Resenha – 3

by Guy Valls (1920-1989), desenhista francês

José Horta Manzano

A queda
Quando o cidadão está lá em cima, forte e poderoso, é cortejado por todos. Já quando desce do pedestal, vai aos poucos escorregando para o ostracismo. O caso de Bolsonaro é mais grave ainda. Dado que, quando presidente, exorbitou, ofendeu, insultou, extrapolou e magoou, sua queda dramática o transforma em indivíduo tóxico. Todos o abandonam e ninguém quer ter o próprio nome ligado a ele. A queda é vertiginosa.

Nos EUA, numerosos parlamentares fazem pressão sobre Joe Biden para que dê um jeito de impedir a estada do capitão em território estadunidense. Que seja expulso o mais rápido possível.

Na Itália, parlamentares horrorizados com os acontecimentos de Brasília também se insurgem contra o capitão. Ele não se encontra na Itália (por enquanto), mas sua figura paira como mancha indesejada. É que em novembro de 2021, em sua passagem pela Itália, Bolsonaro recebeu uma homenagem por parte da prefeita da cidadezinha de origem de seus antepassados. Concederam a ele a cidadania honorária do município de Anguillara Veneta. Depois do golpe de Estado fracassado do 8 de janeiro, diversos eleitos pressionam a prefeita para que anule o título concedido. Não querem ver o nome da cidadezinha associado ao do “Trump dos trópicos”.

Na minha visão, é uma bênção que Bolsonaro esteja no exterior. A cada dia longe da pátria, sua fama de fujão vai se afirmando e sua aura vai empalidecendo. Dependesse de mim, faria tudo para que ele nunca mais pisasse solo brasileiro. Quanto mais longe estiver, melhor será. O homem é nocivo e perigoso demais.

Ecos do 8 de janeiro
Encontrei na imprensa alemã as expressões mais veementes para descrever os terríveis acontecimentos de nosso 8 de janeiro em Brasília.

A malta que invadiu os palácios foi chamada de “Armee des Wahns”, ou seja, Exército da Loucura. Excelente definição.

Li também a afirmação seguinte: “Die Wut der Massen entstammt dem Gift des Populismus”, que se traduz por “A fúria das massas tem origem no veneno do populismo”, uma verdade histórica.

Parafraseando movimentos como a “Internacional Socialista” e a “Internacional Operária”, a mídia alemã tascou outra boa etiqueta para a turba:
“Die Internationale der Verschwörungsgläubigen”, que é
“A Internacional dos Crentes da Conspiração”.

Avaliação Lula x Bolsonaro
Pesquisa do Ipec apura que 55% dos brasileiros acreditam que o governo Lula será melhor que o governo Bolsonaro. Deduz-se que os demais, ou seja 45% dos brasileiros, são de outra opinião. Os números (55% x 45%) se aproximam do resultado do segundo turno (51% x 49%). Em outros termos, quem votou no Lula acha que o novo governo será melhor que o anterior. E quem votou Bolsonaro persiste em acreditar que bom mesmo era antes. Nem precisava de pesquisa.

Roraima
Bolsonaro passou quatro anos hostilizando a Venezuela, fechou embaixada, tirou pessoal diplomático, diabolizou o regime. Esbravejou e cantou de galo em cima do desprezível vizinho. Mas não se preocupou em conectar a rede de energia elétrica roraimense à rede brasileira. Roraima é o único estado da Federação cuja rede elétrica é desconectada do resto do país. Até hoje, é a Venezuela que fornece energia ao estado.

O capitão bradava: “Que ninguém ouse botar a mão na Amazônia!”, enquanto entregava a segurança energética de um vasto pedaço de nossa Amazônia aos caprichos de um ditador estrangeiro. Mais uma vez está feita a prova de que o nacionalismo dele é só de fachada, pra inglês ver.

Surpreendente
Em carta escrita nesta quarta-feira 18 janeiro 2023 e endereçada aos dirigentes do mundo inteiro, que estão atualmente reunidos no Fórum Econômico de Davos (Suíça), mais de 200 bilionários provenientes de 13 diferentes países afirmam que querem pagar mais impostos. Estudos especializados indicam que o patrimônio dos ultrarricos aumentou em 50% nos últimos dez anos.


“Vocês, nossos representantes no mundo, têm de aumentar nossos impostos, e isso tem de começar agora. Trata-se de uma medida simples e de bom senso.”

Trecho da carta


Na lata, ao tomar conhecimento da carta, o ministro francês da Economia convidou todos a irem morar na França. Explicou que se tratava de um dos países onde se pagam mais impostos no mundo e completou: “Saberemos cobrar de todos vocês”. Bem-vindos!

Ah, ça ira!

José Horta Manzano

Libération, veterano jornal da esquerda francesa, se pergunta se a epidemia de Covid-19 vai finalmente forçar o Brasil a cobrar impostos dos ricos. Esclarece que nosso país figura entre os mais desiguais do mundo, somente comparável a certos países da África ou do Oriente Médio. A diferença de posses entre os que têm mais e os que têm menos é brutal.

Explica que 206 bilionários brasileiros detêm 20% da riqueza nacional. Vamos fazer umas continhas. O país tem 200 milhões de habitantes. Vinte porcento da população dá 40 milhões de pessoas. Portanto, 206 ricaços possuem o que, em teoria, deveria pertencer a 40 milhões de compatriotas. É chocante. Diferenças sempre há, mas distorções a esse ponto são inconcebíveis num mundo civilizado.

O jornal francês assinala que o imposto é cobrado principalmente do consumo ou seja: do arroz e do feijão, da gasolina, das fraldas do bebê, do cafezinho e da farinha de mandioca. Portanto, pesa muito mais no bolso dos desfavorecidos. Os altos rendimentos são poupados. No Brasil, a alíquota máxima é de 27,5%, enquanto a média na OCDE é de 43,5% – um cruel desequilíbrio.

Apesar de suas simpatias pela esquerda, o jornal confessa que nem Lula e seu PT, em 13 anos de poder, ousaram corrigir as distorções. Ao contrário: se a era Lula fez os pobres um pouco menos pobres, em compensação, deixou os ricos bem mais ricos.

Libération conclui filosofando: no Brasil, os ricos ainda têm belos dias pela frente.

Aqui no original francês.

(*) O título deste post – Ah, ça ira! – faz referência a um refrão que surgiu em 1790, como prenúncio da Revolução Francesa. Ao longo dos anos, inúmeras versões e paródias se encaixaram na métrica dos versos. A mais ameaçadora delas é justamente a mais conhecida:

Ah, ça ira, ça ira
Les aristocrates, on les pendra!

Em tradução livre, fica assim:

Sim, venceremos, venceremos
Os aristocratas, enforcaremos!

Que fique claro: este blogueiro já passou da idade de ser incendiário. Não estou recomendando mandar nenhum bilionário para o patíbulo.

Ricos novos e novos-ricos

José Horta Manzano

Novo-rico é a forma aportuguesada da expressão francesa nouveau riche. Tem conotação fortemente pejorativa exatamente como o original. Designa todo indivíduo de origem modesta que enricou em pouco tempo mas que, embora tendo atingido condição social e financeira superior, não adquiriu cultura nem boas maneiras condizentes com a nova situação. Outra palavra francesa de mesmo significado é parvenu, também dicionarizada.

De riquinhos que chegaram a amealhar alguns milhares de reais, o mundo está cheio. Não é desses que falo aqui. Refiro-me aos que juntaram centenas de milhões ou, em alguns casos, bilhões. Pra quem passou infância remediada, a tentação é grande de gritar a todos: «Cheguei lá!». Há mil maneiras de animar esse circo de vaidades.

Lamborghini semelhante à que Senhor Batista exibia na sala

Lamborghini semelhante à que Senhor Batista exibia na sala

Hoje caiu um pouco de moda, mas, algumas dezenas de anos atrás, compravam-se títulos de nobreza. Tivemos, no Brasil, diversos casos de descendentes de imigrantes italianos que se mostraram simpáticos ao rei da Itália e conseguiram nobilitar-se. Foi o caso de Francisco Matarazzo, que começou como mascate e chegou a ter o maior império industrial da América Latina em meados século passado. Foi “enobrecido” com o título de conde.

Outro que ainda hoje exibe o título adquirido é o conde Francisco Scarpa(*), aquele que outro dia chamou a mídia para assistir ao enterro de um automóvel de luxo no jardim. Na intenção de expor riqueza, acabou mostrando que a estupidez humana não tem limites. Teria sido mais elegante e útil leiloar o carro e doar o dinheiro ao Hospital do Câncer.

Hoje em dia, as poucas casas reais que sobram na Europa já não distribuem alvarás de nobreza como nos bons tempos. Para se destacar da multidão, novos-ricos têm de bolar outros métodos.

Estes dias, tem-se falado muito num certo senhor Batista, que chegou a possuir a maior fortuna do país, uma das maiores do planeta. Como legítimo representante da casta dos novos-ricos, esse senhor teve estapafúrdia iluminação: expôs um automóvel de luxo em plena sala de estar, ideia que Freud não teria dificuldade para explicar.

Parece, no entanto, que sua propalada fortuna não passava de vento, de puro gogó. Na verdade, o dinheiro era nosso. Desmascarado, o homem está fazendo atualmente um retiro espiritual no Complexo de Gericinó. Terá tempo de sobra para analisar as façanhas que cometeu.

Donald Trump: apartamento familiar

Donald Trump: apartamento familiar

«Un bien mal acquis ne profite jamais à celui qui le possède» ‒ um bem mal adquirido não beneficia jamais àquele que o possui, diz um sábio provérbio francês. Deus sabe por onde andará o automóvel de luxo, aquele da sala de estar, hoje devidamente confiscado. De qualquer maneira, o moço já não precisa dele: anda agora de carona nas elegantes peruas da PF.

Na outra ponta, no rol dos ricos novos que não se deixaram tentar pelo exibicionismo, temos Herr Ingvar Kamprad, de quem dificilmente o distinto leitor terá ouvido falar. Trata-se do criador da IKEA, rede de 330 enormes lojas de móveis distribuídas por 28 países, com cerca de cem mil funcionários. O faturamento anual é próximo de 30 bilhões de euros.

Originário de um vilarejo sueco, o homem está com 90 anos. Cresceu em ambiente modesto. Todo o dinheiro que ganhou veio do trabalho e não de trambiques com cumplicidade do governo. Dizem que levou vida simples e sempre viajou de classe econômica. Ano sim, outro também, aparece na lista dos mais ricos do mundo.

Cada um faz o que quer com o próprio dinheiro, isso é fato. No entanto, conforme o destino que cada um dá à própria fortuna, é fácil constatar o grau de sabedoria do afortunado: se é rico novo ou apenas novo-rico.

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(*) Em italiano, Scarpa quer dizer sapato, curioso sobrenome para um membro da nobreza, né não? De toda maneira, títulos nobiliárquicos não têm mais validade oficial na Itália atual.

Bilionários perdidos

José Horta Manzano

Com a voz trêmula de pesar, a mídia nacional anunciou ontem que, em um ano, o Brasil perdeu 23 bilionários. Meu Deus, que tristeza! Fiquei decepcionado e senti muita pena. A contabilidade é da revista Forbes.

É surpreendente constatar a que ponto a riqueza desperta curiosidade e interesse. Desde 1929, faz sucesso uma revista chamada Fortune que, como indica o nome, dirige holofotes para milionários. Em compensação, não se tem notícia da existência de nenhuma publicação chamada Misery. É compreensível. Fosse lançada, não passaria do primeiro número. No fundo, miséria não interessa a ninguém.

Banco 5Voltando ao problema dos bilionários «perdidos», é interessante observar como, sem se dar conta, a imprensa considera esses personagens como parte integrante do patrimônio nacional. Dizer que «o Brasil perdeu», francamente, é patético. Como até porta blindada de banco suíço sabe, dinheiro não tem cheiro nem pátria. O Brasil não ganhou nem perdeu nada, ora essa.

Jorge Paulo Lemann & esposa

Jorge Paulo Lemann & esposa

A maior fortuna
Segundo a revista americana, senhor Jorge Paulo Lemann aparece na 19ª posição. Nossa mídia anuncia, com indisfarçável orgulho, que ele é o brasileiro mais rico. Ainda que não se possa ter certeza, vamos dar de barato que seja realmente o mais abonado.

O que nossa mídia desconhece é que esse senhor, que se mudou definitivamente para a Suíça há dezessete anos, já nasceu com dupla cidadania. Filho de imigrante suíço, nasceu brasileiro pela lei do solo e suíço pela lei do sangue. Como se pode imaginar, a mídia suíça o inclui entre os ricaços do país. Na lista helvética, ocupa o terceiro lugar.

Fortunas ocultas
Conforme se vão desdobrando os capítulos da Operação Lava a Jato, bilionários desconhecidos vão sendo revelados. Já apareceu auxiliar do vice do sub devolvendo centenas de milhões pra salvar a pele. A gente fica aqui a cismar quantos mais haverá e… quantos bilhões possuirão.

Banco 2Fica a desagradável impressão de que a lista da Forbes mostra apenas pequena fração dos brasileiros afortunados, só a ponta do iceberg. Muitos outros deve haver. E hão de estar fazendo novena pra que ninguém descubra.