Imigrantes ucranianos

Reparem que o único a usar máscara que lhe esconde o rosto é um rapaz de aparência jovem.
O Globo, 11 abr 2022.

José Horta Manzano


Verás que um filho teu não foge à luta


Em primeiro lugar, quero deixar bem claro que sinto imensa pena do infeliz povo ucraniano, covardemente atacado pelo (que se acreditava ser o) segundo exército do planeta, poderoso e bem armado. Que os agressores não sejam tão treinados nem tão articulados como se imaginava, não muda nada. São mais numerosos e donos de potencial ofensivo de primeira.

O jornal O Globo dá hoje notícia de 74 ucranianos que fugiram da invasão russa e encontraram refúgio em nosso país. O número de abrigados no Brasil é baixo, um nadinha perto dos 4,5 milhões de solicitantes de asilo que já tinham sido contabilizados deixando o país até o meio-dia de ontem. Assim mesmo, é sempre melhor acolher uns poucos do que nenhum.

Acredito que o Brasil tem potencial – e vocação – para receber muito mais gente. Mas o fato é que os que fogem da Ucrânia neste momento saem com intenção de voltar o mais rápido possível. Não são imigrantes como nos tempos de antigamente, que vendiam tudo, escolhiam o destino e vinham com armas e bagagens pra nunca mais voltar.

Os ucranianos só precisam de abrigo temporário; assim que as bombas pararem de cair do céu, querem voltar. Por isso, é compreensível que prefiram não se refugiar a 11.000 ou 12.000 quilômetros de distância de Kiev.

Na notícia d’O Globo, lê-se o seguinte:


“Os homens somam 83% do contingente de imigrantes ucranianos e 46% do total são do sexo masculino na faixa etária entre 25 e 39 anos. As mulheres somam 17% e a maioria delas, cerca de 10% do total de imigrantes, têm entre 25 e 39 anos. Entre homens e mulheres, não houve imigrantes acima de 65 anos e apenas 2% tinham menos de 14 anos na data de entrada no País.”


Fiquei um tanto perplexo. É sabido que os ucranianos do sexo masculino com idade entre 18 e 60 anos estão convocados para a defesa da pátria e, por esse fato, proibidos de deixar o país. Não é opção, é obrigatório.

A todo momento veem-se imagens de jovens que acompanham mulher e filhos pequenos até a fronteira polonesa, e em seguida embarcam de volta no mesmo trem em obediência à convocação.

A torturada redação do texto do jornal não é um primor de clareza. Assim mesmo, entende-se que 83% dos imigrantes acolhidos no Brasil são do sexo masculino e que os 17% restantes são mulheres, o que não deixa de ser lógico (83% + 17% = 100%). Aprende-se também que não há imigrantes com mais de 65 anos.

Agora vem a conclusão: a menos que todos os homens acolhidos em nosso país tenham entre 60 e 64 anos, portanto fora da faixa de alistamento obrigatório, fato bastante improvável, conclui-se que o Brasil está dando abrigo a um contigente de refratários à convocação decretada pelo governo de Kiev.

Pode-se dar um desconto e imaginar que os imigrantes tenham sido declarados inaptos para o serviço militar por serem “portadores” de problemas físicos ou mentais, como se deve dizer atualmente. Parece conjectura altamente improvável.

Resta a hipótese mais provável: o Brasil está concedendo visto humanitário a homens na força da idade, que chegam solteiros a nosso país, por terem se recusado a ajudar a defender a terra que os viu nascer e crescer. E fazem isso justamente na hora em que ela mais precisa deles.

Se assim for, começa a ficar clara a razão de a maioria dos acolhidos ser do sexo masculino. Fica também evidente o porquê de terem buscado refúgio a milhares de quilômetros da terra natal.

Ajudar a Ucrânia a enfrentar o agressor é uma coisa; acolher desertores é outra. Bem diferente.

Seria interessante pedir esclarecimentos ao Conare (Comitê Nacional para os Refugiados). Por fineza, o distinto teria o número de telefone deles?

Agora infeccionou

José Horta Manzano

Dilma e Evo passaram uma hora conversando sobre a situação criada pela entrada no Brasil do senador boliviano. Falo daquele que ― como um verdadeiro super-homem ― escapuliu de La Paz, atravessou milhares de quilômetros de Bolívia, enfrentou numerosas barragens policiais, transpôs uma fronteira internacional, tomou emprestado um avião e chegou a Brasília, o ninho da águia. Uma odisseia! E nosso improvisado James Bond fez tudo isso com a cumplicidade de uma única pessoa: um singelo encarregado de negócios, que deve ter um coração grande assim, ó.

Enfim, eu dizia que Dilma e Evo confabularam durante uma hora inteira sobre o caso. Ignoram que, ao telefone, se podem dizer as mesmas coisas. Preferiram abandonar por um momento a ultrarrelevante cúpula da Unasul. Quanto jogo de cena!

Crianças de 7 anos carregam hoje no bolso um telefone. Faz 120 anos que palácios presidenciais são dotados do aparelhinho mágico que permite, sem necessidade de levantar do trono, conversar com mandarins do outro lado do planeta. Alguém já fez as contas de quanto custa à população brasileira uma hora de ― vá lá o termo ― trabalho da presidente da República?

Dilma e Evo, dois evidentes amadores, não aprenderam a lição ancestral que os avós de nossos avós já conheciam: mais vale prevenir que remediar. Desde o momento em que o senador bateu às portas da embaixada do Brasil e lá se refugiou, tiveram quase um ano e meio para tramar. Inexperientes e ingênuos, foram deixando para lá, acreditando que o tempo se encarregaria de resolver o assunto. Quem é que gosta de enfrentar problema espinhoso, não é mesmo?

Dilma e Evo

Dilma e Evo

Imaginaram que, como joelho infantil esfolado, a situação se resolveria por si mesma. Não aconteceu. Adubada pela incapacidade dos que podiam tê-la curado meses antes, a ferida se arruinou.

Cansados de suportar a inércia de mandachuvas imprevidentes, alguns resolveram agir por conta própria. Seria cômodo vender a fábula de que o pequeno encarregado de negócios ― que nem embaixador é ― tenha podido arquitetar sozinho a logística dessa peregrinação de La Paz a Brasília, coisa de filme de suspense. Acredite quem quiser.

Seja como for, agora chegou a hora, não dá mais pra esperar. A porca está torcendo o rabo. Infeccionada, a ferida já está. Antes que sobrevenha a septicemia, há que agir. Mas… fazer o quê? Qualquer solução será ruim.

O Conare não é órgão decisório, mas apenas consultativo. Asilos são concedidos, como se viu no caso Battisti, pelo ministério da Justiça, atrás do qual está o Planalto. Se asilo definitivo for concedido ao senador, o companheiro Evo pode ficar muito contrariado. E isso pode arranhar a coesão da potência bolivarianopetista que o Brasil e seus comparsas estão tentando edificar. A importância da Bolívia no subcontinente é tão enorme, como sabem todos, que sem ela nada se construirá. Melhor não desagradá-la.

Por outro lado, se o Planalto deixar de conceder asilo ao senador, um outro país qualquer lhe abrirá as portas. Pode até ser que o império o acolha! Senhor, que humilhação! Se acontecer algo do gênero, é a imagem do subcontinente inteiro que vai escorrer pelo ralo. Continuaremos a ser vistos como um bando de cucarachas que não conseguem resolver seus problemas civilizadamente. Um golpe sério para nós. O mundo vai voltar a nos enxergar como um punhado de republiquetas bananeiras, uma caterva de imaturos politicamente incapazes.

Agora infeccionou. Que fazer?