Procura-se porto seguro

José Horta Manzano

O caldeirão do Oriente Médio ferve. Sempre ferveu, não é de hoje. Ponto de origem e de difusão da civilização ocidental, abriga uma emaranhado de povos díspares. As linhas de fratura passam pela língua, pela religião, pela etnia, pelo histórico de enfrentamentos que alimenta a discórdia. Para engrossar o caldo, há petróleo naquela parte do mundo, o que atrai interesse comercial e político.

Síria: mosaico étnico

Síria: mosaico étnico

Não adianta tapar o sol com a peneira: nunca houve e nunca haverá democracia na região. Pelo menos, democracia como entendemos nós. É inviável, não tem jeito. O intrincado de problemas é de tal grandeza, que não há como formar consenso. O mando será obrigatoriamente autoritário, que não há outra maneira. Todos dirão «sim, senhor» a quem gritar mais alto.

Mais brutais ou menos, mais sanguinárias ou menos, mais restritivas ou menos ‒ essa é a graduação possível entre as ditaduras. Que ninguém espere ver o povo da Síria, do Iraque, do Kuwait e de numerosos outros territórios da região elegendo um dia, democraticamente, seus representantes e dirigentes, numa democracia pluripartidária. Vai demorar muito pra esse dia chegar. Por enquanto, vige a lei do mais forte.

Base militar naval russa de Tartus, Síria

Base militar naval russa de Tartus, Síria

Muita gente tem reclamado da ação dos russos na Síria, de sua aliança com o sanguinário Bashar el-Assad. Pra começar, sanguinários são todos os chefes de guerra daquelas paragens. Não há um melhor que outro. O fato é que a dinastia el-Assad conseguiu segurar o país e manter uma certa estabilidade, ainda que precária, desde 1970.

Quanto aos russos, que o distinto leitor me perdoe a franqueza: não estão nem aí para os povos da região, para o drama dos desabrigados, para o sofrimento dos feridos nem mesmo para os infelizes que perderam a vida. O interesse crucial é conservar a base naval de Tartus, na Síria, concedida a eles por Hafez el-Assad (o pai), nos anos 1970. Desde então, a troca de favores entre Moscou em Damasco tem sido contínua. É um toma lá dá cá. Por um lado, a Rússia faz o necessário para garantir o trono da dinastia alauíta e seu domínio sobre o país. Por outro, o clã garante a cessão da base, verdadeiro «Guantánamo russo».

Bashar el-Assad e Vladimir Putin

Bashar el-Assad e Vladimir Putin

A Rússia, apesar de ser o maior país do planeta em superfície, ressente-se cruelmente da falta de abertura marítima para águas temperadas, livres de gelo o ano inteiro. Para ser operacional o tempo todo, sua frota marítima tem de contar com bases instaladas em clima mais ameno. As instalações de Tartus são ideais para abrigar a frota mediterrânea. Assim como os Assad têm garantido a permanência russa na região, os russos não pretendem abandonar os Assad. Se o clã que domina a Síria é composto por gente pouco recomendável, tanto faz. Essa preocupação não tira o sono dos dirigentes de Moscou.

Só no dia em que as potências entenderem o objetivo maior dos russos é que será possível pensar em trégua, conferência ou acordo de paz. É capital enfiar na cachola que a Rússia sempre dará seu apoio a quem lhe garantir a permanência da base naval.