País anfitrião

José Horta Manzano

Sobre as cinzas da Segunda Guerra Mundial, pairava uma certeza: guerras dificilmente têm final feliz. O saldo do conflito tinha sido de dezenas de milhões de mortos, sem contar feridos e desabrigados que perambulavam sem rumo. Todos tinham perdido. Além disso, nenhum dos objetivos tinha sido alcançado. Os participantes saíram da guerra mais pobres do que tinham entrado.

Diante de constatação tão amarga, ressurgiu a ideia de instalar uma organização que congregasse os países do mundo inteiro, um parlamento onde todos pudessem dialogar antes de dar voz ao canhão. Foi dessa necessidade ressentida por todos que nasceu a ideia das Nações Unidas.

Ficou acertado que a sede principal se construiria em Nova York. Aproveitando o palácio construído nos anos 1920 para sediar a falecida Sociedade das Nações, a cidade de Genebra (Suíça) foi designada como sede europeia da ONU. Desde 1945, a cidade é sede secundária da organização.

Embora seja a sede europeia da ONU e de mais uma trintena de agências internacionais, a Suíça não solicitou adesão à organização. A população do país não julgou fosse importante associar-se. Foi somente em 2002, quando a ONU já completava 57 anos de existência, que o povo suíço, por meio de plebiscito, aprovou a adesão do país.

A ONU e as agências internacionais respondem por cerca de 10 mil empregos diretos em Genebra ‒ sem contar as recaídas indiretas. É inestimável fonte de riqueza para a cidade. Faz funcionar o comércio, os serviços, o aeroporto, o mercado imobiliário, hotéis, restaurantes, táxis, escolas. A lista dos benfeitos é longa.

Já em Brasília, para certos luminares, a ideologia partidária fala mais alto que os interesses do Estado brasileiro. Semana passada, nossas autoridades fizeram saber que o Brasil renuncia a acolher a COP 25, conferência internacional sobre mudança climática prevista para 2019.

No câmbio oficial, restrições orçamentárias são o pretexto. No paralelo, está o cepticismo de algumas de nossas autoridades quanto aos efeitos das alterações do clima. Que me relevem a crueza de propósitos: é burrice pura. Acolher a conferência não é sinônimo de subscrever a suas conclusões. Se a Suíça pôde acolher a sede da ONU por 57 anos sem ser membro, por que não poderia o Brasil receber a COP por alguns dias sem tirar carteirinha de membro?

São tolos. Estão desperdiçando excelente ocasião para mostrar ao mundo que o Brasil mudou, que a ideologia já não dirige nossos negócios, que temos capacidade de organizar eventos internacionais, enfim, que amadurecemos. Mas… será que amadurecemos?

O edifício e a maquineta

José Horta Manzano

O portentoso (e modernoso) edifício retratado aqui abaixo, obra do arquiteto Niemeyer, é a sede do TSE ‒ Tribunal Superior Eleitoral. Fica em Brasília. Especificidade brasileira, a instituição está encarregada de organizar e administrar eleições. Em outros países, uma simples comissão subordinada à Justiça comum faz o trabalho. Entre nós, decidimos pensar grande: há todo um aparato nacional para cuidar do assunto. Afinal, somos um país grande e rico, que diabos!

Deixo ao distinto leitor a tarefa de calcular, por alto, quanto nos deve custar o funcionamento da estrutura. Começa com os ministros togados de Brasília e se expande pelas 27 filiais estaduais, também chamadas de tribunais. A manutenção do imponente prédio brasiliense, dos palácios estaduais e de todo o pessoal há de custar os olhos da cara.

Assim mesmo, a julgar pelos eleitos, é dinheiro desperdiçado. Ainda se a pesada e caríssima estrutura produzisse bons frutos, vá lá, ninguém reclamaria. Mas o gasto exorbitante do dinheiro do contribuinte, neste caso preciso, não tem melhorado o nível dos eleitos.

by Constantin Ciosu (1938-), desenhista romeno

Domingo passado, o Amazonas votou para governador. Cassados o titular e o vice, não houve jeito senão convocar novas eleições. Para prestigiar o pleito, doutor Gilmar Mendes visitou a capital do estado no dia do voto. Entre outras declarações, ensinou que a urna eletrônica ‒ da qual tantos desconfiam ‒ é testada a cada eleição.

Devo confessar que desconhecia esse fato. Procurei me interessar. Como é feito o contrôle? Segundo doutor Mendes, escolhe-se aleatoriamente certa quantidade de urnas. Para cada uma delas, será conferido se a totalização corresponde à planilha oficial enviada a Brasília.

Como é que é? Ou entendi mal, ou esse teste não testa. O que se quer saber não é se os mesários transmitiram total falsificado. Só faltava. O que se quer é ter certeza de que a totalização automática da urna, ao final do voto, reflete com fidelidade a escolha dos eleitores. A verificação evocada pelo doutor não garante que o próprio software instalado na maquineta já não venha viciado.

Já disse e repito: os únicos capazes de garantir a lisura da totalização de cada aparelhinho são os que produziram o software. E, naturalmente, seus mandantes. Na falta de prova escrita e tangível, pode-se apenas conjecturar sem poder afirmar. Alguns países democráticos e avançados chegaram a testar a geringonça. Não adotaram. Continuam a votar com a boa velha cédula de papel. «Por algo será» ‒ alguma razão há de haver, como dizem os espanhóis. Sabidos, os latinos também já tinham constatado que «Scripta manent» ‒ o que está escrito permanece.