O Egito antigo e nós

José Horta Manzano

Futebol 1

O portal noticioso francês RTL comenta o fechamento temporário do estádio dito Arena Pantanal, inaugurado em Cuiabá um mês antes da Copa 2014. O complexo esportivo será interditado ao público para dar lugar a «intervenção de emergência», necessária para sanar «diversos problemas de construção».

Frise-se que o estádio foi entregue 6 meses atrás. Acolheu 4 (quatro) jogos do Campeonato do Mundo, entre eles um imperdível Nigéria x Bósnia. A construção da ‘arena’ custou módicos 254 milhões de dólares, que equivalem, ao câmbio atual, a 660 milhões de reais.

Dividindo o gasto total pelos quatro jogos que o estádio acolheu, chega-se ao veredicto: cada um dos encontros custou ao contribuinte brasileiro 165 milhões de reais. Sem contar o que vai ser gasto no «conserto». Não foi divulgada a porcentagem de superfaturamento incluída nesse valor.

Futebol 4O portal informa que o próprio governo do Estado de Mato Grosso reconhece que o futuro do campo de futebol está comprometido, dado que a previsão de receitas está longe de cobrir os custos de manutenção. É obra deficitária, como todos já sabiam.

Crédito: Kopelnitsky, EUA

Crédito: Kopelnitsky, EUA

Para fechar o artigo, uma última flechada. Fica-se sabendo que, para amortizar os 470 milhões de euros (1,3 bi de reais) investidos no estádio Mané Garrincha, de Brasília, serão necessários mil anos.

O distinto leitor e eu não temos nada que ver com o peixe. Mas pode ter certeza: os tataranetos dos tataranetos de nossos tataranetos nos amaldiçoarão.

Daqui a um milênio, se a humanidade ainda estiver povoando este planeta, nossa era será descrita como civilização atrasada, que gastava recursos construindo monumentos de concreto em vez de cuidar da saúde e da educação do povo. Exatamente como enxergamos o Egito antigo ou as monarquias absolutistas. No fundo, pouca coisa mudou de lá pra cá.

Mariel funciona!

José Horta Manzano

Enfeudada há mais de meio século pelo clã dos Castros, faz tempo que a República de Cuba não sabe o que é imprensa livre. Quem quiser se informar sobre o que ocorre – de verdade – na ilha, tem de se valer de outras fontes. O jornal oficial do partido não vai além de platitudes louvatórias ao regime.

Cubanos exilados, principalmente no Estado da Florida (EUA), estão geográfica e sentimentalmente próximos à pátria. O portal Martí Noticias é um dos porta-vozes da comunidade expatriada. Apoiando-se no relato do jornalista independente Moisés Leonardo Rodríguez, o portal deu notícias frescas e pouco glamorosas sobre o Porto de Mariel.

Como meus cultos leitores hão de se lembrar, a construção desse porto, situado a 45km de Havana, ficou por conta de financiamento do BNDES, o banco brasileiro de desenvolvimento econômico. Sim, senhor, o dinheiro usado foi o nosso. O SEU dinheiro, sim, senhor.

O custo total se aproximou do bilhão de dólares, boa parte dos quais foi entregue a fundo perdido, isto é, de mão beijada, de presente, sem necessidade de devolver. Guarda, que é teu! Doaram o fruto do nosso, do SEU trabalho, sim, senhor. País rico é país que doa à ditadura cubana.

Porto de Mariel, Cuba

Porto de Mariel, Cuba

Faz seis meses que, terminada a primeira etapa, o porto está funcionando. Sabe quantos barcos acolheu de lá pra cá? Apenas 57, o que equivale a 9 navios por mês ou 2 por semana. Dois por semana! Segundo o jornalista, esse volume de tráfego está longe de ser suficiente para justificar as instalações. Fica patente o fracasso do investimento multimilionário feito – em nosso nome e com nosso dinheiro – pelos estrategistas do Planalto.

Não precisa ser especialista em economia nem em comércio internacional para entender. Cuba pouco produz além de açúcar. Suas importações não atingem nem o mínimo vital, visto que a população bambeia no limite da linha da miséria. Se o país não se desenvolveu até hoje, não foi por falta de porto. O que faltou foi dinamismo econômico, há decênios sufocado pelo dirigismo estatal.

Mas peraí. Quando a esmola é muita, o santo desconfia. Vá lá que os estrategistas de nosso governo não sejam visionários, mas tampouco são completamente tapados. Investir por inverstir, mais valia pôr essa dinheirama em obra mais promissora. Por que, então, terão enterrado a avalanche de dólares (nossos) justamente num país cuja economia é atualmente inviável?

Duas possibilidades me ocorrem. A primeira é que tenham antecipado o que acontecerá quando os bondosos irmãos não forem mais deste mundo. A aposta terá sido que o regime se abrirá, que capitais do mundo inteiro fluirão para a ilha, que o porto funcionará a pleno regime, que o povo cubano será eternamente grato ao Brasil pelas bondades concedidas.

Essa possibilidade sofre de um pecado original. O perigo é grande de, uma vez enterrados os Castros, o Brasil ser rejeitado por ter sido financiador da ditadura e amigo dos opressores. Por jamais ter movido uma palha em socorro dos infelizes que, por delito de opinião, apodreciam nos calabouços. Sejamos francos: todo cubano sonha mesmo é com os EUA, não com o Brasil. Ter construído Mariel não faz diferença.

Porto de Mariel, Cuba

Porto de Mariel, Cuba

A segunda possibilidade já me tinha ocorrido algum tempo atrás. Na época, fiquei meio sem jeito de expô-la, a hipótese era ousada demais. Hoje faz sentido. O saqueio da Petrobrás se encarregou de preparar os espíritos para revelações ainda mais extraordinárias.

Não se pode (por enquanto) provar nada, mas não é absurdo imaginar que as obras do porto tenham sido hiperfaturadas. Afinal, as empreiteiras são as mesmas que trabalham para a petroleira brasileira, logo…

E o que terá acontecido com o hiperfaturamento? Ora, não é proibido imaginar uma partilha fraterna da propina entre companheiros: de um lado, a gerontocracia cubana e, de outro, a nomenklatura de Brasília. Uma ação entre amigos, por que não?

Por enquanto, ficamos na conjectura. Mas deixe estar, que indícios e registros ficam na história e, um dia, acabam vindo à tona. Quanto mais gente envolvida, maior o perigo de vazamento. Planejamento, arquitetura, construção e gestão de um porto marítimo exigem uma multidão.

É garantido que, no dia em que a ditadura cubana for banida, processos de expurgo vão ser abertos. Quando cai um regime ditatorial, é a regra. Entre os que forem apanhados, alguns podem muito bem solicitar o benefício da “delação premiada”, tão em voga atualmente. É aí que muita gente, por aqui, periga ver destruída sua biografia.

Paraísos fiscais

José Horta Manzano

Ladrão 2Não resta dúvida de que o assunto do momento é a divulgação da roubalheira na Petrobrás. Eleições, temos a cada dois anos, não é surpresa. A baixaria é esperada, programada e bem preparada. Xingamentos, dossiês, ameaças de processo, sopapos, contravenções eleitorais, brigas de rua, calúnias, suspeitas de fraude, tudo isso é corriqueiro e, até certo ponto, tolerado.

Mensalão, dinheiro na cueca, avenidas e túneis superfaturados, viadutos que desabam são acontecimentos ainda mais graves. Infelizmente, sua repetição vem contribuindo para atenuar-lhes o impacto. Já está pra fazer dez anos que somos sacudidos por um escândalo novo a cada semana. O resultado é que o povo anda meio indiferente, apático, blasé.

Petrobras 3Mas a dilapidação da Petrobrás supera tudo o que a imaginação mais fértil (e mais maligna) pudesse antever. Perto dessa rapinagem, mensalão é dinheiro de pinga. O desfalque é tão monstruoso que chega a eclipsar a eleição presidencial. E como é que fica?

Se novo mandato for conferido a dona Dilma, não há conserto. O máximo que se pode esperar é algum esperneio, alguma declaração indignada, e pronto: fim de papo. Se, no entanto, a oposição levar a taça, o maior favor que poderia fazer ao País seria privatizar essa empresa tentacular. É a melhor – se não a única – maneira de evitar que tragédias como a atual se repitam.

No Brasil, o nível moral e intelectual dos eleitos é cronicamente baixo. O Estado, que depende dessa gente para gerir estatais do porte de uma Petrobrás, não está em condições de fazê-lo. Essa firma gigantesca estaria melhor em mãos privadas. Alguém acredita que, se não fosse pública, a empresa pudesse ter sido alvo de gatunagem dessa importância?

Desempenho Petrobrás x grandes petroleiras Índice FTSE - Financial Times Stock Exchange

Desempenho Petrobrás x grandes petroleiras
Índice FTSE – Financial Times Stock Exchange

Certo que não. Seria firma grande e respeitada, daria emprego a milhares de funcionários e – o que é importante – pagaria o devido imposto sobre seus ganhos. Sem ter de arriscar dinheiro do povo e sem ter de se preocupar com a lucratividade da empresa, o Estado recolheria os pesados tributos que incidem sobre a prospecção de petróleo, seu refino e a venda de seus derivados. Quem perderia com isso, se não os assaltantes?

LadrãoIsso posto, sobram perguntas no ar. O afano na Petrobrás sobe à casa dos bilhões. Não são milhões, são milhares de milhões – quantia inconcebível para mortal comum que, no fim do mês, tem de fazer conta de chegar.

Na berlinda, estão um doleiro e um antigo diretor da empresa. Pressionados, propuseram devolver algumas dezenas de milhões. Mas falta explicar onde está o resto do dinheiro. Dizem que foi utilizado para a campanha eleitoral de 2010. De 2010? E por que não para a de 2014? A roubalheira parou em 2010?

Balela. Posso até acreditar que algum trocado tenha ido parar nos cofres do partido dominante. Mas ninguém me fará engolir a toada de que, além do caixa dois de campanha, ninguém se beneficiou.

Ladrão 3São bilhões, minha gente! Do dinheiro seu e do meu. A prova maior de que essa fortuna foi metodicamente remetida para o exterior é a implicação de um doleiro. Fosse o dinheiro destinado a alimentar caixa negra de partidos, não haveria necessidade da intermediação de doleiro. O grosso do butim há de estar bem guardadinho, espalhado por paraísos fiscais, em nome de empresas-fantasma, de parentes, de amigos, de laranjas.

Se um dos diretores da Petrobrás, ator coadjuvante do triste espetáculo, propôs-se a devolver sozinho 70 milhões, onde está a propina distribuída às dúzias de outros beneficiários?