Myrthes Suplicy Vieira (*)
Dizem que uma pessoa satisfeita com o desempenho de um produto/serviço, marca ou fabricante conta para outras três os motivos de sua satisfação. A propaganda boca a boca acaba sendo uma das formas mais vitais de marketing para seu gestor já que, além de potencializar a atração do artigo sobre quem ainda não o experimentou, tem custo zero. Por seu lado, uma pessoa insatisfeita tende a pesar a mão ao explicar para outras dez as razões de sua decepção. Com essa simples atitude, a marca pode sofrer significativo abalo de imagem antes mesmo que outros potenciais usuários tenham acesso a ela. E, mais grave, para recuperar credibilidade, o gestor precisará encarar pesadíssimos investimentos em propaganda formal.
A função do marketing é a de despertar o desejo, não a de impor o consumo. Em alguns casos, como quando se pretende introduzir no mercado um produto, categoria, marca ou fabricante, ele pode se permitir ir um pouco mais longe, abordando de forma mais agressiva o potencial consumidor, no esforço de criar patamares de desejo. Só não pode, em nenhum caso, substituir-se à consciência crítica do público que pretende atingir.

Todo produto tem o que os especialistas chamam de “benefício único”, ou seja, um atributo que o diferencia de todos os demais da categoria. Pode ser alguma característica físico-química como cor, sabor, textura, tamanho, design. Pode ser um traço de distinção social associado à imagem de marca, algum critério de especialização técnica, seu preço ou até seu caráter de inovação revolucionária. Descobrir qual é esse benefício singular é tarefa da pesquisa de mercado.
Embora poucos saibam, os resultados da pesquisa nem sempre são seguidos ao pé da letra pelo fabricante. Por razões estratégicas, ele pode querer posicionar o produto em segmentos distintos dos que a pesquisa identificou. É movimento corporativo legítimo, ainda que comporte alguns riscos.
O que todo marqueteiro que se preza sabe é que, como diz o ditado, você pode levar um cavalo até à água, mas não pode forçá-lo a beber. É preciso detectar exatamente qual é o perfil mais provável de consumidor que se deixará sensibilizar pela promessa mercadológica e ir ampliando aos poucos a identificação e a mobilização para a compra.
Os problemas começam a aparecer quando o marketing avança sobre a privacidade do público, ignora a necessidade de identificar o segmento a ser abordado prioritariamente e acredita ser mais vantajoso repetir ad nauseam a mensagem publicitária para atrair o maior número possível de interessados. São as chamadas estratégias “de baciada”.

Primeiro foi a assim chamada mala direta. Para os mais jovens, que podem nem desconfiar o que isso significa, explico. Tratava-se de um simulacro de carta pessoal, impressa com uma fonte que mimetizava a escrita humana. Ficou tristemente famosa por numerosas gafes. Como era enviada aleatoriamente a um público extenso, podia acontecer de, por exemplo, um vegetariano receber um informe publicitário convidando-o a saber mais sobre os melhores cortes de carne bovina. Ou algo ainda pior, traumatizante mesmo para o infeliz destinatário, como a divulgação de brinquedos eróticos para um religioso.
Depois foi a vez das impertinentes chamadas de telemarketing. Todos devem se lembrar dos folclóricos atendentes de call center, que se esmeravam no uso de gerúndios. Não demorou para as reclamações aos órgãos de defesa dos direitos do consumidor se acumularem. Pressionada, a agência estatal de telecomunicações decidiu implantar um serviço gratuito de bloqueio de telefones para barrar ligações de telemarketing.
Àquela altura, ninguém poderia imaginar que sentiríamos saudades daquele tempo. Impedidos de dar continuidade à sanha de sedução grosseira, sob pena de multas pesadas, os marqueteiros de plantão criaram logo uma estratégia ainda mais perversa. As chamadas de telemarketing passaram a ser pré-gravadas, A mensagem publicitária acaba sendo acionada automaticamente ao se atender o telefone. Para tornar a coisa um pouco pior, se é que isso é possível, muitos famosos se renderam à inglória causa de emprestar sua credibilidade pessoal para reforçar o apelo do produto/marca. Tragédia anunciada: a grande maioria naufragou num oceano de indiferença e irritação.
A coisa não parou por aí, infelizmente. A estupidez humana não conhece limites, como Einstein nos ensinou. Logo o raio de ação dessa forma rasteira de marketing se estendeu para os meios eletrônicos. Hoje em dia não é nada incomum tropeçar em propagandas, aninhadas em sites e portais de notícias, que são acionadas involuntariamente ao se rolar a página para baixo.

Afinal, você pode estar se perguntando, essa forma invasiva de marketing funciona? A resposta é: se tudo o que o fabricante deseja é auferir lucro imediato, sim. Claro que a repetição da informação tem lá suas vantagens. O nome do produto/marca gruda como chiclete na mente do consumidor e, caso ele se veja envolvido num processo de escolha, num mercado do qual pouco sabe, a assinatura da marca pode ser decisiva para a tomada de decisão. A longo prazo, porém, essa forma preguiçosa e burra de marketing genérico destrói todas as chances de o fabricante vir a se afirmar como detentor de uma imagem de qualidade, seriedade e responsabilidade social.
Nada que diga respeito ao humano é definitivo, no entanto. Mesmo a contragosto, sou forçada a admitir: há quem goste de ser tratado como massa ou gado. Sei que a noção de direito à privacidade caiu em desuso há já algumas décadas. Quanto mais barulho e holofotes forem gerados pela comunicação mercadológica, maior o desejo das novas gerações de fazerem parte do “seleto” público-alvo.
O tempora, o mores…
(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.
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