que a mulher muçulmana é oprimida pelo marido e pelo mundinho em que vive. Acham que a França, que a pátria dos direitos humanos, não pode tolerar que, em pleno século 21, o sexo feminino seja publicamente humilhado. O uso do burkini, portanto, não deve ser autorizado.

Na Câmara, os debates foram acalorados e levaram 2 horas e meia. O resultado da votação foi apertado: 29 vereadores votaram pela autorização do burkini, enquanto 27 foram contra. Assim, as mulheres que o desejarem (ou que forem obrigadas) poderão frequentar as piscinas municipais no próximo verão trajando burkini.

Contrário à liberação do burkini, o governador da região anunciou imediatamente que ia contestar na Justiça a decisão da Câmara.

Observação
Quem dera o grande problema de nossa sociedade fosse a moda vestimentária de banhistas. Temos outros peixes para fritar, como dizem os portugueses.

Ministério da Defesa

José Horta Manzano

Em 1999, a nomeação de doutor Élcio Álvares para o posto de ministro da Defesa causou frisson. Mal passados quinze anos do fim do regime militar, um civil chefiaria Exército, Aeronáutica e Marinha ‒ pela primeiríssima vez na história da República. Almirantes, brigadeiros e generais haviam de prestar continência a um civil! Uma revolução.

De lá pra cá, os espíritos estão menos toscos. Ainda assim, se um civil na Defesa é hoje visto como natural, esse civil tem de ser necessariamente do sexo masculino. Mulher comandando milico? Nestas terras de Santa Cruz, nem pensar!

No entanto, em terras menos pudendas, ninguém mais se espanta de ver alguém de saias dando instruções a fardados. No momento, dez países europeus têm uma mulher como titular do Ministério da Defesa. São eles: Espanha, França, Holanda, Alemanha, Itália, Albânia, Macedônia, Montenegro, Bósnia-Herzegovínia e Eslovênia.

Com a designação de Frau Viola Amherd para a chefia do Ministério da Defesa, com tomada de posse prevista para 1° de janeiro 2019, a Suíça entra para o clube. Serão onze países europeus.

Discriminação

José Horta Manzano

O correspondente da tevê relata:
«Logo que foi aberta a sessão na Câmara, foi a vez do pronunciamento da deputada. Ela subiu ao púlpito trajando um elegante conjunto Chanel beige engalanado por discreto colar de pérolas miudinhas. Proferiu um discurso curto mas incisivo sobre o assunto em tela.»

O jornal dá a notícia:
«Homossexual foi assaltado ontem, em pleno dia, na avenida principal. Apesar de ter entregado todos os pertences, os bandidos o agrediram.»

A Wikipédia informa:
«O artista, nascido numa família judia originária da Ucrânia, revelou dotes especiais desde a infância. Já no fim da adolescência, matriculou-se na Escola de Belas Artes.»

O que é que há de comum nessas três citações, aparentemente desconexas? Qual é o traço persistente, que atravessa os três banais fragmentos do quotidiano? Pois é a discriminação, distinto leitor, a discriminação. Senão, observemos com atenção.

No primeiro fragmento, o correspondente em Brasília dá tanta importância à fala da deputada quanto a sua indumentária. Faria o mesmo se fosse um deputado? Daria a cor da gravata? Descreveria a elegância do talhe do terno? Certamente, não. Pois está aí a demonstração de que, por mais que se force a promoção da igualdade entre os sexos, sempre sobra um fundo de discriminação. Por mais que seja realçado o lado profissional da mulher, ela continua sendo vista da maneira tradicional.

No segundo fragmento, é imaginável que a manchete fosse: «Heterossexual foi assaltado»? Não, não passaria pela cabeça de ninguém. E por que é que a vítima é descrita com base na orientação sexual? Pois é pura discriminação.

E no último trecho, fosse o artista nascido numa família cristã, acaso isso seria mencionado? É de duvidar.

Como vemos, apesar do esforço institucional para educar as gentes, a discriminação é como água: se nos escapa entre os dedos, não dá pra conter. Sem nos darmos conta, nós todos discriminamos, o tempo todo. Que fazer? É reflexo natural, comum a todo humano.

No fundo, não é tão mal assim. Não convém que a Polícia dos Costumes tente proibir terminantemente todas as manifestações da discriminação nossa de todos os dias. Se todos se parecessem, fizessem as mesmas coisas e se comportassem exatamente do mesmo modo, o mundo seria muito, mas muito, chato.

Paridade científica

José Horta Manzano

Você sabia?

Vamos começar a semana com notícia leve. Em meio a tanta catástrofe, uma treguazinha é sempre bem-vinda. Desde que se começaram a formar, as sociedades humanas dispensaram cuidados diferenciados a seus membros, segundo o sexo de cada um. Homens e mulheres não tinham atribuições idênticas.

by André-Philippe Côte (1955-), desenhista canadense

Em eras recuadas, era mais que compreensível. Ao homem, fisicamente mais avantajado, cabiam tarefas pesadas como a busca de alimento e a defesa do grupo. À mulher competia cuidar da prole e garantir a retaguarda. Mas os tempos mudaram e, com eles, os costumes.

Na Europa, duas grandes guerras foram determinantes para forçar o rearranjo das atribuições. Entre 1914 e 1918 e, em seguida, de 1939 a 1945, os homens foram convocados para a carnificina dos campos de batalha mas cada país tinha de continuar funcionando. Mulheres tiveram de preencher o vácuo criado pela ausência masculina. Nos campos, lavradoras assumiram todo o trabalho. Nas fábricas e nas cidades, operárias, condutoras de bonde, cozinheiras e artesãs passaram a cumprir missões antes exclusivamente masculinas.

Elsevier Foundation
Publicações científicas assinadas por homens e por mulheres
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Essas mudanças bruscas modificaram a visão da sociedade quanto ao papel feminino. A cada dia, as mulheres provavam ser capazes de fazer muito mais do que cuidar da casa e dos filhos. Algumas esquisitices demoraram a ser abolidas. O direito de voto foi, pouco a pouco, sendo estendido ao sexo feminino. Por incrível que possa parecer, até os anos 1970, na França, mulher casada não tinha direto a abrir conta bancária sem o assentimento do marido ‒ singularidade que, felizmente, já desapareceu.

Nas Américas em geral e no Brasil em particular, a distinção entre atribuições de cada sexo nunca foi tão rigorosa quanto na Europa ou em outras partes do mundo. Os tempos difíceis do desbravamento das novas terras contribuiu para isso. Desde o tempo em que bandeirantes se embrenhavam na mata atrás de riqueza, as mulheres foram obrigadas a assumir tarefas que, na Europa, não seriam destinadas a elas.

Talvez esteja aí um princípio de explicação para o que vem a seguir. Diferentemente de muitas estatísticas internacionais ‒ como as classificações Pisa e Gini ‒ em que o Brasil aparece na rabeira, notícia alvissareira nos chega estes dias. A Fundação Elsevier, baseada nos Países Baixos e dedicada a apoiar o desenvolvimento da ciência, acaba de anunciar suas estatísticas sobre a «paridade científica», a proporção de publicações científicas assinadas por mulheres.

by Aleutie, desenhista canadense

Nesse particular ‒ pasme, distinto leitor! ‒, nosso país ocupa o primeiro lugar. A pesquisa compara a situação em numerosos países: os 28 membros da União Europeia, os EUA, o Canadá, a Austrália, o Japão, Portugal, o México e o Chile. No período que vai de 2011 a 2015, 49% das publicações brasileiras foram assinadas por mulheres, em posição de empate com Portugal. Nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha ou na França, por exemplo, apenas 40% dos artigos foram produzidos por mulheres. O Japão aparece no fim da lista. Por lá, os homens, responsáveis por 80% das publicações, dominam amplamente o segmento.

Em termos práticos, podemos nos gabar de haver atingido a paridade entre sexos no campo científico. É grande passo na boa direção.

Frase do dia — 176

«Marina parte da premissa de que “o atual modelo de democracia está em evidente crise”. Falta provar que esteja em crise evidente uma democracia na qual ela se elegeu senadora, foi ministra e, em poucas semanas, se tornou virtual favorita numa eleição presidencial.

Ela diz que, neste país em crise, “a representação não se dá de forma equilibrada, excluindo grupos inteiros de cidadãos, como indígenas, negros, quilombolas e mulheres”. Isso numa eleição em que, hoje, as duas favoritas são mulheres ― uma delas autodefinida como negra.»

Elio Gaspari, em sua coluna no jornal O Globo, 31 ago 2014.

China em polvo… rosa

José Horta Manzano

Você sabia?

O fenômeno de urbanização acelerada, típico de países tradicionalmente agrícolas, teve início, no Brasil, lá pelos anos 1940, 1950. As décadas de 60 e de 70 conheceram o auge do movimento.

Foi quando campos se esvaziaram e cidades incharam. Pouco resta do Brasil rural de nossos avós. O rancho fundo e a choça do jeca-tatu perdem-se na bruma do passado. A passagem para a urbanização ainda continua, mas hoje dança-se em ritmo mais maneiro.

Dalian, norte da China

Dalian, norte da China

Já na China, a urbanização está ocorrendo a toque de caixa, em velocidade vertiginosa. É como se os carros de boi de 1920 cedessem lugar a um batalhão de milhões de automobilistas ― todos despejados na paisagem ao mesmo tempo.

A gestão dessas mudanças nem sempre é sem percalços. Os atores às vezes trocam os pés pelas mãos. Quando postas em prática, iniciativas cheias de boa intenção podem revelar-se um desastre. É o que acaba de ocorrer em Dalian, metrópole de quase 7 milhões de habitantes situada a menos de 500 km a leste de Pequim.

Como toda aglomeração chinesa que se preze, Dalian tem seus imensos centros comerciais (em bom português: shopping centers). Elevadores de vidro, o infalível Starbucks, McDonald’s e seus inescapáveis sucedâneos, franquias de marcas internacionais, tudo está ali presente para confirmar que nada se parece mais com um centro comercial do que outro centro comercial. Em qualquer lugar do mundo. Não falta nem o fundo musical emburrecente.

Um detalhe, no entanto, faz a particularidade dessa catedral do consumo. Os administradores do centro julgaram de bom-tom criar espaços de estacionamento especialmente dedicados às mulheres, devidamente assinalados com ideogramas cor-de-rosa. Particularidade? Ora, isso não é novo! ― dirão meus atentos leitores. Já faz tempo que, em muitos outros centros, as mulheres contam com setor reservado.

É verdade. O que distingue o shopping center de Dalian é a razão pela qual certas vagas são reservadas ao sexo feminino. Em outras partes do mundo, a intenção é garantir maior segurança às senhoras, protegendo-as contra agressões. Não é o caso de Dalian.

"Respeitosamente reservada às mulheres" Dalian, China

“Respeitosamente reservado para mulheres”
Dalian, China

Na China, agressões, roubos, arrastões & assemelhados (ainda) não fazem parte da paisagem habitual. As vagas de estacionamento do centro comercial em questão são simplesmente… 30 cm mais largas do que as vagas comuns. A intenção dos idealizadores da novidade foi facilitar a manobra das motoristas.

Assim que a notícia se espalhou, o país sofreu tempestade midiática. Multidões de cidadãos ― especialmente de cidadãs ― expressaram sua indignação, principalmente por meio das redes sociais. Sem que os autores da ideia se dessem conta, ficou escancarado o proconceito de que mulheres ao volante são menos hábeis que homens.

A discussão continua, apaixonada. Há quem aprecie a iniciativa, há quem abomine a discriminação. Só o tempo dirá se as vagas serão suprimidas ou não. Se eu ficar sabendo, conto.

Interligne 18b

A palavra polvorosa descende do castelhano polvo (=pó, poeira). Entra-se em polvorosa quando algum acontecimento levanta poeira.