Deixa que eu pago

José Horta Manzano

Em abril de 2019, com sua costumeira meiguice, o presidente Bolsonaro esbravejou: “O Brasil não pode ser o paraíso do turismo gay. Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade. Agora, não pode ficar conhecido como paraíso do mundo gay aqui dentro.”

Em julho daquele ano, sempre calçando as mesmas luvas de ternura, reincidiu: “O Brasil é uma virgem que todo tarado de fora quer. Desculpem aqui as mulheres aqui tá?”.

Referindo-se a uma jornalista, em fevereiro de 2020, soltou esta finura: “Ela queria um furo. Ela queria dar o furo!”.

Na mesma linha do presidente, seu ministro Guedes aproveitou a plateia que o acompanhava numa palestra de setembro de 2019. Entusiasmado, mandou: “Ah, o Macron falou que estão botando fogo na floresta brasileira. O presidente devolveu, falou que a mulher dele é feia’. Tudo bem, é divertido. Não tem problema nenhum, é tudo verdade, o presidente falou mesmo. E é verdade mesmo, a mulher é feia mesmo.”.

Em abril de 2019, a ministra Damares (que cuida da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos!) foi fiel ao exemplo do chefe. Numa audiência na Câmara Federal, ousou: “A mulher deve ser submissa. Dentro da doutrina cristã, sim. Dentro da doutrina cristã, lá dentro da igreja, nós entendemos que um casamento entre homem e mulher, o homem é o líder do casamento”.

São citações que aparecem, entre outras, numa ação civil em que o MPF (Ministério Público Federal) requereu que a sociedade brasileira seja ressarcida do prejuízo causado pelas falas discriminatórias e preconceituosas de membros da alta hierarquia do governo federal. A 6ª Vara Cível Federal de SP aquiesceu e condenou a União a pagar 5 milhões de reais em reparação dos danos morais coletivos contra a mulher brasileira.

Sem sombra de dúvida, o julgamento parece justo. De fato, não é normal deixar passar em branco um conjunto de insultos e deboches tão abastado que deixa a impressão de ser ataque coordenado – sabe-se lá com que intenções. No entanto, algo me parece fora do lugar. Explico.

A União Federal, em última análise, somos nós, o povo. Assim como o Exército Brasileiro (que o capitão insiste em chamar de “seu”) não pertence a nenhum indivíduo, a União também é instituição coletiva, uma extensão do povo brasileiro. A União é formada por todos nós, não somente pelo governo de passagem. Instituição permanente, ela precede os atuais governantes e lhes sucederá.

Dito isso, fica estranho obrigar a União a pagar a conta das impropriedades cometidas por membros do governo. Cobrar da União isenta os autores das infrações. Em última instância, significa cobrar de todos nós, que, com nossos impostos, sustentamos os cofres federais. O julgamento da ação deixa um quadro estranho, em que a parte lesada é condenada a ressarcir a si mesma.

Na minha opinião, o certo seria cobrar de cada agressor o preço de sua ousadia. Que se condenem os que proferiram impropérios: o capitão, dona Damares, doutor Guedes e quem mais for. Individualmente. Querer castigá-los repassando a conta para todos os contribuintes não está certo. Visto que a conta não vai pesar no bolso dos infratores, hão de sentir-se livres de continuar proferindo impropriedades.

Entrou muda e saiu falando

José Horta Manzano0-Sigismeno 1

Este blogue faz questão de utilizar palavreado conveniente. Embora, por vezes, dê até vontade de baixar o nível, a gente evita descambar. É questão de respeito para com o distinto leitor.

Saiu ontem notícia com o título: «Marisa e Lulinha pedem indenização à União». Como é que é? Passado o susto, consegui trocar em miúdos.

Telefone 4Todos se lembram da gravação, difundida por toda a mídia brasileira, de edificante conversa telefônica entre dona Marisa da Silva ‒ aquela senhora de 66 anos que já foi a primeira-dama do Brasil durante oito anos ‒ e um dos filhos. Todos se lembram de que a espontaneidade da conversa banal revela a naturalidade com que mãe e filho se comunicam em linguajar grosseiro.

Pois acho indecente que gente desse tipo pleiteie que a União os indenize por danos morais que a divulgação das gravações lhes pudesse ter causado. Como é que é? Danos morais? A ordem dos fatores está invertida e, neste caso, altera o produto.

Lembremos, nunca é demais, que essa história de «exigir dinheiro da União» é forma chique de dizer «extorquir dinheiro dos brasileiros». As caixas da União são alimentadas com os impostos que todos pagamos, do primeiro ao último cidadão. Portanto, o “dinheiro da União” é nosso dinheiro.

Isso dito, vamos ao que penso. Na minha opinião, dona Marisa é quem devia ser processada por todos os brasileiros que tiveram de passar pelo constrangimento de ouvir palavrão pronunciado por antiga primeira-dama do país, pessoa de quem, no mínimo, se esperava recato.

Telefone 5Começo a compreender por que essa senhora, quando o marido exercia a chefia do Executivo, entrou muda e saiu calada, como se diz. Hão de ter-lhe recomendado que nunca abrisse a boca, de medo que alguma inconveniência pudesse escapar.

Estava eu nessas conjecturas quando apareceu meu amigo Sigismeno. Fazia tempo que não nos encontrávamos. Aproveitei para comentar com ele sobre minha indignação.

‒ Você viu, Sigismeno, esse cinismo de membros do clã de nosso guia reclamarem que paguemos indenização pelo despudor deles mesmos?

Meu amigo, que é menos ingênuo do que parece, tinha resposta pronta.

‒ Ora, mas você não se dá conta do ardil?

‒ Que ardil, Sigismeno?

‒ Mas é evidente, meu caro. Com tantos bilhões que esvoaçam por aí na esteira desses escândalos, não são os míseros trezentos mil reais exigidos que vão fazer diferença.

‒ Ué, mas por que então exigem esse reparo?

‒ É simples. Não passa de mais uma desastrada tentativa de desviar o foco das atenções. Como as notícias de rapinas, roubalheiras e escândalos vários não saem das manchetes, hão de ter imaginado que era boa ideia passar por vítimas. Mesmo sabendo que chocaram a nação com seu palavreado chulo, tentam mostrar-se ofendidos. Mas deu tudo errado. O pedido de indenização não rendeu mais que nota de rodapé. O foco continua, firme e forte, no que interessa: roubalheiras, traições e destituição iminente da presidente. E ainda vão perder o processo, pode ter certeza.

É mesmo. A sagacidade do Sigismeno continua me impressionando.

Vai dar trabalho

José Horta Manzano

O discurso de união nacional da presidente reeleita ficou bonito no papel. Era o que se esperava. Faltou avisar à militância, que não parece estar sintonizada com os novos tempos.

Como prova eloquente, veja esta foto da alegre manifestação que se seguiu à notícia da reeleição. Foi tirada na avenida Paulista, São Paulo, na noite de 26 out° 2014.

Dilma vitoria 1

Alguém distingue alguma bandeira brasileira?