José Horta Manzano
Doutor Bolsonaro fez seu début internacional num palco de prestígio. Entrou pela porta grande. Ser o convidado de honra logo na abertura do Fórum Econômico Mundial, em Davos, não é pra qualquer capiau. Durante o discurso, o presidente dava a impressão de funcionar como ventilador, com a cabeça abanando pra um lado e pro outro. Isso ocorre em virtude do posicionamento do ponto.
O ponto (no original, presidential teleprompter) é uma placa de plexiglas fixada no topo de uma haste metálica que se assenta num tripé. À medida que o discurso avança, o texto vai desfilando, como num karaokê, mas visível só do lado de quem faz o pronunciamento. O objetivo é dar a impressão de que a oração é feita de improviso.
Em geral, são colocados dois pontos, à esquerda e à direita do orador. Para dar a impressão de estar falando espontaneamente, ora ele lê no ponto da direita, ora no da esquerda. A ilusão é quase perfeita. O encanto só se quebra quando o discursante engasga na leitura de uma palavra. Não deu outra: aconteceu com o doutor. São acidentes de percurso.
No fundo, que o discurso seja lido no papel, decifrado no ponto ou declamado de cor, o que importa mesmo é o conteúdo. Comentaristas brasileiros consideraram que a fala foi muito curta e superficial. Não compartilho essa impressão. A concisão é qualidade rara. É mais difícil resumir o assunto em poucas palavras do que espichar a alocução durante horas. Ficaram na história os discursos do bondoso Fidel Castro, que chegavam a durar seis ou sete horas, pronunciados sob o sol impiedoso de Havana, com chavões repetidos ad nauseam. Faltava, ao líder máximo, o precioso dom da concisão.
É verdade que a fala de doutor Bolsonaro não foi ao fundo de cada tópico. Não esmiuçou os pontos da reforma da Previdência. Não deu previsão de quantos hectares serão poupados do desflorestamento. Não disse quantos corruptos serão processados. Mas, convenhamos, não era hora nem lugar pra descer a minúcias. As linhas mestras foram traçadas, e isso era o que interessava.
Tirando a mímica do ventilador, o discurso inaugural não me chocou. No dia seguinte, no entanto, a gafe que tinha de acontecer aconteceu. Com pré-aviso de quinze minutos, o presidente cancelou coletiva de imprensa agendada havia semanas. Num universo como aquele, almofadado, azeitado e feito de regras fixas, essas piruetas não estão previstas. Os pretextos foram desencontrados. Certas fontes alegaram cansaço do presidente. Outras disseram que a culpada era a imprensa, que não estava se comportando exatamente como doutor Bolsonaro gostaria.
Blá-blá-blá! É ridículo alegar que a culpa é da imprensa. Mídia com cabresto é atributo de regimes autoritários. No Brasil (por enquanto) o regime é liberal. O cansaço, vá lá, é compreensível. Ainda assim, se fosse verdade, os outros componentes da mesa deveriam ter honrado o compromisso. Não é porque o chefe está de repouso que os companheiros devem acompanhá-lo na greve. Por que não vieram participantes importantes, como Moro e Guedes, cujo comparecimento era esperado?
O fato de o presidente ainda estar em fase de aprendizado não explica desfeitas como essa. Se não sabem como se comportar, que contratem um assessor com experiência internacional. Faltar a um compromisso sem motivo justo, em terras civilizadas, é ressentido como afronta. Quem está tentando «vender» um novo Brasil e atrair investidores não pode cometer afronta justamente aos donos do dinheiro. É mais que tolice: é um disparate.