Passaporte vacinal

José Horta Manzano

Pôôôxa! O homem não perde ocasião de mostrar que é empacado mesmo! Olhe, não é pra fazer inveja a ninguém, mas tenho de informar que já recebi meu passaporte vacinal. Sem discussão, sem blablablá, sem veto, sem polêmica. É tão natural.

Um exemplo simples. Dono de restaurante não é obrigado a deixar entrar todo o mundo; tem o direito de recusar a entrada daqueles que não preencherem determinadas condições. Pode barrar o acesso a quem estiver não estiver convenientemente vestido, por exemplo. E tem também o direito de só permitir entrada a quem tiver sido vacinado. O mesmo vale para uma companhia aérea e até para um país. Em certos países tropicais, só entra quem puder provar ter sido vacinado contra malária.

Para agradar aos devotos, o capitão tem de tomar essas atitudes que vão contra o bom senso. Ele tornou-se refém dos radicais.

Eles lá e nós aqui

José Horta Manzano

As variantes britânica, sul-africana e brasileira do coronavírus estão fazendo estrago feio na Europa. A Itália é bom exemplo do fenômeno. Em março-abril de 2020, sofreram a primeira investida da epidemia. Foi aquele caos que assustou o mundo, período em que caixões eram transportados em caminhões do Exército, de madrugada, que era pra não aterrorizar a população. (Ficou ainda mais sinistro.)

O confinamento (que também responde pelo charmoso nome estrangeiro de lockdown) durou mais de dois meses durante os quais todos tiveram de ficar trancados em casa. Lá pelo fim de maio, a doença deu uma trégua, veio o desconfinamento e todos pensaram que o pior tinha passado. Ilusão.

Com o verão, vieram as férias e, com elas, os ajuntamentos, os beijos e os abraços. Não deu outra: no mês de outubro, o bichinho mostrou que não morre tão fácil assim. Voltou com força. As autoridades hesitaram em reconfinar a população. O vírus aplaudiu de pé. A partir daí, a curva de contaminações oscilou, numa gangorra angustiante, hoje sobe, amanhã desce, depois sobe de novo.

As medidas de proteção – desinfecção das mãos, distanciação social, máscara de proteção – ajudaram. E assim foi indo, até que passou o Natal e o novo ano trouxe a vacina. Todos imaginaram que estava aparecendo a luz no fim do túnel. O que ninguém previu foi que a vacinação seria tão lenta e que surgiriam variantes bem mais contagiosas da doença.

Nestas últimas semanas, a contaminação tem se alastrado em alta velocidade. As UTIs estão de novo lotadas. Pacientes em estado grave estão sendo transferidos para outras regiões do país. Que fazer?

Depois de hesitar, não houve jeito. Aconselhado pelas autoridades sanitárias, o governo italiano decretou novo confinamento, válido para o país inteiro com exceção da Sardenha (que é uma ilha). As regras são as mesmas que no ano passado: liberdade de ir e vir fortemente entravada, comércio fechado, proibição de todo deslocamento que não seja por motivo de trabalho ou de saúde.

O período de penitência começa nesta segunda-feira 15 de março e vai até a Páscoa. É como se a população inteira tivesse de usar tornozeleira eletrônica – sem direito a habeas corpus.

Enquanto isso, numa terra chamada Brasil, continuamos a brincar com fogo. Atiçados por um presidente que é vítima de manifesta perturbação mental, cidadãos se apinham em praça pública para exigir abertura do comércio. Agem como se fosse possível espantar o vírus no grito. Vestem verde-amarelo como se isso lhes conferisse legitimidade. “Brasileiros somos nós; o resto são comunistas!”, parecem querer dizer.

Sinto tristeza ao assistir a esse tipo de espetáculo. Me dá muita pena ver que, em pleno século 21, ainda se encontra gente que acredita num salvador da pátria. Tanto esses que agora se esgoelam por Bolsonaro quanto aqueles que antes se engalfinhavam por Lula ou por Dilma são apóstolos de seitas que não combinam com nosso tempo. Essa gente devota, que engole tudo o que seu mestre mandar, mostra falta de discernimento, incapacidade de pensar com a própria cabeça e de captar a realidade.

Uma lástima. Graças a eles, continuamos firmes em nossa trilha para transformar o país no foco mundial de irradiação da covid. O distinto aceita um comprimido de cloroquina?

Incompreensível

José Horta Manzano

Por que é que Bolsonaro é contra a vacinação anticovid?

Ele mesmo tem repetido, desde que a pandemia se instalou no país, que o bom desempenho da economia é essencial para ele conquistar um segundo mandato. Com a doença se alastrando, é inevitável que medidas de contenção continuem em vigor: confinamento, distanciação social, teletrabalho, entre outras. São medidas que, somadas aos hospitais transbordantes, freiam o bom andamento econômico do país. E o presidente sabe disso.

Nesta altura do campeonato, a única providência radical para acabar com a epidemia é a imunização coletiva. Para chegar lá, o caminho mais direto é a vacinação rápida e generalizada. Não é possível que doutor Bolsonaro não entenda isso; o moço é empacado, mas (supõe-se que não chegue) a esse ponto.

O raciocínio é simples e cristalino. Sem vacina, a doença vai continuar por meses e anos a perturbar todas as atividades – transportes, serviços, turismo, produção industrial, exportação. Em resumo, a economia vai continuar semiparalisada. Com vacinação generalizada e levada a toque de caixa, a recuperação poderá até ocorrer antes do fim de 2022. Um trunfo para o candidato à reeleição!

Por que é que Bolsonaro é contra a vacinação anticovid? Não é incongruente? Só vejo uma explicação, embora ela seja tão fora de esquadro que é difícil acreditar: se Sua Excelência age assim, será para contentar sua milícia de devotos.

De fato, entre os fanáticos, há quem acredite que a Terra é plana, há os que juram que o homem nunca pisou na Lua, há ainda os que estão certos de que o clã Bolsonaro é virtuoso e Trump venceu a eleição. Há, naturalmente, ruidosa parcela que tem medo que a vacina os transforme em jacarés. Por essa alucinante hipótese, doutor Bolsonaro estaria se mostrando hostil à vacinação unicamente para contentar seus seguidores e alimentar-lhes a ignorância.

Parece enorme demais pra ser verdade, não? Se minha hipótese for verdadeira, nosso doutor é ainda mais parado do que eu imaginava. Seu comportamento contenta os devotos, é verdade, mas leva ao desespero os demais, que formam a imensa maioria dos eleitores. As eleições estão logo ali na esquina, que não falta tanto assim pra 2022. Na hora de votar, todos se lembrarão do sufoco que passaram quando Bolsonaro bloqueava a vacinação no Brasil enquanto o mundo inteiro se imunizava. Brasileiro tem memória curta, mas nem tanto.

Falando em jacaré, vale lembrar o ditado que se usava antigamente e que cabe aqui como augúrio de ano novo para doutor presidente: «Deixe estar, jacaré, que a lagoa há de secar».

Corona-Infektion

José Horta Manzano

Como pode o distinto leitor imaginar, a mídia planetária deu destaque à notícia do resultado positivo do teste de doutor Bolsonaro para covid-19. Cada um temperou a informação com molho à sua moda, uns mais ácidos, outros menos.

Para Bolsonaro, é um combate contra a humilhação
Die Welt, Alemanha

Achei interessante a reflexão do alemão Die Welt. O longo artigo diz que, para Bolsonaro, começa agora um combate contra a humilhação. E argumenta: “A infecção é, portanto, também uma pequena humilhação para o presidente e sua tribo. Mesmo para seus devotos mais fanáticos, fica cada vez mais difícil defender a abordagem que ele tem feito do coronavírus, visto que os conselhos presidenciais nem parecem beneficiá-lo”.

É pra refletir em casa.