Compliance & bullying

José Horta Manzano

Com curiosidade, tenho notado um fenômeno interessante na importação de palavras. Antigamente, palavras estrangeiras que aportavam na língua eram o mais das vezes traduzidas. Se a tradução ao pé da letra fosse impossível, criava-se expressão equivalente. De meio século pra cá, essa prática feneceu. Termos forasteiros são enfiados em nosso léxico tal e qual, com casca e tudo.

Um exemplo de como se fazia antigamente é aeromoça ‒ quer termo mais poético? Foi criação genial, que deixa no chinelo hospedeira e comissária de bordo. A expressão soa bem, é fácil de pronunciar e dá o recado direitinho.

Bem depois das primeiras aeromoças, quando grandes centros de compras apareceram no Brasil, a preguiça já estava instalada. O primeiro shopping center foi chamado de… shopping center. Em outras terras menos resignadas, a expressão inglesa foi adaptada. Poderíamos, nós também, ter firmado centro comercial, expressão simples, fácil de pronunciar e de sentido evidente. Preferimos guardar o original. Deve parecer mais chique.

Em nossa língua, os adjetivos costumam vir depois do substantivo. Dizemos homem rico e não rico homem, assim como criança inteligente e não inteligente criança. Poucas línguas no mundo seguem esse parâmetro. Possivelmente existam outras, mas só conheço as línguas latinas e o polonês.

Temos portanto por instinto tomar a primeira palavra de uma expressão como a mais importante. Quando expressões inglesas são introduzidas tal e qual em nosso falar, dão origem a reduções curiosas.

Para encurtar shopping center, dizemos shopping. “Vou passear no shopping” (ou no xópi, conforme o gosto). Só que, no original, a palavra importante é o substantivo center, não o adjetivo shopping. Dizer “Vou passear no shopping” é como se, para encurtar centro de compras, disséssemos “Vou passear no compras”. Peculiar, não? O fenômeno atinge outras expressões importadas com casca e caroço.

Há palavras que chegaram recentemente à língua. Seguindo a tendência atual, não foram traduzidas. O original soa tão chique, não é mesmo? Dependesse de mim, compliance viraria conformidade, que é sua tradução perfeita. Bullying, esse fenômeno que sempre existiu apesar de não ter nome específico, dispõe de duas expressões capazes de traduzi-lo. Pode-se tanto usar assédio escolar, quanto acosso escolar.

Mas é verdade que expressão vernácula é meio chué. Que vivam os estrangeirismos!

Peatones, por aquí!

José Horta Manzano

Você sabia?

Marcha, soldado
Cabeça de papel
Se não marchar direito,
Vai preso pro quartel

No Brasil, tanto por razões climáticas quanto ‒ principalmente ‒ por razões de segurança, os centros comerciais (em bom português, conhecidos como «shopping centers») são as catedrais das compras. Caminhar na rua está cada vez mais arriscado, principalmente quando se carregam pacotes e sacolas, daí a procura pelo abrigo seguro.

No primeiro dia, guardas municipais informam a população.

Em outros lugares do mundo, o fenômeno é menos marcado. Nestas semanas que antecedem as festas de Natal e ano-novo, embora muitos se refugiem em centros comerciais para escapar do frio, o grosso dos compradores ainda prefere lotar ruas comerciais.

A londrina Oxford Street, a parisiense Rue de Rennes, a bernesa Marktgasse se enchem de transeuntes. Os mais organizados, levam no bolso uma listinha de presentes. Outros, mais despreocupados, dão uma espiadinha aqui, outra acolá, pra ver se encontram algo interessante.

Na Espanha, Madrid não escapa ao figurino. Nesta época do ano, duas ruas estreitas do centrão ficam abarrotadas. São a Calle de Preciados e a Calle del Carmen. Ambas apresentam uma sucessão de lojas, pequenas e grandes, agarradas umas às outras. Naturalmente, a circulação de veículos é proibida. Para organizar o alentado trânsito pedestre e evitar trombadas, a prefeitura da cidade teve uma ideia original. Nestas próximas quatro semanas, terão mão única… de pedestres.

Uma sobe, a outra desce.
Imagem: Google

Dado que são ruas paralelas, ficou combinado que uma sobe e a outra desce. A regra entrou em vigor ontem nos quatro quarteirões. As reações são contrastadas. Há comerciantes que se mostram preocupados. Acreditam que a mão única vai apressar o fluxo de passantes e diminuir a quantidade de clientes. Por seu lado, grande parte dos transeuntes se dizem aliviados. Alegam que aqueles encontrões entre os que vão e os que vêm eram angustiantes.

De toda maneira, os habitués já se deram conta de que vários comércios dão frente para as duas ruas. Assim, quando decidem mudar de direção, cortam caminho por dentro das lojas. Há gente esperta por toda parte.

Fecharam todos os shoppings do Brasil

Fernão Lara Mesquita (*)

Em entrevista a uma das meninas da Globonews na semana passada, Flávio Rocha, dono da Riachuelo, deu um número de arrepiar.

«Em 2015 fecharam 100 mil lojas pelo Brasil afora. É como se tivessem fechado todos os shopping centers do país. Somados, eles abrigam isso: 100 mil lojas».

Loja 1Sobra em pé só o grande comércio, mais estruturado. Quer dizer: é uma obra monumental de concentração da renda, essa do PT. Os funcionários de 100 mil lojas ficaram simplesmente a zero, sem saber se vão ter o que pôr na mesa dos filhos amanhã. Cem mil pequenos e médios empreendedores que, sabe-se lá à custa de que epopéias tinham conseguido emergir do brejo e montar seu negociozinho, foram expulsos do mercado. As lojas gigantes engoliram o que sobrou do massacre.

Loja 2O resultado é o que se observa nas caóticas megalópoles brasileiras: nos bairros ricos os milionários que sobram, cada vez mais ricos, compram as casas vizinhas e levantam os muros. Lá fora, a pátria do Aedes aegypti: perifavelas de bloco sem urbanização nem saneamento crescendo em metástase. Menos gente rica, cada vez mais rica, cercada de miséria por todos os lados. No meio, nada.

Se dermos mais tempo pra isso, acabamos como na Idade Média. Vão sobrar quatro ou cinco castelos cheios de salões dourados por trás de muralhas intransponíveis. Em toda a volta, um favelão gigante onde, saiu na rua, se ficar vivo volta pra casa nu, rapado e rapelado.

(*) Fernão Lara Mesquita é jornalista, articulista do Estadão e editor do blogue Vespeiro.

Não perca a esperança

José Horta Manzano

Se, um dia, você for acometido por aquela vontade irrefreável de perder um objeto, resista. Não o abandone em um lugar qualquer, pois periga perdê-lo para sempre. Para ter alguma chance de recuperar seu pertence, dê um tempo, junte suas economias e dê um pulo até a Suiça. Lá chegando, largue o objeto em um canto qualquer. Por incrível que possa parecer, não é nula a probabilidade de que sua propriedade lhe seja, um dia, restituída.

A polícia do Cantão dos Grisões (Suíça oriental) acaba de comunicar à imprensa que foi encontrada uma carteira num centro comercial(*) da cidade de Coira. Com ar de objeto usado – mas ainda em perfeitas condições – a carteira continha cartões de crédito, dinheiro, passaporte e também tíquetes e recibos de compras.

Foto: Polícia de Coira

Foto: Polícia de Coira

Os cartões de crédito estavam vencidos e os recibos datavam de 1996. Além disso, o passaporte britânico, de modelo antigo, indicava que a carteira havia sido perdida muitos anos antes. A polícia levou algumas semanas para localizar o proprietário.

O homem foi, finalmente, encontrado. Mora atualmente nos Estados Unidos. Não há explicação para o fato de a carteira ter aparecido assim, subitamente, intacta, dezoito anos depois de ter sido perdida. Discreta, a polícia não informou qual foi a reação do feliz proprietário ao receber a notícia.

(*) Em brasileiro corrente, centro comercial é shopping center.

China em polvo… rosa

José Horta Manzano

Você sabia?

O fenômeno de urbanização acelerada, típico de países tradicionalmente agrícolas, teve início, no Brasil, lá pelos anos 1940, 1950. As décadas de 60 e de 70 conheceram o auge do movimento.

Foi quando campos se esvaziaram e cidades incharam. Pouco resta do Brasil rural de nossos avós. O rancho fundo e a choça do jeca-tatu perdem-se na bruma do passado. A passagem para a urbanização ainda continua, mas hoje dança-se em ritmo mais maneiro.

Dalian, norte da China

Dalian, norte da China

Já na China, a urbanização está ocorrendo a toque de caixa, em velocidade vertiginosa. É como se os carros de boi de 1920 cedessem lugar a um batalhão de milhões de automobilistas ― todos despejados na paisagem ao mesmo tempo.

A gestão dessas mudanças nem sempre é sem percalços. Os atores às vezes trocam os pés pelas mãos. Quando postas em prática, iniciativas cheias de boa intenção podem revelar-se um desastre. É o que acaba de ocorrer em Dalian, metrópole de quase 7 milhões de habitantes situada a menos de 500 km a leste de Pequim.

Como toda aglomeração chinesa que se preze, Dalian tem seus imensos centros comerciais (em bom português: shopping centers). Elevadores de vidro, o infalível Starbucks, McDonald’s e seus inescapáveis sucedâneos, franquias de marcas internacionais, tudo está ali presente para confirmar que nada se parece mais com um centro comercial do que outro centro comercial. Em qualquer lugar do mundo. Não falta nem o fundo musical emburrecente.

Um detalhe, no entanto, faz a particularidade dessa catedral do consumo. Os administradores do centro julgaram de bom-tom criar espaços de estacionamento especialmente dedicados às mulheres, devidamente assinalados com ideogramas cor-de-rosa. Particularidade? Ora, isso não é novo! ― dirão meus atentos leitores. Já faz tempo que, em muitos outros centros, as mulheres contam com setor reservado.

É verdade. O que distingue o shopping center de Dalian é a razão pela qual certas vagas são reservadas ao sexo feminino. Em outras partes do mundo, a intenção é garantir maior segurança às senhoras, protegendo-as contra agressões. Não é o caso de Dalian.

"Respeitosamente reservada às mulheres" Dalian, China

“Respeitosamente reservado para mulheres”
Dalian, China

Na China, agressões, roubos, arrastões & assemelhados (ainda) não fazem parte da paisagem habitual. As vagas de estacionamento do centro comercial em questão são simplesmente… 30 cm mais largas do que as vagas comuns. A intenção dos idealizadores da novidade foi facilitar a manobra das motoristas.

Assim que a notícia se espalhou, o país sofreu tempestade midiática. Multidões de cidadãos ― especialmente de cidadãs ― expressaram sua indignação, principalmente por meio das redes sociais. Sem que os autores da ideia se dessem conta, ficou escancarado o proconceito de que mulheres ao volante são menos hábeis que homens.

A discussão continua, apaixonada. Há quem aprecie a iniciativa, há quem abomine a discriminação. Só o tempo dirá se as vagas serão suprimidas ou não. Se eu ficar sabendo, conto.

Interligne 18b

A palavra polvorosa descende do castelhano polvo (=pó, poeira). Entra-se em polvorosa quando algum acontecimento levanta poeira.