Cidades-irmãs

José Horta Manzano

Nós dizemos cidades-irmãs, enquanto os lusos preferem cidades gêmeas ou cidades geminadas. Mas a ideia é a mesma. A diferença aparece porque, no Brasil, traduzimos do inglês “sister cities”, ao passo que os portugueses se basearam no francês “villes jumelées”.

Embora haja menção de que algumas cidades, já na Idade Média, tenham concluído pacto de defesa mútua, o conceito só se difundiu a partir de meados do século 20.

De fato, a Segunda Guerra tinha deixado, entre outras desgraças, ressentimentos profundos. Num esforço para aplainar esses sentimentos negativos entre povos vizinhos, diferentes estratagemas foram bolados.

A partir dos anos 1960, assim que a tecnologia de tevê permitiu transmissões internacionais ao vivo, foram organizadas competições entre cidades de diferentes países. Eram brincadeiras ao estilo pastelão, com jogos realizados diante público entusiasta, cada um torcendo por sua cidade. O programa Intervilles, da televisão francesa, ficou 50 anos em cartaz.

Outra ideia posta em prática a partir dos anos 1970 foi a difusão do conceito de cidades-irmãs. Longe do propósito medieval de proteção mútua, a moderna geminação de cidades é um meio de aproximar cidades, geralmente de diferentes países. Acordos de trocas culturais, de promoção turística, de aprendizado de línguas, por exemplo, estão entre os objetivos desses acordos.

Existe até um site especializado no assunto – uma espécie de Tinder de cidades, vilas e vilarejos que buscam um par. O site, financiado pela União Europeia, está disponível em 20 línguas.

Hoje existem centenas de cidades-irmãs ao redor do globo. É comum ver um “casamento” entre cidades de importância equivalente (São Paulo + Milão). Há também cidades irmanadas por terem nome igual ou semelhante (Osasco/SP + Osasco/Itália). Outras se sentem próximas por causa de origem comum. É o caso de Pomerode (SC), colonizada por imigrantes da região da Pomerânia (Alemanha); a cidade catarinense firmou acordo de geminação com a cidade de Torgelow, que fica na Pomerânia.

A China, que não perde ocasião para parecer menos distante, menos exótica e mais amada, tem concluído pactos de geminação com muitas cidades do planeta todo. Só no Brasil, a lista de cidades-irmãs que juntam uma chinesa com uma brasileira já se aproxima de 50 “casamentos”.

No Brasil, no concurso “Quem tem mais irmãs?”, o Rio de Janeiro ganha de lavada. Já firmou 56 parcerias internacionais, sem contar as nacionais. O placar de Brasília é bem mais modesto; tem acordos com uma dezena de parceiras. Mas uma peculiaridade é comum tanto à atual capital (Brasília) quanto à antiga (Rio de Janeiro): ambas são cidades-irmãs de Kiev, capital da Ucrânia.(*)

Curiosamente, o Rio e Brasília não somente são irmanadas por terem ambas sido capitais do Brasil; dado que têm uma irmã em comum (Kiev), são irmãs duas vezes.

Neste momento, a Ucrânia está passando um mau bocado. Estava quietinha no seu canto, quando se viu invadida por um inimigo poderoso, que foi entrando sem pedir licença. Não se pode dizer que a Rússia tenha comportamento cavalheiro. Ataca escolas, destrói hospitais, derruba prédios de apartamentos. Está utilizando a Ucrânia até como campo de teste de mísseis de última geração.

Nessa briga de gente grante, o Brasil não tem força bélica nem peso econômico capazes de fazer cócegas no agressor. Apesar de nosso estúpido presidente ter declarado, às vésperas da invasão, sua “solidariedade à Rússia”(sic), o povo brasileiro está assistindo com horror ao suplício que Putin vem infligindo à população do país invadido. Solidariedade, hein? Xô!

Quando se assina acordo de geminação, não é para ter mais um diploma pra pendurar na parede da prefeitura. É nas horas ruins que se conhecem os verdadeiros amigos. Assim que as coisas se acalmarem, seria ótima ideia as autoridades municipais do Rio e de Brasília entrarem em contacto com a prefeitura de Kiev. Se não souberem o que dizer, que pelo menos ofereçam seus préstimos. Devastada, a infeliz Ucrânia precisa de tudo. Toda colaboração será bem-vinda.

Quando isso tudo terminar, vai sobrar um país a ser recontruído. Kiev é uma cidade-irmã à qual o Rio e Brasília têm de estender a mão.

(*) Kiev é transliteração (transposição para caracteres latinos) do nome da cidade tal como é escrito em russo. Os ucranianos ficam felizes quando veem o nome de sua capital transposto da forma ucraniana, que dá Kyiv. Só que, no Brasil, a forma Kiev já está demais cristalizada. Mudar agora fica complicado. Então, vamos de Kiev mesmo.

Lista das cidades-irmãs do Brasil.

Árvore sem raiz

José Horta Manzano

Quanto mais profunda for a raiz, mais sólida e mais resistente será a árvore. Raiz profunda leva tempo pra crescer. Pede muito cuidado, muita rega e, sobretudo, muito tempo.

Num sentido figurado, a imagem da raiz profunda pode ser transposta às relações humanas. Uma única relação sólida e antiga vale mais que um conjunto de relacionamentos superficiais, efêmeros e de circunstância.

Arvore 4No jogo político, é virtualmente impossível escapar a alianças efêmeras: a cada eleição, fazem-se acertos de circunstância destinados a durar pouco tempo. A regra de ouro, a seguir escrupulosamente, é não se exceder. Nenhum excesso é benéfico. Todo exagero, mais dia menos dia, acaba cobrando a conta.

Ao assumir o posto máximo do Executivo, no já longínquo ano de 2003, nosso guia não tinha experiência administrativa. Um pouco por vaidade, um pouco por ambição, um pouco por mau aconselhamento, deixou-se tentar pelo excesso. Exagerou ao tecer a teia de alianças políticas. Deu prioridade ao número de “amigos” e de “aliados”. Teve a impressão de tricotar, assim, rede de proteção mais eficaz.

Chamada do Estadão, 6 nov° 2015

Chamada do Estadão, 6 nov° 2015

Deu de ombros à regra da raiz profunda, expediente que a sábia natureza já inventou há milhões de anos. Preferiu espalhar um emaranhado de radículas superficiais, desconexas, pouco profundas. A aparência era de solidez. No entanto…

O resultado não podia ser outro. Enquanto durou o bom tempo, a teia sustentou e nutriu a árvore. A mudança radical nas condições ‘atmosféricas’ escancarou a realidade: o labirinto de relações era superficial e carecia de coesão. Partidas e desconectadas, as raizinhas já não garantem sustentação à árvore.

O demiurgo, que muitos incensavam até pouco tempo atrás, periga vir abaixo por excesso de vento e escassez de apoio. E pensar que é justamente ele quem havia dito um dia que, quando deixasse a presidência, ia demonstrar que o mensalão nunca tinha existido e que o respectivo julgamento não passava de uma farsa. Houve quem acreditasse.

Chamada da Folha de São Paulo, 6 nov° 2015

Chamada da Folha de São Paulo, 6 nov° 2015

Aos poucos, passo a passo, nosso guia é obrigado a recuar. Já não bravateia sobre o mensalão. Muito menos sobre o petrolão. Concluiu pacto fugaz para tentar tirar seus rebentos de situação embaraçosa. Fez mais: ao declarar que não teme a prisão, admitiu implicitamente a possibilidade de passar uma temporada atrás das grades.

Está aí mais uma vez comprovado ensinamento mais antigo que a bíblia. Quem tem o poder e o dinheiro costuma atrair legiões de “amigos” e de “aliados”. Depois de apeado do poder, babau!

O preceito é velho como o mundo, mas cada um tem de aprender por si mesmo.

Frase do dia — 228

«Cabe, sim, que as forças sociais, econômicas e políticas se organizem e dialoguem sobre como corrigir os desmandos do lulopetismo que levaram o país à crise moral e a economia à recessão.»

Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República, em nota publicada em 7 mar 2015.