As joias contrabandeadas

José Horta Manzano

O caso das joias contrabandeadas (supostamente a mando do então presidente Bolsonaro) continua a provocar turbulência. A mídia, que se apossou do assunto, insiste em falar de um “presente para a então primeira-dama”. Está faltando ânimo pra largar as certezas do “ouvi dizer” e explorar o universo do “e se fosse outra coisa”.

Há fatos que saltam à vista.

Valor
Há controvérsia quanto ao valor. Sem ser diamantário, a simples observação dos mais de 50 diamantes grandes que formam colar e brincos, adicionados à baciada de pequenos brilhantes incrustados no relógio e no anel informa que o valor total – cuja avaliação por especialista ainda não foi divulgada – pode ser bem superior a 3 milhões de euros. Pode ser o dobro disso ou até mais, só a perícia dirá.

Origem
Há controvérsia quanto à origem do mimo. Um vídeozinho de 1 minuto demonstra. Logo no início da gravação, interrogado por jornalistas, Bolsonaro conta: “Eu estava no Brasil quando esse… esse… presente foi ofertado lá… [pausa] nos Emirados Árabes”. Ora, toda a mídia repete que o mimo foi generosidade dos donos da Arábia Saudita, mas Bolsonaro, o destinatário, confirma que as joias vieram dos Emirados Árabes. Confundir os dois é o mesmo que confundir Suíça com Suécia, ou Brasil com Argentina.

Desleixo
Há cheiro de queimado quando se vê que uma encomenda de milhões de euros foi transportada na mochila do assessor de um assessor. Pra completar o quadro, veio também uma estatueta equestre cinzelada à mão, arrancada de sua base e espatifada em quatro ou cinco pedaços. Vê-se que o centro das atenções não era a peça artística mas o conteúdo do estojo. Ou talvez quem se encarregou do carreto tinha sangue neandertal nas veias.

Desembaraço
O cheiro de queimado aumenta quando se sabe que foram feitas nada menos que oito tentativas (frustadas) de retirar, em nome do capitão, as peças da alfândega na lábia, no grito e na carteirada.

Esse amontoado de informações às vezes contraditórias me lembra a peça Seis personagens à procura de um autor, de Luigi Pirandello. Os fatos estão aí, só falta a arte e a perspicácia de organizá-los numa sequência lógica. Proponho um esboço de organização.

Por alguma razão que o inquérito esclarecerá, o capitão pediu (ou o mandachuva árabe propôs) uma recompensa por algum favor recebido ou a receber. O valor estipulado foi de 3 milhões de dólares (ou 4 milhões, ou 5 milhões – montante a comprovar). Quando o emir (ou sultão ou rei) pediu o número da conta bancária de Bolsonaro a fim de fazer a transferência, este explicou que não era possível, visto que o mundo mudou e não se pode mais ter conta secreta no exterior com a mesma liberdade de antes. Conversa vai, conversa vem, ficou acertado que, em vez de dinheiro, o valor seria convertido em diamantes, mais cômodos de carregar.

Nessa altura, com medo de ser apanhado pela Receita na hora de passar a alfândega, o capitão sugeriu que as pedras não viessem soltas, mas montadas em colar, brincos, relógio. Em caso de má surpresa, ficaria mais fácil explicar que era um presente para a primeira-dama. Ao fim da aventura, era só desengastar as pedras e vendê-las aos poucos em Antuérpia ou no mercado nacional mesmo.

O rei (ou sultão ou emir) argumentou que não dispunha de diamantes nesse valor, nem soltos nem montados. Precisava primeiro passar encomenda à Casa Chopard. Ficou assim combinado.

Quando as joias ficaram prontas, Bolsonaro despachou um assessor graduado (ministro da República) para ir buscar. Por medida de precaução, a encomenda não veio na bagagem pessoal do ministro, mas na de um assessor. O resto da história todos já conhecem.

A sequência dos fatos não há de ser muito diferente do que o cenário que tracei. A estas alturas, ainda não se pode saber como terminará o caso dos diamantes contrabandeados. O fato é que essa história vai enriquecer a galeria de crimes cometidos por Jair Bolsonaro.

A ficha ainda não caiu

José Horta Manzano

Faz alguns dias, à aproximação do 7 de setembro, assessores do Planalto saíram em busca da faixa presidencial. Afinal, o Dia da Independência é o feriado maior, comemorado com desfile, faixa e fita. O adereço tinha de estar pronto, limpo, passado a ferro e tinindo para paramentar o presidente.

Faixa presidencialA faixa foi encontrada, mas o broche que completa o conjunto ‒ feito de ouro e diamantes ‒ tinha desaparecido. Parece que não é a primeira vez que objeto precioso desaparece nas dependências do Planalto. Ah, essas faxineiras…

A mídia divulgou o sumiço. Diante do compreensível escândalo que o “extravio” provocou, o broche, reapareceu rápida e miraculosamente. O objeto simplesmente repousava em berço plácido, bem debaixo de um armário que ‒ veja que coincidência! ‒ não via vassoura havia anos. Tinha caído e ninguém se tinha dado conta. Ah, esses distraídos…

Chegou o grande dia, faixa pronta, revigorada, aprumada, engomada e com o devido broche. E o que é que se vê? Um presidente que se apresenta na tribuna de honra como um civil qualquer, sem o símbolo tradicional.

desfile-7-setembro-5Concedo que o adereço não passa de um pedaço de seda, mas, diabos, é símbolo da nação. Nas grandes cerimônias, todo cacique usa o devido cocar. Até a rainha da Inglaterra, nas grandes horas, vem de manto e coroa. Senhor Temer houve por bem deixar a faixa em casa. Talvez tivesse receio de que o broche lhe fosse surrupiado. No Brasil, nunca se sabe.

Assim mesmo, teria valido a pena correr o risco. Ficou a desagradável impressão de que nem o próprio presidente respeita a autoridade de que está investido. A ficha ainda não caiu, o que é mau sinal.