O fim do amém

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 4 jul 2015

Revolution 1O dicionário ensina que revolução, no contexto político, é rebelião contra o poder vigente, com vista a implantar mudanças profundas. Diz ainda que pode ocorrer de maneira progressiva ou repentina. Quanto maior for a rudeza, mais caracterizada estará a reviravolta.

A transição do regime militar para a democracia plena, que os manuais situam em 1985, não pode ser catalogada como revolução. Na verdade, a eleição presidencial daquele ano marcou o desfecho de um processo paulatino, gradual e sobretudo consentido. A mudança pode não ter agradado aos mandatários da época, contudo não ocorreu à revelia deles. Tendo sido autorizada, revolução não era.

Já a ruptura havida em 1964, dado o grau de brusquidão, encaixa-se melhor, stricto sensu, no conceito de revolução. Aliás, foi assim qualificada nos primeiros anos, embora seja hoje mais usual designá-la como golpe.

Dilma e Lula 4Nossos pais e nossos avós – esses, sim – conheceram tempos bem mais turbulentos. Na primeira metade do século XX, revoluções e golpes (bem sucedidos ou não) sobrevinham a cada par de anos. Por um sim, por um não, entrincheiravam-se cidadãos, desembainhavam-se espadas, granadas explodiam, casernas eram sitiadas. Visto com óculos atuais, esse rebuliço nos parece longínquo, intangível, empoeirado, perdido nos livros de história.

Os brasileiros que assistiram, já em idade de entender, ao golpe de 1964 já estão todos, há anos, agasalhados sob o manto do Estatuto do Idoso. Mais velhos ainda estão os que viveram uma revolução de verdade, daquelas boas, com canhão e tropa nas ruas. São hoje anciãos.

Os tempos mudaram. Não se pega mais em armas pra impor ideias, que isso está completamente démodé. Armas, hoje, são muito mais numerosas que antigamente, circulam bem mais rápido, estão em mãos de muito mais gente, mas servem pra outros fins.

Revolution 2No que diz respeito à política, os jovens adultos brasileiros, aqueles que entram agora na casa dos vinte e poucos anos, andam desencantados. Levantamento recente do TSE informa que, no espaço de sete anos, nossos cinco maiores partidos perderam dois terços dos afiliados menores de 25 anos. O desinteresse da banda jovem é flagrante e inquietante: são precisamente eles que, daqui a vinte anos, conduzirão o País.

Quais serão as razões desse desamor? Poderíamos culpar internet, redes sociais, materialismo, facilidades do mundo moderno. Será? Se assim fosse, o desinteresse dos jovens pelas coisas da política seria planetário, o que está longe de ser verdade. As causas são domésticas.

Pra começo de conversa, os que chegam hoje aos vinte aninhos só conheceram, no topo do Executivo, a dupla Lula & Dilma. Não nos esqueçamos que o presidente anterior, ao impor a sucessora, fez questão de apregoar que ela era ele e que ele era ela. Ou seja, ficou claro que eram angu da mesma tigela.

Dilma e Lula 5Tem mais. Desde que se conhecem por gente, os jovens de hoje vêm sendo diariamente bombardeados com escândalos, roubalheiras, prisão de medalhões. E mais roubos, e mais escândalos, e falcatruas, e mentiras, e caraduras. Convenhamos: é muita água pra pouco pote. Compreende-se que se sintam enfastiados e que menosprezem política e políticos.

O que anda fazendo falta é o debate de ideias, a troca de argumentos, o empenho pelo bem comum, a demarcação rigorosa entre o público e o privado. O Executivo onipresente destes últimos dez anos tem relegado o Legislativo a papel de figurante de opereta.

A crise de governança gerada pela ação desastrada da presidência da República está mostrando corolário positivo: o fortalecimento do parlamento. Deputados e senadores, desacostumados que estavam de fazer aquilo para que foram eleitos, andam meio aturdidos. O momento parece confuso, mas o tempo se encarregará de pôr ordem na casa.

Senado federal 1Suas excelências já dão mostras de que a era do amém chegou ao fim. Não é revolução de tanque e canhão, mas é como se fosse: as consequências serão notáveis.

No Brasil, a prática costuma contradizer a teoria. Nosso presidencialismo está-se transmutando em parlamentarismo de facto. Após tantos anos de um Executivo onipotente acolitado por congresso submisso, a virada é notícia animadora.

Aperfeiçoamentos terão de vir, ressalte-se. Para viabilizar o novo modelo, é imperioso implantar voto distrital e cláusula de barreira. Mas há um tempo pra tudo. Por ora, festejemos a revolução que se desenrola diante de nossos olhos e façamos votos para que o reequilíbrio entre poderes seja duradouro. Será bom para todos nós. Que os anjos digam amém.

Chega rápido

José Horta Manzano

Prisioneiro 2Ninguém sabe explicar bem por que, mas o fato é que notícia boa demora a chegar, enquanto notícia ruim voa.

Ao redor do planeta, poucos estão interessados na sucessão presidencial brasileira. Um punhadinho de gente sabia quem era o empresário Antonio Ermirio de Moraes, falecido este fim de semana. Ninguém está interessado no desenrolar das novelas em cartaz. A seca persistente em algumas regiões da parte sul do País ainda não comove a humanidade.

Foto: Digital Vision

                      Foto: Digital Vision

Em compensação, barbaridades como as que estão acontecendo em Cascavel, onde uma insurreição carcerária tem posto à mostra o lado mais primitivo da alma humana, essas, sim, vão para a manchete da mídia global.

Chantagem, degola, decapitação, tomada de refém, cena de violência são ingredientes indispensáveis para o bolo midiático crescer apetitoso e perfumado. O motim da prisão paranaense seguiu a receita. Como dizia uma tia minha, que se recusava a revelar segredos sobre os quitutes que preparava, «levou tudo o que precisou».

Segue, aqui abaixo, um giro turístico pela mídia estrangeira. É resenha do tipo «falem bem, falem mal, mas falem de mim».

Interligne vertical 16 3KbLa Repubblica (Itália)
Brasile: rivolta in un carcere, almeno 4 detenuti morti
Brasil: rebelião numa prisão, pelo menos 4 presos mortos

Der Spiegel (Alemanha)
Gefängnis in Brasilien: Hunderte Häftlinge meutern und enthaupten zwei Geiseln
Prisão no Brasil: Centenas de presos se amotinam e decapitam dois reféns

La Nación (Argentina)
Sanguinario motín en una cárcel del sur de Brasil
Motim sangrento em prisão do sul do Brasil

Blick (Suíça)
Blutige Knast-Revolte in Brasilien
Motim sangrento no Brasil

Expressen (Suécia)
Blodigt fånguppror i Brasilien ― två döda
Rebelião carcerária sangrenta no Brasil ― dois mortos

ABC News (EUA)
2 Beheaded, 1 More Killed in Brazilian Prison Riot
Dois decapitados e mais um abatido em rebelião carcerária no Brasil

Api Ural (Rússia)
В бразильской тюрьме начался кровавый бунт
Rebelião sangrenta começou em prisão brasileira

RTL (França)
Brésil : quatre morts dans la mutinerie d’une prison
Brasil : quatro mortos em motim carcerário

Volkskrant (Holanda)
Braziliaanse gevangenen onthoofd bij opstand
Presos brasileiros decapitados em rebelião