Brexit ‒ 5

José Horta Manzano

Dia 23 de junho de 2016, os 28 países membros da União Europeia foram dormir tranquilos. Na manhã seguinte, ao esfregar os olhos, deram-se conta, atônitos, de que faltava um. O Reino Unido tinha escapado pela janela. Por via de plebiscito, a maioria dos eleitores britânicos tinha exprimido o desejo de se desligar da União Europeia.

Em tese, parece simples: assina-se o distrato e pronto, o casamento está dissolvido. Na prática é bem mais complicado. A cada dia, surge novo nó a desatar. Afinal, foi um casamento de 44 anos! O mais recente imbróglio do qual tive notícia tem a ver com o tráfego aéreo entre países da União.

Desde que o transporte aéreo se popularizou, a partir dos anos 1970, países e companhias aéreas travaram batalha pesada para regulamentar o setor. Direitos de trânsito, escalas técnicas, regras de reciprocidade, endosso de bilhete eram rigidamente regrados. Pelo final dos anos 80, os céus da União Europeia foram desengessados. O abrandamento das regras permitiu o aparecimento de companhias de baixo custo ‒ em português: low cost companies.

Atualmente, dezenas de empresas ocupam o nicho, a maioria dedicada a voos turísticos. Duas delas, entretanto, alargaram o horizonte de negócios e se destacam nitidamente das outras: a Ryanair e a Easyjet. São gigantes no ramo. A primeira é irlandesa e a segunda, britânica. Na prática, ambas tem a Grã-Bretanha como plataforma principal de operações. Servem não somente a turistas, mas também a milhares de homens de negócio que utilizam seus voos a cada dia. Afinal, sai tão barato!

O Brexit, como é fácil imaginar, vem balançar o coreto dessas duas companhias. O baixo preço é fruto de uma fieira de acordos tornados possíveis pela integração dos países europeus. Com a saída efetiva do Reino Unido, ninguém sabe como ficarão os direitos de tráfego aéreo intraeuropeu. Alguma incidência o divórcio há de ter sobre a operação das empresas de baixo custo, isso é certo. Só falta conhecer a extensão do estrago. A partir do momento em que a Grã-Bretanha ‒ base de operação de ambas as empresas ‒ for considerada país estrangeiro, os acordos perderão a validade e terão de ser renegociados um a um.

Não seria surpreendente que a Easyjet se «naturalizasse», passando a exibir passaporte de qualquer um dos países da União. Podem ambas também transferir a base de operações para outro país. As opções são numerosas e só o tempo dirá o que vai acontecer. No fim, tudo acaba se ajeitando mas, enquanto isso, muita turbulência ainda vai sacudir as aeronaves.

Gato por lebre

José Horta Manzano

Quando a esmola é muita, todo santo devia desconfiar. Alguns, talvez mais ingênuos, acreditam ter encontrado a mina de ouro. Tsk, tsk. Não há almoço grátis, como sabe o distinto leitor.

Loucos para dar uma escapadinha de alguns dias ao exterior, mas com pouco dinheiro no bolso, quatro cidadãos de Bratislava (Eslováquia) procuraram uma opção que lhes coubesse no bolso. Depois de consultar numerosas opções de voo de baixo custo, deram de cara com uma incrível oferta para «Nis». O preço do bilhete era realmente imbatível.

Promenade des Anglais Nice, Côte d'Azur, França

Promenade des Anglais
Nice, Côte d’Azur, França

Imaginaram que nunca apareceria outra ocasião tão favorável de conhecer Nice, a ultrafamosa joia da Côte d’Azur. O grupo já se pôs a sonhar com um despretensioso passeio pela Promenade des Anglais, à beira do Mediterrâneo, aproveitando o sol que, mesmo no inverno, costuma brilhar por aqueles lados.

Decisão tomada, compraram a passagem. No dia aprazado, dirigiram-se ao aeroporto de Bratislava. Embarcaram. Ao pousar, uma hora mais tarde, surpreenderam-se com o aspecto modesto do aeroporto. Imaginavam que Nice, cidade importante, contasse com instalações mais majestosas. O susto maior ainda estava por vir.

Aeroporto de Niš, Sérvia Crédito: Google Street View

Aeroporto de Niš, Sérvia
Crédito: Google Street View

Deram uma olhada em roda e notaram que tudo estava escrito em caracteres cirílicos. Estranharam. Foi quando um deles, queixo caído, cutucou os companheiros apontando para o letreiro com o nome do aeroporto. Com certa dificuldade, soletraram: «Аэродром Ниш» ‒ Aeroporto de Nis. Passado o primeiro momento de estupor, um deles se lembrou de que, de fato, havia na Sérvia uma cidade industrial chamada Nis.

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O vento frio que lhes bateu no rosto confirmou: haviam desembarcado na Sérvia, a um pulinho de onde tinham saído, mas a mil quilômetros da Côte d’Azur. A história não conta se, ao voltar pra casa, deram queixa ao Procon local. De qualquer maneira, não teria adiantado, pois erraram sozinhos, sem ajuda de ninguém.