République bananière

 

José Horta Manzano

“Mas… de onde saiu essa gente?” – é a pergunta que se faz desde que o capitão vestiu a faixa. De onde vem esse povo estranho que cerca o presidente, gente desprovida de inteligência, de bom senso e de lógica, sempre com quatro pedras no bolso e uma faca entre os dentes? Onde se escondiam antes? Como é que passaram despercebidos até chegar ao entorno de Seu Mestre?

Todos os jornais da França, sem exceção, reproduziram a inacreditável fala de Sua Excelência Guedes, ministro-chave desta República, que ousou apontar o dedo para a França e declarar que ela estava “ficando irrelevante para nós”.

O trecho do discurso em que o ministro chantageia o tradicional parceiro do Brasil e o ameaça de “irrelevância”caso não cessem as críticas sobre o desmatamento da Amazônia foi estampado em todos os jornais. Até o palavrão (coisa fina, Guedes!) sujou o papel. Fico aqui imaginando a incredulidade que marcou a expressão dos leitores, gente pouco habituada ao baixo nível da fala de Guedes. Talvez o ministro nem desconfie, mas francês é um povo que lê.

Falando nisso, muitos dados importantes sobre o comércio exterior brasileiro devem estar escapando a nosso bizarro ministro. Levantamento do Estadão mostra que, segundo dados fornecidos pela embaixada da França em Brasília, há 1.042 empresas francesas instaladas em nosso país, que dão emprego a 471.784 funcionários e atingem um volume anual de negócios de 66,1 bilhões de euros (R$ 350 bi).

No ano de 2020, com um volume de 32,3 bilhões de dólares (R$ 165.3 bi) a França foi o terceiro investidor estrangeiro no Brasil, atrás apenas dos EUA e da Espanha. Agora vem o dado mais interessante: enquanto a França ocupa o 11° lugar entre todos os países que vendem para o Brasil, o Brasil ocupa o 36° lugar entre todos os países que vendem para a França.

Tenho o dever de contradizer o ministro e informá-lo de que, no ponto em que estamos, é o Brasil que se está tornando irrelevante para a França, não o contrário. Sem as importações do Brasil, a França poderia continuar funcionando sem sobressaltos. Já sem as importações da França, o Brasil teria problemas.

É verdade que Paulo Guedes é reincidente. Já reclamou do horror que seria ter de viajar de avião ao lado de uma empregada doméstica; já deixou claro que lugar de filho de porteiro não é na faculdade; já insultou a primeira-dama da França ao dizer (em discurso público) que ela era feia mesmo. Tudo isso é verdade.

É verdade que ele é tolo, arrogante, boca-suja, inconsequente, imbuído da própria importância. Só que tem uma coisa: se seu chefe fosse um outro presidente que não Bolsonaro, sua soberba e essa sujeira que lhe sai pela boca ficariam quietinhas, guardadas no fundo de uma gaveta e trancadas a sete chaves. Se abre as asinhas e se comporta como se discursasse para bêbados num botequim, é porque se integrou no time presidencial e absorveu os princípios éticos e morais em vigor no Planalto.

Senhor Guedes acaba de dar excelente contribuição para cristalizar, aos olhos europeus, a imagem do Brasil como legítima república de bananas.

No Brasil, sua fala já saiu das manchetes e faz parte do passado; na França, há de marcar nossa imagem por décadas.

Escalada verbal

José Horta Manzano

Nunca jamais esta República (que alguns começam a chamar ‘República de bananas’) tinha assistido a tamanha escalada de epítetos pespegados ao presidente. É uma chuvarada que aperta a cada dia que passa.

O interessante é que, como a pandemia, a espiral começou de mansinho, como uma gripezinha que incomoda mas não mata – (sem alusões, hein!). De repente, um jornalista aqui, outro ali, ousou realçar alguma característica desairosa do capitão. Os começos foram tímidos, mas a progressão logo se mostrou geométrica.

Como em tudo na vida, a coisa vai e a coisa vem. Quem começou, na verdade, foi o presidente, ao desancar jornalistas com qualificativos agressivos. Os profissionais revidaram em seus artigos. E assim o pingue-pongue foi crescendo até atingir picos nunca vistos. Ninguém gosta de apanhar calado. Assistimos hoje a um leilão em que cada um dobra o lance do concorrente.

Em julho do ano passado, escrevi um artigo comentando a escalada verbal introduzida por doutor Bolsonaro nos costumes desta maltratada República. Relembrei como era a coisa nos tempos de Juscelino, ao final dos anos 1950, num tempo em que o Brasil ainda era civilizado.

Meio receoso, eu listei 15 qualificativos colhidos na internet, todos aplicados ao presidente. Já me pareceu uma enormidade. Frisei bem que não eram de minha autoria, mas escritos por outras plumas – eu só fazia citar. Na época, ninguém imaginava que o pior ainda estava por vir. Se o distinto leitor quiser rememorar aquele passado tão próximo e, ao mesmo tempo, tão distante, deixo o link mais abaixo.

Meses mais tarde, outros escribas também tiveram a ideia de compilar adjetivos, substantivos e expressões aplicáveis ao presidente. Selecionei três artigos, que estão aqui para quem quiser dar uma olhada. Os links estão logo mais abaixo.

Apesar dessa inflação de epítetos, a língua não se esgotou. Ainda há expressões a garimpar. Dizem que não adianta, porque Bolsonaro é blindado contra expressões ofensivas. Ah, é? Por que então pede instauração de inquérito contra qualquer um que o chame de genocida, pequi roído ou outro nome cheiroso ou espinhudo? Essa história de blindagem está mal contada.

Links

13 jul° 2020
José Horta Manzano
15 qualificativos

26 jan° 2021
Ruy Castro
24 qualificativos

28 jan° 2021
Ruy Castro
146 qualificativos

19 março 2021
Mariliz P. Jorge
191 qualificativos

La queue d’une poire ‒ 2

José Horta Manzano

«Il ne se prend pas pour la queue d‘une poire» – ele não se considera o cabinho de uma pera. É o que costumam dizer, jocosamente, os franceses diante de uma pessoa que acredita ter mais importância do que realmente tem. «Ele se acha», expressão da moda, dá o mesmo recado.

A última façanha de nosso guia é relatada em reportagem do Estadão. O figurão caído, em nova demonstração de que se considera acima dos demais mortais, volta a acionar o Comitê de Direitos Humanos da ONU. Yes, o ex-presidente tem uma «equipe legal no exterior».

Mr. Geoffrey Robertson, chefe do batalhão de criminalistas, deve convocar coletiva de imprensa internacional em Genebra esta semana. Pela enésima vez, pretendem denunciar a «perseguição contra o Lula».

É curioso. Não ocorreu ao Lula acionar a ONU quando velhos companheiros de caminhada ‒ penso em José Dirceu, Genoino, Vaccari, Palocci ‒ se encontraram em dificuldade com a justiça nacional. O privilégio de apelar para instâncias superiores é exclusivo do chefe. Edificante.

O personagem se considera o centro do universo. Seja como for, a gesticulação terá efeito nulo sobre o destino do ex-presidente. Primeiro, porque nenhuma decisão da ONU deverá ser tomada antes de uns dois anos. Segundo, porque as Nações Unidas são uma organização internacional, não supranacional. A legislação brasileira é soberana, portanto imune a injunções vindas de fora. O Comitê de Direitos Humanos não pode ir além de vaga recomendação.

Como se sabe, todo corrupto, quando apanhado, se diz perseguido político. O esperneio de nosso guia, além de não lhe ser de utilidade, periga piorar a percepção de nosso país no exterior. O Brasil que ele denuncia compara-se a uma república de bananas.

Perguntar não ofende
De onde estará saindo o dinheiro para pagar esse batalhão de advogados nacionais e internacionais? Advogado com gabarito para atuar junto à ONU cobra até para atender ao telefone. Pra uma hora de conversa com um profissional desse padrão, pode ir contando alguns milhares de dólares. Naturalmente, cobram adiantado.

Falam de nós – 19

0-Falam de nósJosé Horta Manzano

Navio-escola na Rússia
A edição em espanhol do Sputnik Mundo ‒ importante portal russo de informação disponível em 32 línguas(!) ‒ dá notícia da chegada de navio-escola da Marinha do Brasil, numa missão de longo curso. Atracou dia 29 de set° no porto de São Petersburgo (antiga Leningrado, Rússia), onde deve permanecer por alguns dias. A partir deste sábado, estará aberto para visitação.

navio-escola-1Hecatombe
O portal da Rádio França Internacional, braço da rádio pública francesa, surpreende-se com a hecatombe que vem ocorrendo na atual campanha eleitoral brasileira. Conta o triste fim que 15 candidatos do Rio de Janeiro conheceram. Execuções e assassinatos políticos não são propriamente habituais no Velho Continente. A especificidade brasileira nos aproxima, na cabeça dos europeus, do clichê latino-americano.

Tartaruga perdida
Vários sites italianos dão notícia de uma tartaruga desaparecida em 1982 e reencontrada agora. O animal vivia tranquilo no quintal de uma casa num subúrbio carioca até que, um dia, sumiu. Imaginando que o bichinho tivesse fugido para o mato, a família acabou esquecendo o caso. Hoje, trinta e quatro anos depois, a tartaruga foi encontrada no forro da casa, em meio a trastes abandonados. Tinha sobrevivido esse tempo todo alimentando-se de traças e outros insetos.

tartaruga-1República bananeira
O quotidiano argentino La Nación relata as últimas peripécias de um ex-guerrilheiro. Com os pés irremediavelmente ancorados ‒ chumbados, diria eu ‒ nos anos 1970, o incorrigível ex-presidente uruguaio José ‘Pepe’ Mujica deixou falar mais alto sua ideologia e voltou a disparar flechadas contra o governo dos vizinhos e sócios no Mercosul. Inconformado com a perspectiva de aproximação do bloco com a Aliança do Pacífico, qualificou Brasil e Argentina de “repúblicas bananeiras”. Pau que nasce torto…

As flutuações da lei

José Horta Manzano

Faz quase quatro mil anos que o Código de Hamurábi foi inscrito num monolito, em escrita cuneiforme. Aquele pedaço de rocha contém a coletânea de leis e procedimentos mais completa e mais antiga de que temos notícia. A criação ― e a aplicação ― de um arcabouço legal é uma das marcas que distinguem uma sociedade civilizada de um bando de selvagens.

Quando a Roma antiga firmou suas regras legais, justamente aquelas que deram origem ao nosso Direito, já fazia um milênio e meio que os pioneiros babilônios tinham dado os primeiros passos nessa senda.

Em nosso País, não faltam leis. Temos uma das constituições mais prolixas do mundo e um emaranhado impressionante de leis, decretos, medidas provisórias, provimentos, regulamentos. Não é a falta delas que atrapalha. Nem, como pensam muitos, o excesso. O que desorienta o cidadão é a instabilidade das normas legais. O que vale hoje à noite pode não mais valer amanhã de manhã.

Sonia Racy, em seu blogue alojado no Estadão, nos faz saber, neste 14 de novembro, que o emir de Dubai renuncia a participar de leilões de privatização de aeroportos brasileiros. O motivo da recusa foi atirado simples, franca e diretamente aos ouvidos do vice-presidente de nossa República: a insegurança jurídica. É gravíssimo o que disse o endinheirado potentado.

Este não é espaço onde se pretenda discutir a validade ou não de privatizações ou partilhas. O abandono total ou parcial de soberania, por parte do Estado, sobre aeroportos é um outro capítulo. O que me desassossega aqui é o fato de nossa instabilidade jurídica estar afugentando capitais.

Aeroporto de Dubai

Aeroporto de Dubai

Dubai, como os outros emirados do Golfo Pérsico, não produz nada. Quis a natureza que aquela região desértica se assentasse sobre um mar de petróleo. Vivem há anos da exploração dessa riqueza fóssil. E vivem muito bem! Melhor que isso: são governados por clãs que têm visão. Sabem todos que, mais dia, menos dia, o petróleo vai acabar. E aí, como fica?

Dado que o solo e o clima não permitem nenhuma agricultura, estão investindo na cultura do povo e diversificando as aplicações em outros países. A Sorbonne, tradicional universidade parisiense, foi convidada a instalar uma filial em Abu Dabi. Está funcionando já faz alguns anos.

As estatísticas mostram que o intenso investimento no setor de transporte aéreo já ergueu o aeroporto de Dubai a um patamar impressionantemente elevado. Em 2012, aquele terminal aéreo apareceu em 10° lugar na classificação mundial por número de passageiros. Desbancou Amsterdam, JFK (Nova York), Hong Kong, Madrid e até Frankfurt!

Enfim, não estão esbanjando o dinheiro fácil em palácios com maçanetas de ouro maciço. Estão transformando aquela desolada região em importante escala aérea, destino turístico, centro de educação de primeira grandeza, polo de pesquisa e desenvolvimento de alto nível.

Não são amadores. Se julgam que o Brasil não merece receber seus investimentos, dado o temor que nossa insegurança jurídica lhes infunde, é chegado o momento de nossas autoridades pensarem muito bem de onde viemos, onde estamos, e para onde queremos ir.

Sermos considerados república de bananas não só machuca nosso amor-próprio como também ― e principalmente ― nos afasta do circuito de circulação das riquezas. E isso, a longo prazo, é ruim para todos.

Agora infeccionou

José Horta Manzano

Dilma e Evo passaram uma hora conversando sobre a situação criada pela entrada no Brasil do senador boliviano. Falo daquele que ― como um verdadeiro super-homem ― escapuliu de La Paz, atravessou milhares de quilômetros de Bolívia, enfrentou numerosas barragens policiais, transpôs uma fronteira internacional, tomou emprestado um avião e chegou a Brasília, o ninho da águia. Uma odisseia! E nosso improvisado James Bond fez tudo isso com a cumplicidade de uma única pessoa: um singelo encarregado de negócios, que deve ter um coração grande assim, ó.

Enfim, eu dizia que Dilma e Evo confabularam durante uma hora inteira sobre o caso. Ignoram que, ao telefone, se podem dizer as mesmas coisas. Preferiram abandonar por um momento a ultrarrelevante cúpula da Unasul. Quanto jogo de cena!

Crianças de 7 anos carregam hoje no bolso um telefone. Faz 120 anos que palácios presidenciais são dotados do aparelhinho mágico que permite, sem necessidade de levantar do trono, conversar com mandarins do outro lado do planeta. Alguém já fez as contas de quanto custa à população brasileira uma hora de ― vá lá o termo ― trabalho da presidente da República?

Dilma e Evo, dois evidentes amadores, não aprenderam a lição ancestral que os avós de nossos avós já conheciam: mais vale prevenir que remediar. Desde o momento em que o senador bateu às portas da embaixada do Brasil e lá se refugiou, tiveram quase um ano e meio para tramar. Inexperientes e ingênuos, foram deixando para lá, acreditando que o tempo se encarregaria de resolver o assunto. Quem é que gosta de enfrentar problema espinhoso, não é mesmo?

Dilma e Evo

Dilma e Evo

Imaginaram que, como joelho infantil esfolado, a situação se resolveria por si mesma. Não aconteceu. Adubada pela incapacidade dos que podiam tê-la curado meses antes, a ferida se arruinou.

Cansados de suportar a inércia de mandachuvas imprevidentes, alguns resolveram agir por conta própria. Seria cômodo vender a fábula de que o pequeno encarregado de negócios ― que nem embaixador é ― tenha podido arquitetar sozinho a logística dessa peregrinação de La Paz a Brasília, coisa de filme de suspense. Acredite quem quiser.

Seja como for, agora chegou a hora, não dá mais pra esperar. A porca está torcendo o rabo. Infeccionada, a ferida já está. Antes que sobrevenha a septicemia, há que agir. Mas… fazer o quê? Qualquer solução será ruim.

O Conare não é órgão decisório, mas apenas consultativo. Asilos são concedidos, como se viu no caso Battisti, pelo ministério da Justiça, atrás do qual está o Planalto. Se asilo definitivo for concedido ao senador, o companheiro Evo pode ficar muito contrariado. E isso pode arranhar a coesão da potência bolivarianopetista que o Brasil e seus comparsas estão tentando edificar. A importância da Bolívia no subcontinente é tão enorme, como sabem todos, que sem ela nada se construirá. Melhor não desagradá-la.

Por outro lado, se o Planalto deixar de conceder asilo ao senador, um outro país qualquer lhe abrirá as portas. Pode até ser que o império o acolha! Senhor, que humilhação! Se acontecer algo do gênero, é a imagem do subcontinente inteiro que vai escorrer pelo ralo. Continuaremos a ser vistos como um bando de cucarachas que não conseguem resolver seus problemas civilizadamente. Um golpe sério para nós. O mundo vai voltar a nos enxergar como um punhado de republiquetas bananeiras, uma caterva de imaturos politicamente incapazes.

Agora infeccionou. Que fazer?