Três em um

José Horta Manzano

Estou acostumado a dar uma passada d’olhos na imprensa internacional. Posso garantir-lhes que, fora de nosso país, erros gramaticais são raros e excepcionais. Que se trate de regência, de sintaxe ou simplesmente de datilografia ‒ perdão! de digitação ‒, a raridade é a mesma.

Dizem que o desleixo com que costumamos nos comportar no Brasil é herança do colonizador. Se assim for, constato que a herança frutificou. Em vez de regredir, o desmazelo parece aumentar a cada dia. O filho saiu melhor que o pai.

Até o Estadão, que, afinal de contas, é o jornal brasileiro de referência, reverenciado no mundo todo, tem-se deixado levar pela negligência. E logo na primeira página! A impressão que fica é de que as chamadas ‒ que são justamente as palavras mais lidas do veículo ‒ ficam por conta de estagiários ou de gente que não tem suficiente domínio da norma culta.

Na edição de 1° de agosto, três escorregões coexistiam na página principal da edição online. Ao mesmo tempo, sim, senhores. Aqui estão:

Chamada Estadão, 1° ago 2017

Conselho prorroga mais 1 ano da Lava Jato
Eta, frase torturada! Prorroga-se algo por determinado tempo. Deveriam ter posto «Conselho prorroga Lava a Jato por um ano».

Chamada Estadão, 1° ago 2017

Béndine tentou dissuadir Ferreirinha a depor
Aqui também, a regência foi pro beleléu. Dissuade-se alguém de (fazer) algo. Teria sido melhor: «Béndine tentou dissuadir Ferreirinha de depor».

Chamada Estadão, 1° ago 2017

Neymar viaja à Barcelona
Essa é primitiva. Salvo as exceções, que não chegam a meia dúzia (Cairo, Porto, Rio de Janeiro, Recife, Crato), nome de cidade não aceita artigo. Ninguém mora na Barcelona, nem trabalha na Florianópolis, nem pretende estudar na Paris. Sem artigo, sobra somente a preposição. Naturalmente, não ocorre crase. Melhor seria: «Neymar viaja a Barcelona».

Água mole em pedra dura… Vamos em frente. Quem sabe, um dia ainda chegamos lá.

A catástrofe de Mariana

José Horta Manzano

«Prevenir acidentes é dever de todos» era advertência afixada em lugar bem visível nos bondes de antigamente. O homem ainda estava engatinhando em matéria de desenvolvimento mecânico e tecnológico. Explosões, incêndios, desastres de todo tipo eram muito mais comuns que hoje. Estes últimos 100 anos trouxeram considerável avanço em matéria de prevenção.

Vale Mariana 1Acidentes acontecem, todo o mundo sabe disso. Entre eles, alguns são inevitáveis como raio, incêndio florestal. Contra as forças da natureza, pouco ou nada se pode fazer além de rezar pra Santa Bárbara.

A maior parte dos acidentes, no entanto, entra em outra categoria. São acontecimentos contra os quais podemos – e devemos – nos prevenir. Se precauções não eliminam todos os acidentes, certamente diminuem o risco.

by Paulo Baraky Werner, desenhista mineiro

by Paulo Baraky Werner, desenhista mineiro

Pelo relato dos jornais, a catástrofe de Mariana é resultado de negligência. O estado atual de desenvolvimento da engenharia fornece os elementos necessários para evitar que uma diga ceda. Chuvas torrenciais, corriqueiras em regiões tropicais, não servem como desculpa para esse tipo de acidente. Nem mesmo tremores de terra de pequena magnitude, dado que se produzem no Brasil com certa frequência.

Majestosa sede da Vale Internacional, em St-Prex, Suíça, às margens do Lago Léman Imagens Google

Majestosa sede da Vale Internacional, em St-Prex, Suíça, às margens do Lago Léman
Imagens Google

As instalações de Mariana pertencem a um consórcio em que a mineradora brasileira Vale responde por cinquenta por cento. Essa empresa, gigante mundial no ramo, explora variadas jazidas espalhadas por 30 países.

Em artigo do ano passado intitulado Exportando desleixo, fiz breve relato dos estragos que essa empresa vem causando na Nova Caledônia, território francês do Oceano Pacífico. Exploram ali uma mina de níquel. De 2009 a 2014, causaram nada menos que sete acidentes industriais. Produtos diversos vazaram e contaminaram terras e vidas.

Vale Mariana 2Isso é o que veio a público. Sabe-se lá que barbaridades podem ter ocorrido em outras partes do mundo, especialmente em países menos ciosos da saúde do povo. Quando interesses superiores estão envolvidos, sacumé, notícias ruins têm mais dificuldade para circular.

Essa companhia deverá responder civil e criminalmente pelo desastre de Mariana. Em terras civilizadas, poderiam ir já provisionando alguns bilhões. No Brasil, onde amigos do rei têm direito a tratamento de favor, só Deus sabe como vai terminar. Quem viver, verá.