De novo a Coreia

José Horta Manzano

Você sabia?

Quando a Inglaterra sediou a Copa do Mundo, em 1966, os tempos eram outros. Estados Unidos e União Soviética se encaravam com ar feroz. Quanto aos demais países, cada um se alinhava com uma das potências. Em 1950, o norte da Coreia, alinhado com a URSS, havia invadido o sul, alinhado com os EUA. As superpotências guerrearam por procuração. O conflito armado só foi suspenso três anos depois, com a criação de uma zona desmilitarizada dividindo a península em duas zonas de influência. Foi o advento das duas Coreias, tais como as conhecemos.

Entre os 16 participantes da Copa de ’66, estava a Coreia do Norte, tão pobre e tão misteriosa quanto hoje. Sua participação dava dor de cabeça ao país organizador. Dado que a Inglaterra não reconhecia o regime de Pyongyang, tanto o hasteamento da bandeira daquele país como a execução do hino criavam problema. Depois de muita concertação, uma solução intermediária foi encontrada.

O hasteamento da bandeira era incontornável, pois não era concebível que uma delas fosse retirada enquanto as outras continuavam a ondular. A bandeira ficou. Quanto ao hino, ficou acertado que, com exceção do jogo de abertura e da partida final, não haveria execução de hino nenhum. O remendo atenuou o mal-estar causado pela presença do incômodo visitante.

Na fase de grupos, a Coreia do Norte amargou, dentro da lógica, um 3 x 0 da URSS. Em seguida, surpreendeu ao empatar com o Chile por 1 a 1. No terceiro jogo, enfrentou a poderosa Itália. Tranquilos, todos esperavam pela lavada que os orientais haviam de levar. O primeiro tempo já estava pra terminar, e nada de sair gol. Aquilo já estava ficando enervante. Eis senão quando, aos 40 minutos… os coreanos marcam! Estupor!

Ferida em seus brios, a Itália voltou do intervalo disposta a repor as coisas nos devidos lugares. Mas não houve jeito. Desorientados pela energia abnegada dos coreanos, os jogadores italianos tinham a impressão de que os orientais eram muito mais numerosos que os onze regulamentares. O tempo passou, o jogo terminou, e a Itália não marcou. Teve de engolir a derrota por 1 a 0. Os visitantes incômodos só seriam derrubados por Portugal, na partida seguinte.

Até hoje, passado meio século, os italianos comentam aquele momento ressentido como vergonha nacional. Tornaram-se a única grande equipe europeia a ter jamais sido batida pela Coreia em Copa do Mundo. Essa situação durou até ontem. A derrota concedida pela Alemanha neste 27 de junho de 2018 mudou o cenário. Doravante, alemães e italianos estão juntos. Guardarão a mesma lembrança constrangedora.

Bobo da corte

José Horta Manzano

«Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu.»

Tem dias em que a gente se sente como bobo da corte, isso sim! Cedinho nesta quinta-feira, as manchetes do Estadão eram edificantes. Vamos pela ordem, se é que há ordem nesta República.

Chamada Estadão, 7 jun 2018

Temer, Moreira e Padilha
A Polícia Federal acaba de pedir ao Supremo Tribunal que suspenda o sigilo das comunicações e autorize acesso à lista de chamadas feitas e recebidas por três figurões do andar de cima. São peixes graúdos: o presidente da República e dois de seus ministros. Não é correto prejulgar, mas, como dizem os espanhóis, «por algo será» ‒ alguma razão deve haver.

Gilmar
A força-tarefa da Operação Lava a Jato assegura que a Federação do Comércio de São Paulo pagou 50 mil reais a um instituto ligado a doutor Gilmar Mendes. Saudade do tempo em que Gilmar era o festejado goleiro da Seleção.

FHC
A Polícia Federal (olhaí, de novo ela!) informa que Fernando Henrique pediu socorro a Marcelo Odebrecht e enviou-lhe seus dados bancários. Por que razão os terá enviado? Ganha uma passagem de ida simples pra Pyongyang quem adivinhar.

Urnas
Supremo Tribunal decidiu suspender implantação do voto impresso. Sem contraordem até outubro, as eleições se farão no escurinho, como de costume. Este blogueiro já se manifestou sobre o assunto e persevera: o voto eletrônico devia ser abolido. Se piratas informáticos conseguem introduzir-se nos computadores da CIA, nada garante a inviolabilidade do sistema eleitoral eletrônico brasileiro. A melhor arma contra fraudes ainda é o voto em cédula de papel, como se faz na imensa maioria dos países civilizados.

Conclusão
As demolidoras notícias de hoje confirmam a desagradável intuição que nos devora: são todos podres, não se salva um. E essa história de proibir voto impresso não me cheira bem. O futuro dirá.

Inteligência comercial

José Horta Manzano

Em 2009, no auge da época em que prestigiava governos autoritários e ditatoriais ao redor do planeta, o Brasil decidiu investir esforço e dinheiro para abrir uma embaixada em Pyongyang, capital da Coreia do Norte.

Na época, ficamos sabendo que nosso comércio bilateral com aquele longínquo país somava magros 178 milhões de dólares por ano. A justificativa anunciada para a abertura da nova representação diplomática era justamente incrementar trocas comerciais. Pelo menos, foi o que declarou nosso governo. Alguns até acreditaram.

No ano seguinte, segundo dados divulgados pela Divisão de Inteligência Comercial do Itamaraty, nossas trocas com o país oriental haviam baixado 20%, atingindo um total de parcos 143 milhões.

Mais um ano, novo decréscimo. A mesma Divisão de Inteligência Comercial anunciou para 2011 um resultado final de minguados 65 milhões, evidenciando nova queda de 54% com relação ao ano anterior.

Os dados de 2012 ainda não estão totalmente computados. Nem precisa. Até setembro, irrisórios 35 milhões de dólares haviam sido comerciados. Atenção: essa é a soma da mercadoria que vai com a mercadoria que vem!

Coreia do Norte

 

É bom saber quando se tem de entrar num jogo. É ainda melhor saber quando se tem de sair.

Se a intenção que levou à instalação da embaixada brasileira naquele fim de mundo foi realmente vitaminar trocas comerciais, há que reconhecer que foi um rotundo fracasso. Caso nosso governo tivesse a intenção de carregar alguns navios com víveres básicos para aliviar a miséria daquele desafortunado povo, não havia necessidade de abrir uma embaixada para isso. Se havia outras intenções, não foram divulgadas.

Seja como for, não se tem notícia de que as condições de vida dos infelizes norte-coreanos tenha melhorado de 2009 para cá. Se o Brasil, por sua vez, avançou em alguns aspectos, certamente não terá sido em consequência de nosso comércio com aquele país.

Alguns dias atrás, o governo da Coreia do Norte recomendou a todos os estrangeiros que deixassem o país. Não estão brincando. O risco de um conflito já está apontando na esquina. O governo brasileiro ficou de pensar no assunto.

Um detalhe importante: 6 (seis) brasileiros vivem atualmente naquele país. Entre eles, o embaixador, sua esposa, seu filho e mais um funcionário administrativo. Os outros dois são a esposa e a filha do embaixador da Palestina, que detêm a dupla nacionalidade. Nossa embaixada em Pyongyang é, sem sombra de dúvida, assaz movimentada.

Diante desse fiasco, vem a pergunta: vale a pena manter aberta essa representação? Deixemos que a Divisão de Inteligência Comercial proponha a melhor solução.