De horas e de horários

José Horta Manzano

Hoje mudamos de hora aqui na Europa. A hora que nos tinham surrupiado em março nos foi devolvida, e o sol volta a aparecer mais cedo, quando aparece. Em compensação, a noite chega rápido.

Faz trinta anos que é assim a cada ano. No último domingo de março se adiantam os relógios em uma hora. Volta-se atrás no último domingo de outubro. Nem todo o mundo aprecia, mas o jeito é resignar-se.

Agricultores e criadores são os que mais resmungam. Dizem que vacas, que não costumam usar relógio, ignoram invencionices humanas. Têm de ser ordenhadas todos os dias à mesma hora.

Hora legal na Europa

Hora legal na Europa

Por aqui, todos os países adotam a alternância de hora entre verão e inverno. As «fronteiras» criadas pelos fusos horários permanecem o ano todo. Espanha e Portugal, por exemplo, estão sempre separados por uma hora, no frio e no calor.

No Brasil, é um pouco mais complicado. Por razões geográficas, mudar de hora não faria sentido nas regiões próximas ao equador. Pra dizer a verdade, tampouco faz muito sentido no sul do País. A economia de energia gerada há de ser mínima.

Não sei por que, no Brasil, a hora legal muda à meia-noite. Qualquer estudo demonstrará que as horas em que o movimento é mais baixo se situam entre as 2 e as 4 da manhã. Europeus e americanos determinaram que a mudança se faça no meio da madrugada. À meia-noite atrapalha muita gente.

Interligne 18h

Vou aproveitar que estamos falamos de hora pra falar de horário. Hoje é dia de votar. No momento em que escrevo, as primeiras urnas estão sendo destrancadas, no Brasil, para votantes matinais. Daqui a três horas, serão destravadas as últimas, no Acre e no extremo oeste do Amazonas.

Brasileiros inscritos no Japão, na Austrália, na Nova Zelândia já votaram. As urnas foram totalizadas, e os resultados já estão em Brasília. Assim que der 17 horas no Acre – 20 horas em Brasília – os primeiros resultados começarão a ser publicados. É normal, visto que todos os eleitores terão exprimido seu voto, correto?

Não, distinto leitor, não é exatamente assim. Temos aí uma intrigante anomalia. Mais de 16 mil eleitores, inscritos em Los Ángeles, San Francisco e Vancouver, ainda disporão de duas horas para emitir seu voto. Em tempos de internet e de informação instantânea, esses privilegiados vão poder votar já sabendo a quantas anda a apuração.

Esquisito? Bota esquisito nisso! São poucos eleitores, concedo, mas, por questão de princípio, a ninguém deveria ser permitido votar uma vez que resultados parciais já tiverem sido anunciados.

Fusos horários no planeta Los Ángeles, S. Francisco & Vancouver estão no fuso U

Fusos horários no planeta
Los Ángeles, S. Francisco & Vancouver estão no fuso U

Imagine um cenário de eleição apertada, em que a vitória seja disputada voto a voto. Como é que fica? O futuro do Brasil seria refém da decisão de um punhado de eleitores!

É inacreditável que o TSE não se tenha até hoje dado conta dessa aberração. O mais provável é que sim, se tenham dado conta, mas que tenham julgado que, num País habituado a tolerar imperfeições, um malfeito a mais ou a menos não faria diferença. Para mim, faz.

Qual é a solução? Há mais de uma à disposição. A Itália adota o voto por correspondência. O cidadão pode votar durante todo o mês que precede o dia da eleição. Seu voto permanece sob custódia das autoridades competentes até o dia da apuração.

A solução francesa vai por outro caminho. Os franceses do estrangeiro – assim como os residentes em territórios onde o fuso horário é mais atrasado que na metrópole – votam de véspera. Em vez de fazê-lo no domingo, dirigem-se às urnas no sábado.

Pronto. Soluções, há. Basta confiar a responsabilidade de encontrá-las a gente capacitada e de boa vontade. Dizem que esse tipo de gente é mercadoria escassa atualmente.

Urna eletrônica

José Horta Manzano

Os brasileiros costumam se orgulhar da excelência de seu atual sistema eleitoral. A máquina de votar ― apelidada, por extensão de sentido, de «urna eletrônica» ― trouxe um avanço impressionante. Guindou o País à modernidade. Será mesmo?

É verdade que a contagem dos boletins nos anos 50, 60 era lenta, muito lenta. Ao final da votação, encerrado o trabalho das secções eleitorais, as urnas eram lacradas e levadas, sob escolta policial, até uma central de apuração. Permaneciam ali estocadas e intocadas, sob guarda constante, até o dia seguinte, quando as equipes começavam a abrir uma por uma e a contar voto por voto, sob o olhar atento dos fiscais despachados pelos partidos.

Voto com cédula

Voto com cédula

Demorava, é verdade. O resultado definitivo de uma eleição nacional saía, na melhor das hipóteses, 3 ou 4 dias após a votação. Mas podia muito bem demorar duas semanas ou até mais.

Quando os franceses querem lembrar que é impossível ter tudo na vida, dizem que «on ne peut avoir le beurre et l’argent du beurre», não se pode ter a manteiga e o dinheiro da manteiga. Se a eleição à moda antiga, com cédula de papel, apresentava o inconveniente da lentidão da apuração, por outro lado era mais efetiva em caso de contestação. Uma recontagem dos votos era possível e até fácil de fazer.

Já o novo sistema ― eletrônico, sofisticado e modernoso ― me deixa com um pé atrás. Quem me garante que os números que teclei serão realmente creditados ao candidato que escolhi? Quem passou atestado de idoneidade aos gênios que programam aquelas engenhocas? Quem certifica que não há colusão entre as partes para beneficiar este ou aquele candidato, este ou aquele partido?

O exercício da democracia é alicerçado pelo voto popular, mas ainda não foi inventada maneira infalível de banir o risco de fraude. Portanto, a prioridade deveria ser a transparência e a exatidão no cômputo dos votos, não a rapidez da apuração.

Urna transparente

Urna transparente

A meu conhecimento, nenhum país europeu adotou o voto eletrônico. Por aqui pode-se votar na secção eleitoral, por correspondência, por procuração, por antecipação. Experiências têm sido tentadas até com voto via internet. No entanto, nada de «urna eletrônica». Donde se conclui que os europeus estão atrasados nesse particular? Eu não iria tão longe.

Se me fosse dado decidir, eu ficaria com o melhor de cada um dos sistemas. Explico.

1) Revogaria o direito de voto dos analfabetos. Um cidadão que não tem condições de ler ou de escrever num pedaço de papel o nome de seu próprio candidato é presa fácil para o voto de cabresto. É obrigação do Estado alfabetizar a população. Que o façam.

2) Voltaria ao voto à moda antiga, cabine com cortininha, cédula de papel e urna de material transparente.

3) Estenderia aos mesários a obrigação de contar os votos de sua secção. Terminada a votação, cada urna seria aberta na presença de todos os mesários e de eventuais fiscais partidários. Os votos seriam contados à vista de todos. Como se faz no resto do mundo.

4) Utilizaria os modernos meios eletrônicos para a transmissão dos resultados. Terminada a contagem, o resultado seria transmitido por canais especiais a uma central de totalização. As cédulas seriam conservadas para eventuais confrontações.

Essas mudanças tirariam a pulga que hoje vive atrás da orelha de muito cidadão.Interligne 38

Interligne 3eRecebi hoje de uma amiga um desses textos apócrifos que circulam pela internet. Não se pode saber quem o escreveu, nem se corresponde à verdade. Mas não deixa de ser um grito de alerta.

«Na verdade, não parece estranho que os países adiantados repudiam a urna eletrônica? Está aqui uma das inúmeras possibilidades de fraude à luz do dia.

Já fui fiscal de eleições duas vezes e sempre achei o sistema vulnerável. Numa das vezes,uma urna enguiçou.

Chamamos o TRE, que nos enviou um técnico, um rapaz de seus vinte anos. Pedi a ele que se identificasse e perguntei se era funcionário do TRE. Respondeu-me que trabalhava para uma firma terceirizada.

Abriu a urna, extraiu o disquete dela, tirou do bolso trazeiro da calça jeans um novo disquete e se preparava para instalá-lo no lugar do original. Antes que ele completasse a operação, pedi que me deixasse examinar o novo disquete. O apetrecho trazia apenas uma etiqueta do TRE, um carimbo, uma assinatura e um número de série. Nada provava que o disquinho fosse autêntico, neutro e seguro.

Perguntamos ao rapaz se a mesa tinha de autorizar a troca e autenticar o novo disquete. Ele disse que não, não precisava de nenhuma comprovação. E foi-se embora levando o disquete danificado.

Passei a ter minhas dúvidas sobre a segurança do sistema.»