Vamos de cloroquina?

Prof. Didier Raoult, médico francês defensor da cloroquina contra a covid

 

José Horta Manzano

Esta semana, a Nature, conceituada revista científica britânica, publicou o resultado de uma análise sobre a administração de cloroquina e de hidroxicloroquina a pacientes que sofrem de covid-19. Nada menos que 94 cientistas endossam o estudo, que se baseou em quase três dezenas de ensaios clínicos efetuados com mais de dez mil pacientes.

Chegaram à conclusão de que o uso de hidroxicloroquina eleva a taxa de mortalidade. Já a cloroquina, molécula da mesma família, demonstrou ser simplesmente inócua. A fim de desestimular toda ideia de automedicação, os cientistas recomendam que pacientes de covid sejam alertados para esse perigo. Acrescentam que a administração de hidroxicloroquina potencializa o risco de hospitalização mais prolongada com frequente necessidade de intubação.

O estudo só vem reafirmar o que faz algum tempo que todos já sabemos: em caso de covid-19, cloroquina e hidroxicloroquina são medicamentos a banir. Na melhor das hipóteses, não fazem efeito nenhum; na pior, levam à morte. Tirando algum iluminado, como o professor Raoult – lombrosiano médico francês adepto ferrenho da cloroquina e da hidroxicloroquina –, todo profissional consciencioso devia passar ao largo desses medicamentos.

Não deixa de causar espanto que, no Brasil, muitos médicos (centenas? milhares?) continuem receitando e administrando essas moléculas a título de “tratamento precoce” de pacientes de covid. Será que esse pessoal não costuma se inteirar dos avanços da pesquisa científica? Não leem inglês ou, quem sabe, simplesmente não leem? Ou serão devotos fanáticos do capitão, daqueles que fazem tudo o que seu mestre mandar, sem parar pra refletir?

Talvez nenhuma das hipóteses mencionadas. Talvez a realidade seja mais tenebrosa ainda. É possível que, tendo estudado em escola de medicina de segunda categoria, estejam mal formados e despreparados para exercer a profissão. O que explica que não leiam pesquisa, visto que não entenderiam. O que também explica que sigam as orientações do capitão, visto que Bolsonaro lhes parece mais entendido no assunto do que os fracos professores que tiveram na escola.

Que São Benedito nos ajude!

Kit covid

José Horta Manzano

Meses atrás, sob instigação de nosso doutor presidente, o Ministério da Saúde havia encomendado caminhões de hidroxicloroquina e de azitromicina para entregar aos estados a título de «tratamento precoce» da covid-19.

Os governadores, mais chegados às orientações da ciência do que o presidente, recusaram-se a fornecer as drogas à população. A montanha de comprimidos encalhou nos armazéns federais. Para esvaziar os galpões, o governo federal planeja despachar os remédios para as farmácias populares, com a ordem de distribui-los gratuitamente a quem pedir.

Na França, logo que a epidemia estourou, um médico do Hospital Universitário de Marselha lançou a ideia de usar hidroxicloroquina combinada com azitromicina em pacientes com covid. Fez, por sua conta, um estudo com apenas uma vintena de (jovens) pacientes seus. Concluiu que o remédio era eficaz, visto que nenhum dos doentes desenvolveu um quadro grave. Vaidoso, convocou a imprensa e foi à televisão divulgar sua descoberta. Teve seu momento de glória e ficou conhecido no país.

As autoridades sanitárias se debruçaram sobre o caso. Depois de analisar os considerandos e os finalmentes, concluíram que a administração dessa combinação de remédios, além de não ter eficiência comprovada por teste de larga escala, é problemática. De fato, exige acompanhamento médico rigoroso e contínuo, pelo risco de importantes efeitos secundários. Desde então, ficou proibido administrar essa combinação de drogas como «preventivo» de covid ou mesmo como «tratamento precoce». Unicamente pacientes hospitalizados podem receber o tratamento.

by Nando Motta, músico e ilustrador

A azitromicina é um antibiótico. Sabe-se que a ingestão indiscriminada de antibióticos favorece o aparecimento de resistência no organismo. No futuro, quando o paciente realmente precisar, esse medicamento poderá não fazer efeito.

Quanto à hidroxicloroquina, contraindicações e efeitos secundários são da pesada. Insuficiência cardíaca, arritmia ventricular, lesões da retina, hipoglicemia, convulsões, vertigens estão entre eles. Não são drogas a serem distribuídas a quem pedir, como se fossem balas de açúcar.

Ao administrar essas drogas ao paciente internado, a intenção é evitar que a doença evolua para um quadro grave. É importante repetir que a combinação de cloroquina e azitromicina não cura a covid-19. Até o momento, não foi descoberto nenhum remédio para curar essa doença.

Na minha opinião, a atitude de nosso governo federal é temerária. Em outras terras, antibióticos só são vendidos com apresentação de receita médica. A ideia do governo brasileiro de distribuir indiscriminadamente drogas que deveriam ser controladas é porta aberta para o surgimento de um problema nacional de saúde: uma legião de cidadãos resistentes a uma classe de antibióticos. Sabe-se que essa situação favorece o aparecimento de superbactérias que não cedem a nenhum tratamento. Uma calamidade.

Um último detalhe
Relatório da Anvisa informa que 72% dos ingredientes básicos que compõem os medicamentos vendidos no Brasil são produzidos na China (37%) e na Índia (35%). De genuinamente nacional mesmo, só a embalagem e a bula, se tanto. Alguém precisa contar a nosso doutor presidente que, com o «kit covid», a China ganha mais que ele.

Cloroquina – 4

José Horta Manzano

Dois meses atrás, um decreto do governo francês havia autorizado a utilização da cloroquina para tratamento da covid-19. Desde então, muita água correu debaixo do rio Sena, milhares de cidadãos morreram e outros milhares se safaram da doença. Tratados ou não com o remédio polêmico, frise-se.

Faz alguns dias, como informei neste blogue, a revista médica britânica The Lancet publicou resultado de portentoso estudo feito com 96.000 pacientes. Chegou-se à conclusão de que nem a hidroxicloroquina nem seus derivados são eficazes contra a covid-19 em pacientes hospitalizados. Além de não fazer bem, o danado do medicamento ainda aumenta o risco de acidentes cardíacos. Cruz-credo!

As autoridades sanitárias francesas decidiram não arriscar. Nesta quarta-feira, 27 de maio, saiu um decreto no Journal Officiel (Diário Oficial) revogando a autorização dada em março. A partir de hoje, fica proibido administrar cloroquina para tratamento de covid-19. A única exceção fica por conta de pesquisas médicas com pacientes voluntários.

Doutor Bolsonaro já demonstrou que odeia a ciência. Além disso, é monoglota. Logo, é compreensível que não tenha lido o estudo publicado em The Lancet. Mas será que ninguém na sua assessoria ouviu falar, nem de leve, no assunto?

Isso vai acabar dando a impressão de que algum figurão do primeiro escalão é acionista do laboratório fabricante; e que prefere manter os ganhos financeiros à custa da saúde da população.

Três indícios e uma hipótese

José Horta Manzano

O que escrevo aqui abaixo não é fake news. É pura suposição minha, que não deve ser tomada por verdade bíblica. O distinto leitor é livre de discordar.

Primeiro indício
Faz menos de uma semana, os dirigentes dos países do G20 se reuniram numa cúpula especial realizada por videoconferência. Como é natural, a conversa não foi pública; o que sabemos é o que filtrou do Planalto.

Devido ao grande número de participantes e ao tempo exíguo, cada dirigente que quis se manifestar teve poucos minutos. No tempo que lhe coube, doutor Bolsonaro preconizou que a proteção da saúde ande de mãos dadas com a preservação dos empregos, o que é uma evidência. Até aí, ninguém discordou.

O resto de seu tempo, nosso presidente gastou tecendo elogios a uma substância farmacêutica chamada hidroxicloroquina, vendida no Brasil sob a marca comercial de Plaquinol. Segundo o doutor, o remédio – desenvolvido para tratar paludismo e poliartrite crônica evolutiva – é tiro e queda pra curar covid-19. É fácil imaginar a surpresa dos demais dirigentes. É que as palavras do doutor cairiam bem na boca de um representante farmacêutico; vindas do presidente do Brasil, soam esquisitas.

Segundo indício
Doutor Bolsonaro diz ter sido testado duas vezes pra descobrir se estava infectado pelo coronavírus. Afirma que, nas duas vezes, o teste deu negativo. Jornalistas reclamaram a prova do teste. O hospital, que deve ter sido pressionado pela Presidência, negou-se a mostrar papel assinado.

Terceiro indício
Domingo passado, doutor Bolsonaro saiu a passeio por bairros de Brasília para atirar-se nos braços de admiradores e «ouvir o que o povo quer». Mostrou não estar nem um pouco preocupado com contágio, nem ativo, nem passivo.

Hipótese
Juntando os três indícios, é possível formular uma hipótese. Doutor Bolsonaro teria sido contagiado pelo vírus, exatamente como Wajngarten, o general Heleno e mais uma vintena de assessores. Assim que sintomas leves apareceram, ele fez o teste. Deu positivo. Aceitou, então, conselho para medicar-se com Plaquinol. Como acontece na maioria dos casos de infecção pelo novo coronavírus, os sintomas foram leves e desapareceram após dois ou três dias. Os sintomas teriam desaparecido espontaneamente, mas o presidente atribuiu a cura milagrosa ao remédio que havia tomado.

Se verdadeira, minha hipótese explica:

• por que Bolsonaro usou o tempo de palavra no G20 pra elogiar uma molécula cujo efeito contra o coronavírus ainda não está acertado. O remédio é perigoso: tem mais de 30 efeitos secundários potenciais. Só poderá (ou não) ser indicado para combate ao vírus ao fim de estudo específico e sério.

• por que Bolsonaro se negou a mostrar o resultado do teste em papel assinado pelos diretores do hospital.

• por que Bolsonaro continua a sair por aí, a se jogar nos braços do povo, a circular como se não houvesse epidemia.

• por que Bolsonaro se gaba de seu passado de atleta ter driblado a doença: sou forte, pulo no esgoto e nada me acontece.

• por que Bolsonaro nega a gravidade da covid-19 e continua a fazer força pra desconfinar os confinados.

Até atitudes aparentemente irracionais, como as de nosso presidente, têm explicação. Difícil é encontrá-la.