Prêmio à honestidade

José Horta Manzano

Hoje de manhã, fiquei sabendo da história de um rapaz chinês que acaba de virar notícia como exemplo de virtude e honestidade. O moço vive na China, numa cidade cujo nome não me lembro. Ao manobrar seu carrinho, um erro de apreciação o levou a abalroar um carrão estacionado. Não chegou a destruir o veículo alheio, mas deixou uma marca.

Considerando-se culpado pelo estrago, o jovem escreveu um bilhete pedindo desculpas. Tomou um envelope, pôs dentro o escrito e todo o dinheiro que tinha no bolso, pouco mais de cem reais. Acrescentou nome e endereço e prendeu o envelope entre o limpador e o para-brisa do automóvel acidentado.

Mais tarde, ao ler o escrito, o dono do carrão, pessoa abastada, comoveu-se com a honestidade do jovem. Fez um gesto. Não somente devolveu a centena de reais, como ainda recompensou o rapaz com bela quantia equivalente a uns quatro mil reais.

Sem querer ser desmancha-prazeres, considero que o rapaz agiu exatamente como tinha de agir. Faz tempo que aprendi que aquele que causa dano a terceiros tem a obrigação de reparar o estrago. É um dos princípios básicos de funcionamento de sociedade civilizada. A repercussão do caso chinês mostra que, naquele país, respeito à regra é exceção. O Brasil, infelizmente, tampouco é exemplo de civilidade.

carro-17Isso lembrou-me uma história ‒ verdadeira ‒ que se passou aqui na Suíça muitos anos atrás e que me foi contada pelo protagonista. Ao sair com o carro que havia deixado rente ao meio-fio, um amigo meu atingiu de raspão o carro que estava estacionado à sua frente. Parou, desceu e examinou. Nessas horas, o causador do estrago costuma deixar um cartão de visita, com nome e número de telefone, preso ao para-brisa do veículo atingido. Mais tarde, o proprietário liga de volta e combinam um jeito de resolver o problema.

Acontece que meu amigo estava sem cartão de visita. Deu a partida e foi para casa. Lá chegando, ligou imediatamente para a polícia para identificar-se e informar o que tinha acontecido. Ouviu do policial: «Ainda bem que o senhor ligou, porque já tínhamos recebido três denúncias de testemunhas que viram o que aconteceu e anotaram a sua placa.»

Se faltasse uma prova de que o medo da sanção é motor do bom comportamento, aí está ela. Cidadãos mostram-se honestos e comportados não tanto porque sejam bonzinhos, mas antes porque temem as consequências de toda incivilidade. A quase certeza da punição mantém as pessoas no bom caminho.

A certeza da impunidade está na raiz de grande parte dos males do Brasil. Está aí a Lava a Jato que não me deixa mentir. Imagino que, se Sergio Cabral, Eike Batista, José Dirceu & companhia tivessem imaginado que acabariam atrás das grades, teriam roubado menos.

Ser ou não ser, eis a questão

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Li estes dias o resultado de uma pesquisa realizada pelo Datafolha a respeito de como os brasileiros entendem a responsabilidade da mulher em casos de estupro. Ainda que o instituto venha enfrentando severa crise de credibilidade, o resultado não surpreende: 1 em cada 3 brasileiros acredita que a mulher vítima tem, de alguma forma, culpa pela violência sofrida, seja por se vestir de maneira provocante ou por “não se dar ao respeito”.

Por mais chocante que seja constatar que essas crenças machistas subsistem, acredito que a expressiva maioria dos estudos realizados sobre o tema até hoje conseguiu apenas tangenciar outras questões, que me parecem mais centrais do ponto de vista científico: Como se dá o desejo feminino? O desejo masculino tem o poder de deflagrar o feminino em qualquer situação? A tensão ajuda ou atrapalha na aceitação do intercurso e no atingimento do prazer? Qual é a relação entre gozo sexual e emprego de violência?

fiu-fiuA sexualidade humana comporta muitos mitos. Que a curva de excitação sexual tenha um traçado diferente no caso masculino e no feminino, é fato sabido e aceito há muito tempo. Que o estímulo visual seja mais decisivo para desencadear o desejo masculino, também. O que raramente se investiga e pouco se fala, entretanto, é sobre a capacidade “natural” que homens e mulheres têm de controlar o impulso sexual.

Em torno dessa última questão orbitam múltiplos fatores culturais, religiosos e outros relativos ao gênero propriamente dito. Ao menos no que diz respeito à cultura ocidental, a conduta feminina tende a ser sempre crivada por duas representações simbólicas presentes na tradição judaico-cristã: ou ela é Eva, a mulher ingênua, forçada a se submeter ao homem por não ter sido feita da mesma matéria-prima; ou ela é Lilith, a primeira esposa de Adão e feita do mesmo barro, a mulher-diabo, a serpente maliciosa que seduz prometendo bem-aventurança para quem ousar desrespeitar a proibição celestial e experimentar do fruto da árvore do conhecimento.

Se socialmente a mulher é tratada como legítima descendente de Eva, espera-se que ela se preserve virginal até que um laço conjugal tenha sido oficialmente reconhecido. Posteriormente, mesmo tendo jurado fidelidade eterna a um só homem, que, no mínimo, aparente recato ‒ seja em público, seja na intimidade do casal. A regra é clara e repetida à exaustão em todos os manuais de educação feminina: à mulher de César não basta ser honesta, ela tem de parecer honesta.

fiu-fiuSe, movida por ilusões de igualdade de gênero, a mulher se mostra fogosa com seu companheiro ou, pior, desejosa de novas experiências sexuais com outros parceiros, desperta imediatamente fúria, condenação social e dúvidas quase unânimes quanto à sua verdadeira natureza. Não será ela na verdade uma loba disfarçada em pele de angelical ovelha? Não terá ela manipulado o comportamento do homem, atiçando seu desejo através de posturas corporais, gestos, roupas, falas e silêncios cúmplices para depois recuar e se pretender vítima do que não pode ser controlado?

Eis um aspecto da questão da violência sexual que raramente vem à tona em estudos interculturais: afinal, o impulso sexual masculino não pode mesmo ser controlado? Em geral, no levantamento de responsabilidades, parte-se da premissa de que cabe à mulher bem-criada, de princípios morais sólidos, opor-se a investidas sexuais indesejadas. Nem sequer se discute na maior parte das vezes se a menor força física feminina seria de fato suficiente para deter um impulso considerado tão vital e tão incontrolável para o homem.

A pesquisa Datafolha vai mais longe e assinala uma outra realidade paradoxal. Apesar de homens e mulheres apresentarem porcentagens praticamente iguais (cerca de 30%) de concordância com a ideia de que a mulher é parcialmente responsável pelo estupro, elas divergem muito em outro aspecto: 85% das mulheres e 46% dos homens dizem temer ser estuprados.

fiu-fiuAí parece estar o cerne de uma questão psicológica que mereceria ser investigada mais a fundo. As perguntas que não podem ser existencialmente caladas são outras: Se eu estivesse diante de uma situação real de ameaça de estupro, resistiria ou não? Daria minha vida para defender a integridade do meu corpo e da minha alma? Se não resistisse, como explicaria para os outros e para mim mesma as circunstâncias que me levaram a fraquejar?

Indo dolorosamente mais fundo nesse questionamento, eu diria que há um outro medo ainda inexplorado. Mais profundo que o pânico dos piores pesadelos, ele atormenta em especial as mulheres (ainda que detectável também entre homens) em todas as partes do mundo: o medo de gozar durante um estupro.

Uma possibilidade terrível, sem dúvida, mas característica da imperfeita natureza humana. Uma probabilidade que não se ousa confessar nem para o próprio analista e que, no entanto, contém a chave da verdadeira liberdade psicológica, independente de gênero.

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Tribunal da consciência

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Estou seriamente preocupada. Esgotaram-se os argumentos que eu poderia usar em minha defesa caso um dia fosse acusada injustamente de alguma transgressão grave.

Mortificada com a atual onda de delações, premiadas ou não, eu vinha me preparando para enfrentar o surgimento de potenciais acusadores, conhecidos ou desconhecidos, cujas motivações me fossem sabidas ou sentidas como absolutamente sem propósito.

Me engana, que eu gosto

Me engana, que eu gosto

Só para que se possa dimensionar melhor o tamanho da minha aflição, eis uma lista não exaustiva das alegações que coletei ao longo de poucas semanas:

  • Sou absolutamente inocente e provarei isso no momento oportuno.
  • Tenho a consciência limpa e tranquila.
  • Sou a alma mais pura do planeta.
  • Isso é uma calúnia, uma difamação intencional.
  • Não há provas contra mim.
  • Delação não é prova.
  • Sou uma pessoa honesta.
  • Não menti. Nunca fiz nada de que possa me arrepender.
  • Tenho uma longa história de prestação de serviços a meu povo.
  • Estou sendo vítima de perseguição política.
  • Meus advogados provarão em tribunal que não tenho nenhuma responsabilidade.
  • Confio na Justiça do meu país e tenho certeza de que a verdade prevalecerá.

E por aí vai. Que ninguém se engane, os malfeitos de que podemos todos ser acusados não se restringem ao campo político. Destruição intencional do sistema ecológico; contratação de mão de obra infantil ou de trabalhadores em regime análogo à escravidão; acobertamento de pedófilos, estupradores e criminosos, comuns ou de trânsito; discriminação racial, religiosa, social ou ideológica, etc. e até maus tratos a animais são outras possibilidades bastante comuns.

É por isso que minha paranoia persiste. Mesmo tendo muitas vezes a impressão de que sou uma pessoa do bem, generosa e responsável, sempre comprometida com o bem-estar de terceiros, não posso descartar a chance de que outras pessoas me avaliem sob ótica diferente. Alegar que agi contra a lei movida por “questões humanitárias”, como já tentaram antes, também não me serve de salvo-conduto. Sou humana, eis tudo.

ContriçãoOntem fui dormir preocupada, ainda sob o impacto do mais recente atentado terrorista. No limiar entre a vigília e o sono, me perguntava como e por que as pessoas enlouquecem e se dispõem a destruir tudo à sua volta. Serão esses eventos extremos uma triste consequência da confusão que estamos fazendo entre o mundo virtual e o real? Quando uma pessoa aceita se divertir com jogos virtuais que propõem atropelar o maior número possível de pessoas ou disparar tiros de metralhadora a esmo para atingir o máximo de “inimigos”, como ela faz para conter a náusea provocada pelas imagens de corpos destroçados? Será que é preciso sentir o cheiro de sangue para que a experiência do horror se concretize?

Outro detalhe relevante para entender meu pesadelo. Durante a tarde, eu tinha gasto também algumas horas cuidando da tradução de um termo de responsabilidade redigido em sutil palavreado jurídico. A empresa solicitava que contratados temporários assinassem uma declaração isentando o empregador de responsabilidade por eventuais acidentes de que pudessem ser vítimas no trabalho. Senti um aperto no peito ao buscar os termos mais adequados para traduzir essa intenção e tentei me livrar dele pensando com meus botões que, fosse como fosse, o documento não teria validade jurídica em nenhuma corte nacional nem internacional.

Não me arrependo de nada

Não me arrependo de nada

Sonhei que estava em Nice e era contratada pelo dono da empresa de transportes para traduzir um comunicado público, através do qual ele pretendia “dourar a pílula” de sua responsabilidade pela tragédia do 14 de julho. Continha frases como “já transportamos cargas e cargas de alegria, esperança e vida”, “caminhões são apenas ferramentas”, “não podemos responder legalmente pelo mau uso de nossos veículos”, “o motorista não fazia parte de nossos quadros”, etc.

O crescente incômodo com aquelas tentativas vergonhosas de livrar a própria cara acabou me forçando a interromper o trabalho. Resolvi telefonar para o proprietário e alertá-lo sobre as consequências negativas para a imagem de sua empresa. Lembrei a ele que muitas famílias traumatizadas poderiam acioná-lo judicialmente pela insensibilidade de não oferecer ajuda. No limite, disse, ele estaria dando um tiro no próprio pé, correndo o risco de nunca mais conseguir alugar seus caminhões para boa parcela da população local. Arrogante, ele enfatizou que cabia a mim apenas a tarefa de colocar em palavras exatas de outro idioma o que estava contido no documento original. Que, por não ser advogada, não me cabia julgar a adequação da conduta da empresa.

Cidade de Nice, que já foi lígure, grega, romana, ostrogótica, saboiana, piemontesa e italiana. Hoje faz parte da República Francesa.

Cidade de Nice, que já foi grega, romana, ostrogótica, genovesa, saboiana, piemontesa e italiana.
Hoje faz parte da República Francesa.

Indignada, informei então que estava desistindo da tarefa que me fora confiada. Ele reagiu com indiferença. Desliguei o telefone e sai à rua, tentando me acalmar. Meu cérebro, no entanto, não me dava sossego. A pergunta circulava com velocidade cada vez maior na minha cabeça: “Afinal, não foi isso o que você sempre fez e sempre se orgulhou de fazer? Convencer as pessoas com palavras bonitas de que suas intenções são nobres?”

Acordei encharcada de suor. Pensando bem, talvez tenha sido esse, de fato, o propósito de todo meu labor. Mas, se isso é verdade, o que dizer das palavras que meu anjo sopra em meu ouvido quando estou perdida? Será que ele não passa de um embusteiro, um demônio provocador?

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

A catástrofe de Mariana

José Horta Manzano

«Prevenir acidentes é dever de todos» era advertência afixada em lugar bem visível nos bondes de antigamente. O homem ainda estava engatinhando em matéria de desenvolvimento mecânico e tecnológico. Explosões, incêndios, desastres de todo tipo eram muito mais comuns que hoje. Estes últimos 100 anos trouxeram considerável avanço em matéria de prevenção.

Vale Mariana 1Acidentes acontecem, todo o mundo sabe disso. Entre eles, alguns são inevitáveis como raio, incêndio florestal. Contra as forças da natureza, pouco ou nada se pode fazer além de rezar pra Santa Bárbara.

A maior parte dos acidentes, no entanto, entra em outra categoria. São acontecimentos contra os quais podemos – e devemos – nos prevenir. Se precauções não eliminam todos os acidentes, certamente diminuem o risco.

by Paulo Baraky Werner, desenhista mineiro

by Paulo Baraky Werner, desenhista mineiro

Pelo relato dos jornais, a catástrofe de Mariana é resultado de negligência. O estado atual de desenvolvimento da engenharia fornece os elementos necessários para evitar que uma diga ceda. Chuvas torrenciais, corriqueiras em regiões tropicais, não servem como desculpa para esse tipo de acidente. Nem mesmo tremores de terra de pequena magnitude, dado que se produzem no Brasil com certa frequência.

Majestosa sede da Vale Internacional, em St-Prex, Suíça, às margens do Lago Léman Imagens Google

Majestosa sede da Vale Internacional, em St-Prex, Suíça, às margens do Lago Léman
Imagens Google

As instalações de Mariana pertencem a um consórcio em que a mineradora brasileira Vale responde por cinquenta por cento. Essa empresa, gigante mundial no ramo, explora variadas jazidas espalhadas por 30 países.

Em artigo do ano passado intitulado Exportando desleixo, fiz breve relato dos estragos que essa empresa vem causando na Nova Caledônia, território francês do Oceano Pacífico. Exploram ali uma mina de níquel. De 2009 a 2014, causaram nada menos que sete acidentes industriais. Produtos diversos vazaram e contaminaram terras e vidas.

Vale Mariana 2Isso é o que veio a público. Sabe-se lá que barbaridades podem ter ocorrido em outras partes do mundo, especialmente em países menos ciosos da saúde do povo. Quando interesses superiores estão envolvidos, sacumé, notícias ruins têm mais dificuldade para circular.

Essa companhia deverá responder civil e criminalmente pelo desastre de Mariana. Em terras civilizadas, poderiam ir já provisionando alguns bilhões. No Brasil, onde amigos do rei têm direito a tratamento de favor, só Deus sabe como vai terminar. Quem viver, verá.

Contrato é trato

José Horta Manzano

Mês passado, foi noticiada uma decisão do Superior Tribunal de Justiça concernente ao reembolso de pacotes turísticos em caso de desistência por parte do viajante.

Costumo dizer que decisões de justiça são feitas para serem cumpridas, não para serem avaliadas ou discutidas. É verdade. À parte vencida, cabe encolher-se e acatar a decisão. À parte vencedora, é até permitido estourar o champanhe. E tomar com moderação, cáspite!

Minha bronca de hoje não diz respeito ao julgamento do caso específico narrado pela imprensa um mês atrás, mas ao princípio que está por detrás dessa decisão. Em artigo publicado no Estadão, Felipe Recondo narra o caso de um casal que havia contratado um pacote turístico de quase vinte mil reais. Era a viagem de lua de mel. Como às vezes acontece na vida, as coisas não deram certo, o noivado se desfez, o casamento foi anulado.

Dado que a viagem não fazia mais sentido, o casal solicitou à agência de turismo reembolso da soma já paga. A agência negou-se a devolver a quantia. O caso virou causa e foi parar na Justiça. Em julgamento salomônico, o STJ determinou que a agência devolvesse 80% do valor já pago.

A mim, não me parece correto. O julgamento traz embutida a ideia de que o agente de viagens é capitalista rico e ganancioso, enquanto o futuro viajante é pobre e desprotegido. Em suma, de um lado, o mau poderoso, e, de outro, o bom indefeso. É um clichê duro de ser apagado. Pensando bem, pode até ser exatamente o contrário. Não é todos os dias que pobres coitados contratam pacotes turísticos de quase vinte mil reais.

Meios de transporte

Pacote completo

Mas o problema maior não está aí. Contrato é trato. Na medida que o viajante se comprometeu a viajar e o agente se comprometeu a fornecer-lhe passagens e alojamento, um contrato foi concluído. Em princípio, as cláusulas estão estipuladas no papel, preto no branco, com assinatura de ambas as partes lá no finzinho.

A partir do momento em que o acordo foi sacramentado, cada uma das partes assumiu um compromisso. Espera-se que seja cumprido. O viajante certamente não se resignará se o agente, às vésperas da viagem, lhe comunicar que, por razões familiares, não poderá lhe fornecer as prestações combinadas. Tampouco é compreensível que o agente se resigne se o viajante, às vésperas da viagem, desistir da viagem e quiser o dinheiro de volta. Afinal, o pacote não estava vinculado à celebração do casamento.

Que fazer, então? Que se institua ― se é que já não existe ― um seguro de viagem. Aqui na Europa, quando se contrata uma viagem qualquer, desde um simples bilhete de avião até um pacote completo de volta ao mundo, o formulário já traz um quadradinho onde o viajante traça um X se deseja subscrever um seguro de desistência. Não é obrigatório, mas custa barato e pode ser extremamente útil. Não acredito que valha para casos de lua de mel abortada, que esse é assunto de foro íntimo ― aquele tipo de pretexto que abre precedentes e dá margem a golpes contra companhias seguradoras.

O seguro de viagem cobre, entre outras coisas, perda de bagagem, repatriação em caso de doença, acidente, conflito, terremoto. E, justamente, reembolso em caso de desistência. Só que, para conseguir anular o contrato, o viajante terá de ter um motivo válido. Entre os mais comuns estão: doença, acidente, doença ou acidente de um próximo (cônjuge ou filho). Tudo isso vem especificado, com tinta indelével.

Decisões do STJ têm de ser respeitadas e cumpridas, não resta dúvida. Mas, a meu ver, essa de que lhes falei vai no mau sentido. Por ser escória paternalística de um tempo que já passou, contribui para a infantilização da população.

Ao apor sua assinatura ao pé de um contrato, ambos os contratantes assumem a obrigação de cumpri-lo. Liberá-los desse compromisso, ainda que seja por decisão de justiça, equivale a perenizar a leviandade e a irresponsabilidade.