Medo da polícia

José Horta Manzano

Os franceses andam assustados e preocupados. As mais recentes estatísticas relativas à delinquência atestam um aumento da incidência de pequenos crimes de novembro pra cá. Em apenas seis meses, o conjunto de crimes e delitos chamados «petite délinquence ‒ pequena delinquência» aumentou de 7% a 10%. Estamos falando de ocorrências como furto ou roubo de pessoa física, furto ou roubo de veículo, assalto a residência na ausência do morador.

Não foi preciso analisar muito profundamente pra descobrir relação entre o súbito aumento da criminalidade e as manifestações dos Coletes Amarelos. De fato, as passeatas de protesto começaram em novembro, atravessaram Natal, continuaram no ano-novo e estão chegando à Páscoa. Tirando a pequena parte da população que gostaria de ver o circo pegar fogo, os franceses estão até aqui de confusão. Não aguentam mais ver o país tomado por arruaceiros. Sair de casa aos sábados tornou-se um exercício perigoso.

Mas o quem tem de ver o movimento de protesto com o aumento da criminalidade? A relação é simples. Frequentemente violentos, os protestos exigem presença reforçada de batalhões inteiros de policiais. E de onde é que vem esse reforço? Pois é justamente do policiamento normal, ostensivo e de proximidade. Despe-se um santo pra vestir outro.

Os policiais convocados pra garantir a segurança de pessoas e bens durante as manifestações acabam fazendo falta na região onde costumam trabalhar. Ao notar que não há guardas, os bandidos fazem a festa. É a demonstração de que a mera presença do uniforme inibe muita incivilidade e muito delito.

Cada uma!

José Horta Manzano

Visitantes no cárcere
Uma caravana de políticos, incluindo senadores da República, solicitou ‒ e obteve! ‒ autorização especial para visita ‘de inspeção’ à cela onde está recolhido o cidadão Lula da Silva. Desejavam conferir se o cômodo estava nos conformes e se o encarcerado estava sendo bem tratado.

Da solicitação, destaco a arrogante petulância. Imperdoável, principalmente por serem senadores da República. Haja cara de pau!

Da autorização, depreende-se que o sistema carcerário ainda não se livrou da praga do «jeitinho». As normas de visitação não preveem caravanas, ainda mais quando não são compostas de parentes ou amigos íntimos do preso. Não há razão pra flexibilizar regras. A “visita de inspeção” é insultante para as autoridades que cuidam da execução das penas.

Um ponto positivo: nenhum dos visitantes denunciou a má qualidade das condições carcerárias. Conclui-se que devem ser pra lá de boas. Se assim não fosse, imaginem a gritaria.

Aécio candidato
É verdade que um escândalo a mais ou a menos pouca diferença faz nesta terra castigada. Assim mesmo, alguns deles conseguem chocar mais.

by Renato Luiz Campos Aroeira, desenhista carioca

Semana passada, doutor Aécio, aquele que ludibriou metade do eleitorado nas últimas eleições, passou à condição de réu em processo criminal. E nesta semana, o que é que se lê? Que o ora acusado «ainda vai resolver se se candidata à presidência da República».

Como é que é? Com acusação confirmada pelo egrégio STF, ainda pensa em se candidatar? Pouca vergonha! Devia mais é ser expulso do partido.

Perguntar não ofende: quem é mais descarado, o candidato ou quem votar nele?

Lula roubado
O veículo de Lula, confiado a um de seus oito assessores, foi assaltado. Furtaram pertences do encarcerado, objetos que a gente se pergunta o que é que estariam fazendo lá. Um frigobar, um telefone celular, peças de roupa, passaporte. Tudo declarado como pertencente a Lula da Silva. Agora vêm as inevitáveis perguntas.

O que fazia um frigobar (repleto?) no carro do Lula? A intenção era subornar um carcereiro e introduzir o objeto na cela? Fora isso, que raios fazia essa geladeira num automóvel?

Telefone celular? Do Lula? Era destinado ao preso? E eu que, ingênuo, acreditava que presos fossem proibidos de guardar celular.

E o passaporte então? Preso não costuma passar fronteira, portanto não precisa de passaporte. Pra quê o documento estava lá?

No dia seguinte ao do furto, doutora Gleisi Hoffmann, presidente do PT, botou a boca no trombone para denunciar o provável envolvimento da “zelite” no assalto. Exigiu que tudo fosse investigado a fundo. Um dia mais tarde, dando-se conta de que indagações surgiriam e que o feitiço perigava virar-se contra o feiticeiro, esqueceu o assunto. E não falou mais nisso, que a emenda podia ficar pior que o soneto.

A mágica acabou

José Horta Manzano

Os Jogos Olímpicos que se acabam tinham sido motivo de preocupação, não só no Brasil como no exterior. Havia receio de atentados, de manifestações de rua conduzidas por hordas de descontentes. Temia-se sobretudo que o vírus Zika matasse metade dos visitantes enquanto balas perdidas cuidavam de liquidar os demais.

Favela 1Felizmente, o mundo não caiu. Para turistas e enviados estrangeiros, que receavam não escapar com vida da estada no Rio, até que não foi tão catastrófico. Tirando um ou outro assaltozinho e uma fieira de furtos, os Jogos transcorreram dentro do que se pode esperar de um país de Terceiro Mundo. Até que não foi tão mal. Ficou a conta pra pagar mas, como Deus é brasileiro, há de se dar um jeito.

A meta lançada ao ar pelo Comitê Olímpico Brasileiro ‒ de classificar o país entre os 10 melhores do mundo ‒ não se realizou. Fica a incômoda impressão de que não era bem uma meta, mas uma simples esperança. Dez melhores? Por que não entre os oito melhores? Ou entre os doze melhores? Por que visar uma classificação e não um número de medalhas? Favor encaminhar eventuais questionamentos ao COB.

Nas semanas que antecederam a Olimpíada, a mídia europeia falou muito do Brasil em geral e do Rio em particular. Dado que imagens de gente fina se tostando ao sol de Ipanema são demais batidas, a tevê preferiu focalizar o lado B do Rio de Janeiro, os aspectos mais sombrios. Foram mostradas cenas de polícia subindo o morro, de bandidos sendo caçados, de rodinhas de crack, de brucutus percorrendo favelas, de muita pobreza.

Circo 1No entanto, para quem observa de fora, as duas semanas dos JOs foram um refrigério. Dezenas de canais de tevê mostraram diferentes modalidades de esportes, a mídia falada e escrita teceu loas aos campeões e lamentou alguns fracassos. Em resumo, todas as atenções estiveram voltadas para a competição e as mazelas foram esquecidas.

Agora, terminado o espetáculo, volta-se à realidade. Impeachment, falcatruas, corrupção, desvio de dinheiro público, desemprego, inflação já estão voltando ao noticiário. O que é bom dura pouco. O circo foi desmontado e o Brasil real ressurgiu.

Interligne 18h

O legado
No Brasil, falam do «legado» dos Jogos. Pra começar, a palavra é inapropriada. Legar é dar de graça. Os despojos deixados pelas competições continuarão sendo bancados com o dinheiro do contribuinte brasileiro. É como legar algo a si mesmo, um despropósito.

Sem palavrão

José Horta Manzano

Não é só nas altas esferas da República que a ladroeira come solta. Em esferas mais baixas, o logro, a improbidade e a traição vicejam. Continua tudo como dantes no quartel de Abrantes.

Nestes dias de rebuliço social e de tramas políticas apimentadas com verbo chulo, assaltos menores passam na surdina. Nem por isso, deixam de ser indecentes e revoltantes.

Teatro Municipal, São Paulo

Teatro Municipal, São Paulo

Dois fatos foram revelados esta semana, ambos ocorridos na maior cidade do país. O primeiro escândalo tem a ver com o Teatro Municipal, um dos fortes símbolos culturais da cidade. Um ex-diretor, investigado por desvio de verba pública num total de 18 milhões, negociou acordo de delação premiada com o Ministério Público. A crer na denúncia, até o maestro titular está envolvido. Como é praxe, todos negam.

Livro 7Outro episódio deprimente vem de investigação feita na Biblioteca Municipal, outro símbolo cultural forte. No final de 2015, foi concluído um inventário do acervo de obras raras ‒ o anterior datava de 1969, quase meio século de descaso. Descobriu-se que importante quantidade de obras raríssimas haviam desaparecido. Muitas eram peças únicas, de valor inestimável e, naturalmente, insubstituíveis. O que se perdeu, perdido está. O pouco que temos de memória nacional vai escorrendo pelo ralo.

Como se vê, nem bens culturais escapam à concupiscência que fervilha em nossa terra tropical. Ladrões não são só os que soltam palavrão em conversa caseira. O mal é maior.

A bicicleta do senhor padre

Todos os domingos, num lugarejo do interior, dois padres costumavam cruzar, de bicicleta, cada um a caminho de sua paróquia para rezar a missa. Certo dia, um deles vinha a pé. Surpreso, o outro padre parou, cumprimentou e perguntou:
«Onde está sua bicicleta, Padre João?» «Sumiu! Acho que foi furtada do pátio da igreja.»

«Que absurdo!» ― exclamou o ciclista. «Eu tenho uma ideia para saber quem é o culpado: na hora do sermão, cite os 10 mandamentos. Quando chegar ao “Não roubarás”, faça uma pausa e percorra os fiéis com o olhar. O culpado com certeza vai-se denunciar!»

No domingo seguinte, os dois cruzam de novo na estrada. Ambos de bicicleta. O que tinha dado a ideia diz:
«Parece que o sermão deu certo, não é, Padre João?»

«Mais ou menos», ― responde ele ― «na verdade, quando cheguei ao “Não cobiçarás a mulher do próximo”, acabei por me lembrar onde é que tinha deixado a bicicleta.»

É tudo nosso

Marginal TietêJosé Horta Manzano

O Rio Tietê, posto ali por Mãe Natureza, foi uma das principais vias de penetração no território da América Portuguesa. Foi por ali que aventureiros burlaram o que tinha sido combinado no Tratado de Tordesilhas e expandiram os domínios da Coroa lusa até o Mato Grosso. Chegaram até as fraldas da Cordilheira dos Andes e só não foram além porque ferozes castelhanos, chegados pelo outro lado, já haviam se estabelecido naqueles pagos e não mostravam intenção nenhuma de abandonar o pedaço.

Já está fazendo meio século que o trecho do Tietê que corta a capital paulista deixou de ser rio. Tornou-se esgoto a céu aberto, uma cloaca, um espetáculo vergonhoso a que todo estrangeiro desembarcado em Guarulhos tem de assistir.

Trafegando pela pista de sua avenida marginal, é inútil tentar mostrar ao visitante a “beleza” da paisagem do lado direito, com direito a Anhembi e sambódromo: o que lhe atrai a atenção é o esgoto, do lado esquerdo. Um vexame permanente.

Depois de décadas de hesitação, o Departamento de Águas finalmente decidiu plantar ali 40 mil árvores para amenizar a feiura das águas pretas. Mesmo atrasada, foi uma boa iniciativa. Antes tarde que nunca.

Pois o inventário do fim do ano passado revelou que, entre deperecimento natural, vandalismo e furto, 4 mil árvores haviam desaparecido. Uma em cada dez!

Com razão, todos protestam quando corre a notícia de que o deputado Fulano ou o ministro Beltrano, baralhando o público e o privado, se apoderou de nacos do patrimônio público. O mais curioso é que os que mais gritam são muitas vezes os mesmos que se apossam das mudas plantadas e pagas com o dinheiro de todos.

Fico imaginando o sujeito tomar emprestada a caminhonete de um amigo, vir até a avenida que margeia nossa cloaca, estacionar no meio daquele tráfego selvagem e arriscar a vida para roubar, para seu uso particular, um pedaço do patrimônio público. Edificante, não é?

Brasil, um país de todos ― essa é a versão oficial. Há uma outra, menos glamorosa: Brasil, país onde muitos se esfalfam para que uns poucos vivam no bem-bom.