De ventos e de auroras

José Horta Manzano

Antes de se interessar pelos pontos cardeais, os antigos se preocuparam com os ventos, as chuvas, o ritmo das estações. Dá pra entender. A vida era dura e não dava espaço pra divagações filosófico-astronômicas. Do tempo atmosférico dependiam os cuidados a dedicar à agricultura. Mais importante que saber onde estavam o norte ou o sul era conhecer os ventos que sopravam de um quadrante ou de outro.

vento-5Tanto na Grécia antiga quanto na Roma dos Césares, os ventos ganharam nome antes dos pontos cardeais. Por consequência, os adjetivos usados para indicar o que vem do norte (ou o que lá está) derivam dos ventos que sopram daquele quadrante. O mesmo vale para o lado oposto, o sul.

O termo latino «bórea», que corresponde ao grego «boréas», designa o vento frio que sopra do norte. Na outra ponta, o latino «áuster», relacionado com o grego «áuso», é o nome dado ao vento sul, um sopro quente e árido.

Em nossa língua, no dia a dia, dizemos “nortista”, “sulista”, “sulino” ‒ são vocábulos mais fáceis de reter e de entender. Em linguagem mais tensa, esses termos são substituídos por “boreal” e “austral”, o primeiro se referindo ao norte e o segundo, ao sul.

Nas regiões situadas em altas latitudes ‒ cerca dos polos ‒, ocorrem fenômenos elétricos episódicos na alta atmosfera, que se traduzem por clarões impressionantes, de cor variando entre verde intenso e solferino. O espetáculo leva o nome de aurora polar. Em três cliques, o distinto leitor encontrará na internet descrição detalhada dos comos e dos porquês desse fenômeno.

Folha de São Paulo, 3 março 2017 Clique para ampliar

Folha de São Paulo, 3 março 2017
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O Hemisfério Norte de nosso planeta é habitado, enquanto o Hemisfério Sul tem pouca terra e pouca gente. Logicamente, auroras polares são observadas com maior frequência nas regiões próximas do Polo Norte ‒ Rússia, Canadá, Groenlândia, Escandinávia, Islândia. Por ocorrer no Hemisfério Norte, esse fenômeno costuma ser chamado aurora boreal. No Hemisfério Sul, o mesmo acontecimento só pode ser observado a partir da Antártida, lugar pouco hospitaleiro.

Aurora polar observada nas cercanias do Polo Sul não será ‘boreal’, mas austral. O autor da legenda da belíssima foto publicada pela Folha de São Paulo trocou os pés pelas mãos. Desconhecendo o significado do termo «boreal», há de ter imaginado que se referia ao fenômeno. Errou. A palavra tem a ver com o norte.

Tivesse escrito «aurora austral», o autor da legenda teria merecido aplausos.

Que tal um friozinho?

José Horta Manzano

Você sabia?

No Brasil, quando o termômetro cai a 18°, a gente diz que está friozinho. Se desce mais uns 5 graus, dizemos que está muito frio. Abaixo de 10°, todos reclamarão que está parecendo o Polo Norte. É uma questão de hábito.

A vilazinha siberiana de Oymyakón (Оймякон em escrita cirílica), com seus quinhentos habitantes, é considerada a localidade ― habitada em permanência ― mais fria do planeta. Há regiões ainda mais geladas, mas são povoadas por pinguins ou por algum cientista de passagem.Oymyakón 1

O lugarejo de que lhes falo está situado na Federação Russa, na parte oriental da Sibéria, mais precisamente na República da Yakútia. Nas noites de janeiro, o mês mais frio, faz 50° abaixo de zero. Isso é uma média, evidentemente. Há períodos em que a temperatura desce de verdade. Já roçaram os 70° abaixo. Isso, sim, é que é frio para ministro nenhum botar defeito.

O mais inacreditável é que, em alguns dias do verão, o termômetro resolve subir tropicalmente. Em julho de 2010, encostou nos 35°! Não segurou a canícula por muito tempo, mas chegou lá.

Oymyakón é uma das três únicas localidades habitadas em que a amplitude térmica ― a diferença entre a máxima e a mínima ― ultrapassa 100 graus centígrados. As outras vilas estão também na Sibéria, naturalmente.

E olhe que a latitude, embora elevada (63°) não justifica tudo. No extremo norte da Noruega, por exemplo, fica a cidadezinha de Hammerfest onde, apesar da latitude mais elevada (70°), a média do mês mais frio não desce abaixo de menos 5°. São artes do Gulf Stream.Oymiakón 3

Em outras regiões do mundo, as escolas primárias fecham suas portas quando neva. A autoridade considera que um chão nevado pode representar perigo para a passagem dos petizes. Em Oymyakón, a escola só fecha quando o frio desce abaixo de menos 50°.

Mas não se afobem. Já estamos em abril, a primavera está aí. Oymyakón já está registrando médias bem mais confortáveis, em torno de menos 13, menos 14, por aí. Para este 14 de abril, a Central Meteorológica Russa prevê mínima de –27° e máxima de –2°. O verão, como podem ver, está batendo à porta. Para a semana que entra, deve melhorar.

Os serviços meteorológicos brasileiros não trabalham com a precisão dos russos, que, temos de reconhecer, são campeões no assunto. Também, não temos tanta necessidade. Nossa amplitude térmica é bem mais estreita. O que interessa mesmo é saber se vai chover ou não.

Falando em amplitude, não consegui identificar a localidade brasileira com maior diferença entre a máxima e a mínima absoluta. Acredito que poderia bem ser alguma cidadezinha da serra catarinense. De qualquer maneira, a variação anual não chega nem à metade dos 100 graus de Oymyakón.Oymiakón 2

Muito pelo contrário, nossa tropicalidade faz que a diferença entre os meses quentes e os mais frescos seja pequena, às vezes insignificante. Fernando de Noronha, um dos pontos mais observados de nosso território, registra média de 26.8° no mês mais quente e 25.5° no mais frio. Dá para ir à praia o ano inteiro.

Aceita um refrigerante?

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Nota: Em Oymyakón não há moradores de rua.

O fim da escuridão

Você sabia?

José Horta Manzano

Era um meio-dia de janeiro, sol saariano, já faz um bocado de tempo. Eu estava ciceroneando um amigo europeu em sua primeira visita ao Brasil.

De repente, ele se exclama: «― Mas os postes não têm sombra!»(*). Mas é claro, pensei eu, em pleno janeiro, ao meio-dia, não podia ser diferente. O estrangeiro continuava extasiado. Nunca na vida tinha visto aquilo, um objeto exposto ao sol, sem sombra.

Les Neyrolles, França

Les Neyrolles, França

Quem vive entre os dois trópicos, seja no hemisfério norte, seja no sul, está habituado a esse fenômeno. A gente nem repara. Mas pode deixar: para  quem vem de latitudes mais elevadas ― mais afastadas do equador ―é prodígio que não passa despercebido.

Aqueles que ainda trazem alguma lembrança das aulas de Geografia, hão de se lembrar que, devido à inclinação do eixo terrestre, unicamente os habitantes das regiões próximas do equador terrestre podem assistir a esse fenômeno. Quem vive ao norte do Trópico de Câncer ou ao sul do Trópico de Capricórnio nunca verá o sol a pino, bem em cima do cocoruto.

Quanto mais nos afastarmos do equador em direção ao polo ― Polo Norte ou Polo Sul, pouco importa ―, menos alto se avistará o sol do meio-dia. Nas cercanias dos polos, então, a coisa pode ficar preta. No sentido literal. No inverno, durante algumas semanas, o sol não surge no horizonte, é noite o tempo todo. A compensação vem no auge do verão, quando o sol não se põe durante umas boas semanas. É um dia interminável.

Aqui na Europa meridional e central, o fenômeno não chega a esses extremos. Em junho e julho, os dias são bem longos. Se não houver montanhas no horizonte, pode-se admirar o sol até por volta das 22 horas. Ao contrário, no inverno, antes das 17h já é noite negra. Para presenciar o fenômeno de semanas de sol contínuo, precisa viajar para além do Circulo Polar, no extremo norte da Escandinávia.

No entanto, mesmo sem ir tão longe, há lugares curiosos por aqui mesmo. Um exemplo peculiar é um lugarejo chamado Les Neyrolles, um dos mais de 36’000(!) municípios franceses. Fica num vale dos Montes Jura, a uns 50km da fronteira suíça.

O centro da localidade apresenta uma particularidade pouco invejável. De meados de novembro até meados de fevereiro, o sol simplesmente não aparece no céu. Ainda que o tempo esteja claro, céu azul sem nuvens, será impossível contemplar o astro maior. A luminosidade, felizmente, chega, mas o sol permanece abaixo da linha do horizonte.

A razão é uma parede de montanhas plantada bem nas proximidades do burgo, exatamente na direção do sul. No inverno, a mecânica celeste não permite que o sol, fraco e sem força, ultrapasse o cume daqueles montes. O povoado fica muito triste e, principalmente, muito frio. Só vive lá quem não tem outra opção.

Les Neyrolles não é o único lugar habitado a sofrer com essa falta de iluminação direta. Por razões histórico-econômicas ― presença de um rio, passagem de alguma antiga estrada, jazida mineral ―, outros lugarejos se encontram na mesma situação.

Mas alegremo-nos, irmãos! Fevereiro está terminando, os passarinhos já começaram a cantar, e logo o sol voltará a alegrar a natureza de Neyrolles e de outros povoados semelhantes.

Até novembro é garantido. Depois disso, sabe como é…

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(*) Meu amigo se referia à acepção própria de postes: estacas para iluminação pública. Hoje em dia, é verdade, o termo pode prestar a confusão. No Brasil há “postes” sem luz própria.